Depois de reiteradas ameaças do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), o governo de Cuba resolveu se antecipar e anunciou nesta quarta-feira (14) a sua saída do programa Mais Médicos, implantado no Brasil durante o governo do PT. Em nota oficial divulgada nesta quarta-feira (14), o governo cubano responsabiliza Bolsonaro pela decisão e solicita o retorno imediato dos mais de 8 mil médicos que atualmente trabalham no Brasil.
“O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos, declarou e reiterou que modificará os termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito à Organização Pan-Americana da Saúde e o que foi acordado com Cuba (…)”, afirmou o Ministério da Saúde de Cuba, por meio da nota.
O Mais Médicos é um programa do governo federal lançado em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Seu objetivo é levar cobertura médica para áreas onde há escassez ou ausência desses profissionais – e onde até então muitos médicos brasileiros não queriam trabalhar, nem mesmo com benefícios salariais extras, alegando dificuldades de acesso.
O número de médicos cubanos em ação no Brasil já vinha sendo reduzido desde o início do governo de Michel Temer, após o golpe que derrubou Dilma Rousseff. “Neste momento, 8.332 das 18.240 vagas do programa estão ocupadas por eles”, informou o Ministério da Saúde. O número total já foi de 11.400 profissionais cubanos contratados no Brasil.
“Nestes cinco anos de trabalho, perto de 20 mil colaboradores cubanos ofereceram atenção médica a 113 milhões 359 mil pacientes, em mais de 3 mil 600 municípios, conseguindo atender eles um universo de até 60 milhões de brasileiros na altura em que constituíam 88% de todos os médicos participantes no programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história”, prossegue a nota do governo cubano.
Bolsonaro quer ‘teste de capacidade’ para cubanos
Pelo Twitter, Bolsonaro disse que condiciona a continuidade do programa “à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias” e que, “infelizmente, Cuba não aceitou”. Em 2013, então deputado federal, Bolsonaro entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão do programa Mais Médicos.
De acordo com a ‘Agência Estado’, Bolsonaro questionou a preparação dos especialistas e condicionou a permanência no programa “à revalidação do diploma”, além de ter imposto “como via única a contratação individual”. “Não é aceitável que se questione a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, presta serviços atualmente em 67 países”, declarou o governo cubano.
Em entrevista à imprensa nesta tarde, o presidente eleito voltou a criticar as condições do acordo com Cuba, que classificou como “trabalho escravo”. “Não temos qualquer comprovação de que ele são realmente médicos e estejam aptos a desempenhar a sua função. Jamais faria um acordo com Cuba neste termos. Isto é trabalho escravo. Não poderia compactuar com isso”, disse.
Bolsonaro ressaltou que se forem atendidas as condições de os médicos se submeterem ao processo de revalidação do diploma e o governo cubano aceitar que o pagamento do salário seja integral, além da possibilidade de os profissionais trazerem a família ao País, o acordo poderia ser renovado. “Você não aceitaria trabalhar nesse regime, longe da família, de filhos, com salário confiscado”, disse a um repórter.
Questionado sobre as medidas que adotará para suprir a retirada dos cubanos, o presidente eleito declarou que as vagas poderão ser preenchidas por brasileiros. “Estamos formando em torno de 20 mil médicos por ano e a tendência é aumentar esse número. Nós podemos suprir esse programa com esses médicos. O programa não está suspenso. (Médicos) de outros países podem vir para cá. A partir de janeiro, pretendemos dar uma satisfação a essas população que ficarão desassistidas”, acrescentou.
Periferias, sertões e Amazônia mais vulneráveis
Ex-ministro da Saúde de Dilma, Alexandre Padilha lamentou a decisão. Em vídeo publicado nas redes sociais, disse que este é “um dia triste para saúde pública e para a política externa do Brasil”, resultado de “reiteradas agressões” do presidente eleito.
Isso pode significar a saída de dezenas de milhares de médicos que estão atendendo nos sertões, na Amazônia brasileira, na periferia das grandes cidades, nas áreas mais vulneráveis… É isso que pode acontecer quando se coloca o espírito da guerra, da ideologização, do conflito na frente dos interesses sobretudo do povo brasileiro, do povo que mais sofre e mais precisa. Dia triste para a saúde publica, provocado por uma ação despreparada e conflituosa do atual presidente eleito do nosso país”, disse.
Mauro Guimarães Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), afirmou que povos indígenas atendidos por médicos cubanos devem ser os mais prejudicados pela medida. “A assistência nas aldeias é feita quase que exclusivamente por médicos cubanos. Ali, nenhum outro médico quer ficar”, disse Junqueira. De acordo com ele, 1.600 vagas do programa estão abertas. “Mesmo confirmada a saída, não há como retirar os 8 mil médicos de um dia para a noite. Certamente haverá um prazo”, declarou.
Governo anuncia concurso público para médicos
Em nota, a Opas informou que Cuba comunicou ao órgão a decisão de não continuar participando do Mais Médicos. A Opas, por sua vez, comunicou a decisão ao Ministério da Saúde do Brasil. “Devemos ter mais detalhes nos próximos dias. Assim que os tivermos, divulgaremos”, informou o órgão internacional.
No fim da tarde, o Ministério da Saúde emitiu nota oficial garantindo que ” o governo federal está adotando todas as medidas para garantir a assistência dos brasileiros atendidos pelas equipes da Saúde da Família que contam com profissionais de Cuba”.
A pasta ainda anunciou para os próximos dias a abertura de um “edital para médicos que queiram ocupar as vagas que serão deixadas pelos profissionais cubanos”. Serão priorizados os candidatos brasileiros formados no Brasil, seguidos por brasileiros formados no exterior.
Veja a nota oficial do Ministério da Saúde
“O Ministério da Saúde recebeu nesta manhã (14) o comunicado da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), no qual o governo cubano informa que encerrou sua parceira no programa Mais Médicos.
Diante do fato, o governo federal está adotando todas as medidas para garantir a assistência dos brasileiros atendidos pelas equipes da Saúde da Família que contam com profissionais de Cuba.
A iniciativa imediata será a convocação nos próximos dias de um edital para médicos que queiram ocupar as vagas que serão deixadas pelos profissionais cubanos. Será respeitada a convocação prioritária dos candidatos brasileiros formados no Brasil seguida de brasileiros formados no exterior.
Desde 2016, o Ministério da Saúde vem trabalhando na diminuição de médicos cubanos no programa. Até aquela data, cerca de 11.400 profissionais de Cuba trabalhavam no Mais Médicos. Neste momento, 8.332 das 18.240 vagas do programa estão ocupadas por eles.
Outras medidas para ampliar a participação de brasileiros vinham sendo estudadas pelo Ministério da Saúde, como a negociação com os alunos formados através do FIES (Programa de Financiamento Estudantil). Essas ações poderão ser adotadas, conforme necessidade e entendimentos com a equipe de transição do novo governo.
O Ministério da Saúde reafirma e tranquiliza a população que adotará todas as medidas para que profissionais brasileiros estejam atendendo no programa de forma imediata”.
Da Redação, com Ministério da Saúde e agências