A Síntese de Indicadores Sociais de 2024 divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (3/12) mostra que cenário de desigualdade no Rio de Janeiro segue acentuado, apesar da redução nas taxas de pobreza e extrema pobreza nos últimos anos. No estado, duas em cada dez pessoas ainda vivem abaixo da linha da pobreza, com renda inferior a R$ 694 — 19,6% do total. Essa população em vulnerabilidade social que mora em favelas e periferias do estado são o foco do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro. O público que já foi impactado pela iniciativa representa 5,8% de toda a população do estado.
Nascida durante a pandemia de Covid-19, a estratégia é resultado de uma articulação inédita entre organizações comunitárias e instituições científicas como Fiocruz, UFRJ, Uerj, PUC-Rio, Uenf, Abrasco e SBPC, em parceria com a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Em cinco anos de atuação, se consolidou como uma das iniciativas mais potentes de promoção da saúde em territórios periféricos no país.
Prestes a completar esse ciclo, o programa anuncia um marco histórico: mais de 1 milhão de pessoas já foram impactadas por ações que abrangem desde a segurança alimentar até a saúde mental, passando por educação popular, vigilância comunitária e tecnologias sociais desenvolvidas nos próprios territórios. Os resultados atingidos no período serão apresentados na sexta-feira (5/12), às 12h30, no evento Favelizar a Saúde: 5 anos de parceria Alerj-Fiocruz, na Arena Dicró, na Vila da Penha.
A escolha do lugar e do momento carrega peso simbólico. A atividade reunirá organizações que atuam em todo o estado, incluindo o Complexo do Alemão e Vila da Penha, área que ainda vive o impacto profundo da morte de 121 pessoas em confrontos com a polícia há pouco mais de um mês.
Celebrar conquistas e reafirmar políticas de cuidado a partir dali é também uma forma de resistência e de anúncio: nas favelas, saúde é construção coletiva, mesmo diante da dor”, destaca o coordenador do Plano Integrado de Saúde nas Favelas, Richarlls Martins.
Enfrentamento das desigualdades
A iniciativa foi pensada ainda durante a pandemia para ser um grande laboratório de tecnologias sociais, capaz de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) a partir das próprias potências que emergem dos territórios. Em cinco anos, destinou mais de R$ 20 milhões para ações locais — o maior investimento desse tipo já realizado no Brasil — e apoiou 146 projetos, com recursos que variam entre R$ 50 mil e R$ 500 mil, alcançando 175 favelas e periferias espalhadas por 33 municípios do estado.
O aporte financia cozinhas comunitárias que já garantiram alimentação digna para aproximadamente 250 mil famílias, com a distribuição de mais de 600 toneladas de alimentos e a reorganização de processos produtivos locais. As cozinhas se tornaram espaços de cuidado e mobilização, responsáveis juntas por 200 mil refeições servidas — uma resposta direta à urgência da fome que cresceu durante e após a pandemia.
A atuação no campo da educação em saúde também ganhou força: cerca de 40% das iniciativas apoiadas se dedicaram a formar multiplicadores, criar campanhas, produzir conhecimento e traduzir temas complexos para a linguagem cotidiana. Já as ações de agroecologia, que representam cerca de 30% dos projetos, fortaleceram hortas, quintais produtivos, viveiros, cozinhas de aproveitamento integral e redes que conectam saúde, território, soberania alimentar e sustentabilidade ambiental.
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75% das pessoas beneficiadas são mulheres
Nesse processo, o protagonismo das mulheres, principalmente as negras, tem se sido determinante. Estima-se que 75% das pessoas beneficiadas diretamente pelos investimentos sejam mulheres que lideram cozinhas, coletivos, grupos culturais, projetos de cuidado e iniciativas de formação, reafirmando o papel histórico delas na sustentação da vida nas favelas.
“Tenho acompanhado o Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro desde 2023, quando estava na chefia de Gabinete do presidente da Fiocruz, Mario Moreira. Considero que o Plano é inovador na sua construção coletiva. Os projetos têm gerado tecnologias sociais importantes numa perspectiva de produção de saúde na sua dimensão mais ampla, nos diferentes territórios”, afirma a coordenadora de Estratégias de Integração Regional e Nacional da Presidência da Fiocruz, Zélia Profeta.
Chama atenção o grande número mulheres e jovens nas coordenações dos projetos. Há muita pujança nessa proposta do Plano que é interinstitucional. Tenho sugerido que essa experiência seja levada para os outros estados onde temos unidades e escritórios da Fiocruz”.
As ações de saúde mental promovidas pelo Plano vem sendo fundamentais para dar apoio psicológico aos moradores de favelas que vivem em cenário de violência, luto e insegurança crônica. O Plano apoiou projetos que criam espaços de acolhimento, rodas de conversa, acompanhamento psicossocial e estratégias comunitárias de cuidado emocional. Além disso, investe na produção de diagnósticos sobre condições de saúde nas favelas, elaborados por organizações locais, que transformaram saberes populares e escutas comunitárias em instrumentos estratégicos de vigilância em saúde.
Para Richarlls Martins, as ações evidenciam que as práticas da população das favelas se traduzem em novas tecnologias sociais: “O conceito de favelizar a saúde reconhece que, nesses territórios, o cuidado sempre floresceu nas lideranças que acolhem vizinhos, nos jovens que comunicam para salvar vidas, nas mulheres que organizam cozinhas solidárias, nos agentes culturais, nas associações de moradores e em tantas outras formas de organização. Favelizar a saúde significa deslocar o foco: para entender que inovação também nasce do beco, da viela, da laje; que cuidado integral é prática cotidiana; que política pública se faz com território, não apesar dele”, define.
Fonte: Agência Fiocruz





