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Falar de alimentação infantil, mais que necessidade, é um desafio. Como lidar com a indiferença da maioria dos pequenos a alimentos saudáveis e sua predileção por doces, massas e frituras? Para quem tem uma filha pré-adolescente em casa, com colesterol alto, apesar de sempre ter sido magra e se alimentar relativamente bem – se comparada a outras crianças que exageram nas ‘gordices’ – é um verdadeiro sacrifício.

Minha filha nunca gostou muito de carboidrato. Pães de maneira geral quase nunca entram no cardápio dela, enquanto outras crianças não dispensam um pãozinho francês. O ponto fraco dela, porém, é a batata frita (embora nunca façamos em casa), mas nos últimos tempos, ela tem resistido quando vai ao restaurante. E também já se conscientiza de que precisa cortar (ou reduzir ao máximo) os doces, especialmente o chocolate.

Para esclarecer mães como eu e tantas outras aflitas, o Blog Vida & Ação traz uma entrevista exclusiva com Brigitte Olichon, professora de Nutrição da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/Fase). Ela fala ainda do consumo desenfreado de açúcares, gorduras e carboidratos, não apenas na infância e na adolescência, mas também na fase adulta. E garante: é possível manter o equilíbrio no prato em todas as fases da vida.

– Estamos vendo adultos extremamente preocupados com o consumo de carboidratos e mães, especialmente, levando esse radicalismo para a rotina alimentar dos filhos. É preciso reduzir o consumo de carboidratos?

Os carboidratos, assim como as proteínas, as gorduras e as vitaminas e minerais, são essenciais para a saúde do organismo humano, principalmente naqueles que ainda estão em crescimento e desenvolvimento, como crianças e adolescentes. Porém, nenhum desses grupos, incluindo os carboidratos, devem ser consumidos exclusivamente, nem em excesso. O que se percebe é que vivemos numa sociedade onde os carboidratos em geral, principalmente os simples, estão sendo consumidos de forma exagerada e sem controle. Isso sobrecarrega o organismo e leva a distúrbios como obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial, aumento do colesterol e doenças cardiovasculares, entre outras que vemos aumentando entre crianças e adolescentes.

– Como então deve ser uma alimentação adequada? E como estimular que as crianças consumam alimentos saudáveis?

Uma alimentação saudável, em qualquer idade, inclui carboidratos simples e complexos, proteínas (feijões, ovos e carnes), gorduras saudáveis (óleo vegetal, castanhas, peixes gordos), vitaminas e minerais (legumes, verduras e frutas). Porém, o que vemos são crianças e adolescentes que não comem legumes, verduras, frutas e feijão, restringindo sua alimentação a açúcares simples e complexos como arroz, batata, macarrão, pão, biscoitos, refrigerantes e guloseimas em geral, além de um excesso de proteínas de origem animal e gorduras não saudáveis, como margarina, frituras, alimentos ultra-processados. Assim, restringir unicamente o consumo de carboidratos da criança ou do adolescente não resolve o problema. O profissional nutricionista tem o papel de avaliar as reais necessidades nutricionais do indivíduo e definir a melhor estratégia alimentar para melhorar a qualidade de vida do mesmo.

– Geralmente quem tira carboidratos consome mais proteínas. Isso é bom?
Pessoas que restringem o consumo de carboidratos sentem mais fome porque as células sentem falta da glicose e o organismo libera hormônios que sinalizam a falta deste nutriente. Assim, a tendência é consumir mais proteínas animais, que não contêm carboidratos, mas dão saciedade porque exigem um processo digestivo mais intenso. Porém, o organismo sente falta da glicose e tenta retirá-la de outros lugares, como as células gordurosas (criando um subproduto metabólico chamado corpo cetônico, que pode causar desidratação e complicações gastrointestinais) e musculares,(diminuindo a massa muscular). Além disso, o excesso no consumo de proteínas animais está relacionado a câncer, doenças cardiovasculares e falência renal. Uma vida saudável depende de uma alimentação, equilibrada onde todos os grupos alimentares estão presentes numa proporção adequada a cada indivíduo.

– Qual a orientação sobre o açúcar na dieta das crianças?
Até os dois anos o sistema digestivo, principalmente o intestino, ainda não está maduro suficiente para lidar com a presença de alguns alimentos, como a sacarose. Diante desta imaturidade, expor o intestino a essas substâncias pode levar ao desencadeamento de processos alérgicos, inflamatórios e até determinar doenças mais graves que irão surgir ao longo da vida deste indivíduo. Por causa disso, a Organização Mundial de Saúde orienta a não oferecer nenhum alimento adoçado ou à base de açúcar (como refrigerantes, achocolatados, sucos industrializados, biscoitos, doces, guloseimas e açúcar de adição) às crianças menores de dois anos. Depois disso, o ideal é deixar este tipo de alimento para situações especiais, não fazendo parte da rotina alimentar da criança.

– Como deve ser, então, a alimentação diária ideal de uma criança?

A alimentação diária de qualquer pessoa, desde a criança até o idoso, deve ser equilibrada, variada, colorida, com todos os grupos alimentares presentes (carboidratos, proteínas, gorduras, legumes, verduras, frutas, sementes), água e fibras. Nos horários da família, com pelo menos quatro refeições ao dia, sendo a principal o café-da-manhã. Na quantidade que meu corpo necessita (e isso eu só vou perceber se prestar atenção ao que como, sem distrações…). O ideal é que seja comida de verdade, feita em casa. Sem produtos industrializados, como temperos industrializados, embutidos, enlatados ou qualquer outro produto cujos ingredientes não sejam iguais aos que temos em casa. Também devemos diminuir a quantidade de açúcar (biscoitos, doces, sorvetes, guloseimas etc), deixando esses alimentos para ocasiões de festa, e melhorar a qualidade das gorduras (preferir óleo vegetal, sementes e peixes gordos). Água e atividade física fecham o ciclo da vida saudável.

– Quando alimentos light e diet devem entrar na rotina alimentar?
Alimentos diet e light são alimentos diferentes. Os diet não têm, em sua composição, algum ingrediente que está presente na versão original do mesmo produto da mesma marca. Em geral, o açúcar é substituído por adoçante. Neste caso específico, os adoçantes não devem fazer parte da alimentação de crianças e adolescentes pois são substâncias que atravessam a barreira de proteção do cérebro e podem prejudicar o desenvolvimento neurológico. Estudos comprovam também que o uso de adoçantes por crianças e adolescentes pode levar ao desenvolvimento de diabetes mellitus. Apenas aqueles que já são diabéticos poderão utilizar adoçante, mas a indicação é individualizada e deve ser feita por nutricionistas.

Quanto aos produtos light, eles contêm uma porcentagem menor de algum ingrediente em relação ao mesmo produto da mesma marca. Este ingrediente pode ser sal, açúcar, gordura ou outro. Assim, alguns produtos light podem ser piores que outros produtos originais de marca diferente. É preciso olhar atentamente os rótulos e comparar a lista de ingredientes para avaliar a qualidade do produto. Respondendo então à pergunta: o uso deve ser eventual, em dias de festa, quando houver indicação. Mais importante que tudo é oferecer alimentos in natura e buscar uma alimentação mais equilibrada, variada e colorida.

– Substituir açúcar por adoçante é recomendado? Crianças e jovens também podem consumir?
Adoçantes são substâncias químicas naturais ou artificiais com poder cem vezes maior de adoçar que o açúcar, são quase sem calorias mas possuem recomendação diária de consumo, que quase ninguém conhece nem segue. Substituir açúcar por adoçante é indicado em determinadas situações específicas, e mesmo assim sempre com moderação. Crianças e adolescentes (assim como gestantes) não deveriam utilizar este tipo de produto, que, como já disse acima, interfere no crescimento e desenvolvimento desses indivíduos. Minha questão vai além disso: por que precisamos substituir o açúcar? Se sabemos que ele, em excesso, faz mal (não só porque engorda, mas também porque desequilibra o metabolismo), substitui-lo é enganar-se.

Vivemos uma sociedade viciada em açúcar. Sofremos de síndrome de abstinência quando não o consumimos. Ele está presente em nossas vidas de forma absoluta, porque TODOS os produtos industrializados se utilizam dele para conservação, textura, sabor e consistência. O sabor doce nos acalma, é verdade, mas não conseguimos mais percebê-lo nos alimentos frescos, como frutas e legumes. Nossas papilas gustativas, que se localizam na língua, estão saturadas de açúcar (assim como de sal e gordura), e por isso cada vez mais precisamos dele. Estamos doentes e não percebemos que o organismo pode se recuperar facilmente quando oferecemos a ele alimentos naturais, frescos, coloridos e equilibrados.

* Com a colaboração de Valéria Veríssimo (SPS Comunicação)

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