virtual

Seja por medo, insegurança ou até mesmo por questões econômicas, muita gente tem preferido namorar no sofá da sala… mas sozinho, com o celular na mão! Traumas do passado, baixa auto-estima, fuga da realidade, dependência digital… O que explica? E qual seria o limite entre um relacionamento virtual saudável e um patológico? Na página de Saúde do Jornal O DIA deste domingo, tratamos essa questão – leia a matéria completa aqui.

Para aprofundar mais o assunto, trazemos na íntegra as entrevistas com três especialistas ouvidos para esta reportagem: o psicólogo Nicolau José Maluf Jr., analista reichiano, Doutor em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia pela pelo HCTE/UFRJ e coordenador do IFP/REICH.  a psicanalista Haydée Côrtes Piña, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), e a sexóloga e psicanalista Lelah Monteiro.

 O DIA / VIDA & AÇÃO:   Muitas pessoas estão cada vez mais buscando relacionamentos virtuais. Há pessoas inclusive que preferem se relacionar virtualmente e não mais presencialmente. Quais as razões?

Nicolau: A resposta é um pouco longa e não tão simples. Central na explicação é a noção de “idealização” e do fato do nosso psiquismo permitir que tenhamos ilusões, ou seja, que vejamos as coisas não como elas são realmente, mas sim, muitas vezes, como desejamos que sejam. Isso decorre da permanência em nós, quando adultos, de modos infantis de funcionamento mental.

Como nos relacionamentos virtuais há  uma limitação, uma diminuição do uso integral de todos os sentidos – um contato virtual pode começar apenas por um texto escrito – é mais fácil  alguém relacionar-se mais com os próprias fantasias pré-existentes ( como a menina que aprendeu que existe um príncipe encantado que vai escolhe-la e torná-la princesa) , do que com a pessoa ela mesma, embora pensando que se relaciona com esta. A idealização torna-se então mais possível, pensa-se que o outro tem as qualidades que me são importantes e que me completam. O exemplo referiu-se ao mundo subjetivo da mulher, mas claro que acontece com os homens também. Na vida real, o convívio direto torna um pouco mais difícil a manutenção da idealização – a realidade me afeta mais fortemente- embora não impeça a idealização.

Um segundo aspecto importante é a idealização de mim mesmo, para o outro. O mundo virtual permite que alguém se apresente para o outro como um “personagem”, do jeito que “gostaria de ser”, e isso intencionalmente ou não, não importa. O próprio mundo virtual, não presencial, retira de cena elementos da vida social que funcionam como reguladores ou inibidores, o “olhar do outro”. Assim, alguém tímido pode eventualmente desempenhar-se de forma extrovertida, etc. Resumindo: o mundo virtual permite que a fantasia ocupe o lugar da realidade.

Haydée:O amor e a qualidade dos relacionamentos são uma construção social que se transforma a todo o tempo. Para falar sobre o campo virtual nas relações é necessário lançar mão do paradigma da complexidade. A sociedade de consumo traz como valor a instabilidade e, no tocante às relações, vemos a criação de vínculos frouxos e breves.

Relacionar-se virtualmente sustenta a individualidade, a ausência de exclusividade e, sobretudo, mantém o sonho de que o amor perfeito está a um clique de se tornar realidade. De toda forma, devemos examinar este assunto sem esquecer que o mundo “internético” permite encontros e reencontros e que frequentemente  promove saúde e prazer a quem faz uso dele.

– Lelah: O que leva uma pessoa a querer se relacionar virtualmente é a timidez, a facilidade com que isso tem ocorrido. Tem pessoas que acham que é mais seguro começar por aí.

O DIA / VIDA & AÇÃO:  A dependência digital pode gerar o risco da pessoa se isolar socialmente e viver num mundo paralelo, com grande sofrimento psicológico. Concorda? Por que?

Nicolau: De certa forma, a saúde emocional e psicológica de alguém pode ser avaliada pela capacidade de lidar com a realidade, de viver e superar frustrações, de viver prazer e satisfações e não depender unicamente dos últimos na vida. Todos nós temos desejos e necessidades emocionais que pressionam por satisfação, nem sempre fáceis ou possíveis de se obter. 

Dificuldades no lidar com a realidade podem fazer com que alguém busque refúgio “dentro de si mesmo” ou em atividades que permitam satisfação através da  imaginação e do virtual. Mas mais cedo ou mais tarde a realidade entra em cena e se impõe a quem está nessa condição, o fato real da existência, a dor e o sofrimento levando compulsivamente a buscar refúgio novamente na fantasia. Toda forma de adição tem mecanismo semelhante, pode ser no alcoolismo, nas drogas ou na relação com o virtual.

Haydée: Prefiro pensar que a dependência digital tem sua  origem num sofrimento emocional, mais do que ser a responsável por ele.

O DIA / VIDA & AÇÃO:   Pessoas que já sofreram no passado com relacionamentos fracassados presencialmente tendem a se envolver mais dessa forma? Por que?

Nicolau: Não necessariamente. Certamente uma característica dos nosso tempo é a dificuldade nas pessoas de estabelecimento de vínculos afetivos mais duradouros, as relações tendem a ser efêmeras. Mas há casos e casos. Já foi visto muitas vezes no consultório pessoas que mantiveram e ainda mantinham relações amorosas, afetivas, que estas pessoas mesmo consideravam importantes e satisfatórias, mas que compulsivamente buscavam outras relações no virtual. Entram vários fatores na equação, mas ganha destaque novamente a idealização, quer seja na perspectiva do encontro de um parceiro(a) “perfeito(a)”, do ponto de vista afetivo, quer seja na de uma satisfação  erótica “absoluta, total”. As questões e dificuldades emocionais que atuam na vida real, cotidiana, fazem o mesmo no mundo virtual. O problema não é a tecnologia, e sim, a estrutura emocional de cada um. A tecnologia, assim como as influências politicas e econômicas somente atuam a longo prazo, ao largo de pelo menos uma geração, na determinação de características de personalidade.

Haydée: Porque o relacionamento virtual oferece certa proteção e aparente controle. É possível envolver se e deletar pessoas com a mesma prontidão; é possível ser quem você deseja ser e achar aquilo que completa seus sonhos/ tudo isso ao alcance das mãos.  Se você vier a sofrer não machucará sua imagem frente às outras pessoas e guarda a ideia de que pode sair ileso.

O DIA / VIDA & AÇÃO:   Relacionamentos virtuais podem evoluir para patologias? Se desenvolvido de forma não saudável, o que uma relação do tipo pode causar? Qual o limite entre relacionamento virtual saudável e um patológico?

Lelah: Sim, se ficar só no virtual. Pode causar a dificuldade de um envolvimento de fato. Porque o virtual começa para depois ir para o de fato. às vezes a pessoa se esconde atrás das câmeras, do teclado, e corre o risco de não saber se a pessoa é aquela mesma. Se evoluir para uma fantasia, precisa de uma terapia, e hoje a terapia é breve e ajuda bastante nestes casos.

Nicolau: A referencia pode ser a seguinte: se sou capaz, na vida real, de produzir e manter relacionamentos amorosos ao longo da minha existência, então um relacionamento virtual pode ser considerado apenas uma opção passageira, ou inicial de uma relação. O problema destaca-se naqueles que somente são capazes de estabelecer relacionamentos que sejam virtuais, e excluindo as vivencias no mundo real.

Haydée: Acredito que o relacionamento poderá ser chamado de patológico , virtual ou não, quando o sujeito só consegue obter prazer de uma única forma. O indivíduo se vê limitado, outras vezes aprisionado, o que gera dor e sofrimento.

 O DIA / VIDA & AÇÃO:   Um dos aspectos da internet é permitir o relacionamento entre pessoas de cidades, estados e até países diferentes. Existe alguma forma de manter uma relação com uma pessoa que está distante?

Lelah: Sim. Os namoros à distância já aconteciam por carta. O que facilita da internet é ter as videochamadas, que permitem participar mais ativamente do dia a dia da pessoa.

O DIA / VIDA & AÇÃO:  Outro aspecto da relação à distância é a falta do toque, do envolvimento sexual. É possível manter uma relação sem sexo?

Lelah: Sim. Hoje em dia temos visto que muitos relacionamentos, mesmo sem serem virtuais, já sobrevivem sem o sexo. O que não pode é não ter o carinho, mesmo sem ter o toque, que tenha a expressão de ter o beijo, de se tocar conversando com a outra pessoa. Já ouvi de pessoas que se masturbam pensando na outra pessoa, como se estivesse tendo relacionamento com a outra.

O DIA / VIDA & AÇÃO:   Um relacionamento virtual é sempre negativo? Como podemos manter uma relação pela internet saudável?

Lelah: Nem sempre é negativo, muitas vezes é positivo. Hoje, cada vez mais as pessoas vão se conhecendo até depois marcarem em um lugar seguro. Ficar só no virtual é negativo, mas muitas vezes começa por aí e evolui. Primeiro, checando se é de fato aquela pessoa, não ficando só na tecla. Abrir uma câmera, onde vc escute a voz da pessoa, veja a fisionomia. Não passar para outras intimidades, manter a câmera apenas no bate papo. Nada de passar dados pessoais, nem envolver família ou questões de dinheiro.  As ferramentas de conversa em vídeo podem ajudar muito a tornar um relacionamento virtual mais saudável

O DIA / VIDA & AÇÃO:   Como se prevenir de “psicopatas digitais” e “vampiros digitais’?

Nicolau: Vamos lembrar: por mais que uma tecnologia afete a vida das pessoas, não é ela, a  tecnologia que determina por si só como se vive a vida. No mundo digital os encontros e desencontros são como na vida real, e não há nenhuma forma “especial” de prevenção a ser aplicada. Nós somos responsáveis, na vida real, pelas escolhas que fazemos,( mesmo inconscientemente) inclusive escolhas de pessoas com as quais iremos nos relacionar. Psicopatas e ”vampiros emocionais” existem  igualmente no mundo real e virtual. A mesma condição ( emocional) que faria alguém ser vitima de um ou de outro na vida real, pode atuar na vida digital.

Haydée: Entrar em contato consigo mesmo e ficar atento buscando um diálogo íntimo poderá proteger o indivíduo de investidas por parte de psicopatas digitais. Vale lembrar, que estamos falando de personalidades com enorme habilidade de sedução e persuasão.

Com a colaboração da estagiária Alessandra Monnerat

 

 

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