O pequeno Fabrício Oliveira de Nascimento, de 1 ano e 7 meses, enfrenta uma longa jornada em busca de tratamento para a síndrome de Apert, doença genética rara que causa malformação do crânio e pode levar a graves danos neurológicos. Após percorrer quase 2 mil km de Itaúba, cidade com menos de 5 mil habitantes no interior do Mato Grosso do Sul até Londrina, no Paraná, a criança finalmente pôde encontrar uma chance de ter qualidade de vida.

Quando o bebê nasceu, a família percebeu que havia algo diferente em sua aparência. A testa alongada, olhos mais distantes e o rosto mais para dentro, assim como a junção de todos os dedos das mãos e dos pés, conhecida como polissindactilia. Todas são características comuns em pessoas com a da síndrome de Apert.

Mas essa doença rara não afeta somente a parte estética. A síndrome de Apert acomete um a cada 65 mil a 88 mil bebês no mundo, na qual os ossos do crânio, das mãos e dos pés se fundem durante o período de desenvolvimento fetal. Como consequência, a criança pode ter problemas no desenvolvimento intelectual, cegueira e complicações respiratórias.

Isso ocorre por causa da cranioestenose – ou craniossinostose – uma grave malformação do crânio, caracterizada pela fusão prematura (e anormal) de uma ou mais suturas cranianas. No caso de Fabrício, todas as suturas cranianas estavam fechadas, quadro conhecido como pansinostose, conforme explica o neurocirurgião pediátrico Alexandre Canheu, que operou a criança noHospital Evangélico de Londrina.

“A mutação ocorre no gene FGFR2, que tem papel importante no crescimento dos ossos. Como consequência, os ossos acabam se formando e se fundindo de forma precoce, provocando alterações no formato do crânio, mãos e pés. Com isso, não há espaço para o cérebro se desenvolver”, explica

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Síndrome de Apert: dificuldades para diagnóstico e tratamento

No caso de Fabrício, a resposta sobre sua condição rara só veio cinco meses depois do nascimento, já que onde mora a família não havia especialistas para atender a criança. Rosilene seguiu para São Paulo, onde o menino recebeu o diagnóstico definitivo. Mas os desafios até conseguir atendimento especializado após a confirmação da doença provocaram atraso em seu desenvolvimento.

“Quando falamos de síndromes raras, é difícil o tratamento, e nós encontramos muitas dificuldades”, relata a mãe, Rosilene Aparecida de Oliveira, de 38 anos.

Os médicos optaram por colocar em Fabrício uma válvula de derivação ventrículo-peritoneal, conhecida como DVP, um tratamento comum em casos de hidrocefalia, para drenar o líquor em exagero do cérebro. Porém, no caso do Fabrício este tratamento não era a melhor opção naquele momento.

“Ele começou a ter sintomas de baixa pressão intracraniana por conta da válvula, a DVP piorou a cranioestenose, ela foi drenando demais e foi fechando tudo”, ressalta a mãe.

Após cirurgia complexa, menino já pronuncia algumas palavras

Pela internet, Rosilene soube do trabalho realizado pelo neurocirurgião pediátrico Alexandre Canheu. No Hospital Evangélico de Londrina, Fabrício pôde realizar a cirurgia de correção da cranioestenose e trocou a válvula por uma ajustável, em 6 de fevereiro deste ano.

“Foi uma cirurgia bem difícil, trabalhosa, e precisou ser feito todo o remodelamento craniano, mais o avanço fronto-orbitário bilateral. Um grande desafio, mas o pequeno lutador foi mais forte que a doença. Após cinco dias na UTI e dois no quarto, recebeu alta sem complicações”, relata o especialista.

Após um mês da cirurgia e já no Mato Grosso, a mãe conta que Fabrício está se recuperando bem, respirando melhor e aprendendo a falar outras palavras, o que não acontecia antes devido à compressão do cérebro. O próximo passo é realizar terapias que ajudem na reabilitação, como fonoaudiologia e fisioterapia.

“O doutor Alexandre foi um herói. Sinto muita gratidão, parecia um sonho distante. Eu gostei tanto do jeito que me trataram, o Dr. Alexandre, do Hospital Evangélico, que eu tive vontade de morar em Londrina”, diz  Rosilene.

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Pais de João foram aos EUA para buscar tratamento

O casal Natalia Jereissati e Igor Cunha também viveu na prática a dificuldade de um direcionamento para o tratamento adequado. Seu terceiro filho, João, hoje com 6 anos, nasceu com a síndrome de Apert. Após o nascimento, foram necessários alguns dias para que os médicos chegassem ao diagnóstico e recomendassem uma cirurgia para aliviar a pressão no cérebro (pressão intracraniana).

Com a dificuldade de encontrar informações precisas sobre a doença e seu tratamento, junto à família e amigos, Natália e Igor lançaram-se em uma busca internacional à procura de informações e opções de tratamento. Até que, em 2017, encontraram o Boston Children’s Hospital (BCH), um dos maiores centros médicos pediátricos norte-americanos e considerado referência na síndrome de Apert, onde o menino recebeu atendimento.

Quando João nasceu, tínhamos informações desencontradas e precisávamos agir rápido, numa verdadeira corrida contra o tempo para termos os melhores resultados. Conhecemos o trabalho do Dr. Mark Proctor em Boston (EUA) e ficamos encantados com a possibilidade de melhorar significativamente a vida do nosso filho”, conta Natália.

Simpósio no Brasil amplia conhecimento sobre craniossinostose

No Hospital Infantil de Boston, os bebês diagnosticados são tratados por equipes multidisciplinares, formadas por especialidades como cirurgia craniofacial, genética, ortodontia, fonoaudiologia, cirurgia plástica, neurocirurgia e cirurgia de pés e mãos, entre outras. Na maioria das vezes, os pacientes precisam de várias cirurgias e procedimentos até o pronto restabelecimento das funções dos órgãos envolvidos.

A experiência do casal com a jornada de tratamento de João nos EUA os incentivou a idealizar um simpósio internacional sobre craniossinostose sindrômica. A ideia é dar visibilidade às síndromes craniofaciais que acometem um a cada 2.500 nascimentos em todo o mundo, e que afetam famílias e pacientes no Brasil, especialmente pela dificuldade em diagnóstico e tratamento.

“A vida do João não se limita ao Apert, e queremos mostrar a outras famílias que é possível proporcionar qualidade de vida a pacientes com outras síndromes similares”, conta Natalia, explicando que quanto mais cedo é feito o diagnóstico e a cirurgia, maiores são as chances de sucesso.

Como vencer as barreiras para atendimento pelo SUS

Em parceria com o hospital americano, o simpósio sobre craniossinostose sindrômica será realizado dias 14 e 15 de março, no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), localizado em Bauru (SP), reconhecido mundialmente como referência para tratamento e diagnóstico de reabilitação de pessoas com anomalias congênitas do crânio e da face.

Com o intuito de aprimorar o acesso à informação e promover o intercâmbio entre diversos especialistas no assunto, serão apresentados os diferentes protocolos clínicos aplicados no Brasil, bem como as técnicas inovadoras usadas no Boston Children’s Hospital e no Hospital Necker, em Paris.

Além de abordagens clínicas, a programação pretende chamar a atenção da classe médica sobre a importância de o Sistema Único de Saúde (SUS) estar preparado para atender casos na rede pública. Serão discutidas políticas políticas em defesa de direitos de pacientes com doenças craniofaciais, de forma a superar as barreiras existentes hoje nos serviços de saúde e garantir acesso universal e acessível.

Para discutir o tema, participam representantes do Instituto Coalização Saúde (Icos) – formado por representantes da cadeia produtiva do setor de saúde – e da InciSioN – ONG que atua em defesa de cirurgias acessíveis a todos, presente em mais de 80 países e estabelecida no Brasil. Também apoiam o evento a Sociedade Brasileira de Auditoria Médica (SBAM) e a Associação Brasileira dos Enfermeiros Auditores (ABEA).

As inscrições estão abertas para diversos públicos, desde estudantes a profissionais especializados e representantes da sociedade civil engajados na causa. Informações como a programação e painelistas estão disponíveis no site do evento.

Craniossinostose: causas, efeitos e tratamento

De acordo com o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), a craniossinostose – também conhecida como cranioestenose – é uma anormalidade congênita, isto é, que se apresenta desde o nascimento, podendo atingir 1 em cada 2.500 nascidos. Essa malformação causa alterações no formato do crânio e pode levar à hipertensão intracraniana.

Da mesma maneira que o aumento da pressão arterial pode trazer problemas para a saúde do indivíduo, a hipertensão intracraniana também provoca consequências como dor de cabeça, alteração visual e prejuízo na capacidade de aprendizado.

A craniossinostose é provocada pelo fechamento precoce de suturas cranianas, responsáveis pelo crescimento dos ossos do crânio. As causas são diversas, podendo ocorrer por força mecânica (ambiente uterino), distúrbios metabólicos e, na maioria das vezes, por alterações genéticas, o que não implica necessariamente ter alguém na família com a mesma característica.

A maioria dos casos de craniossinostose se manifesta na forma isolada e, quando associada a outras características, pode representar síndromes genéticas, o que corresponde a 15% dos casos. Já a forma sindrômica é aquela em que a criança nasce com craniossinostose associada a outras características. As síndromes de Apert, Crouzon, Muenke, Pfeiffer e Saethre-Chotzen são os exemplos mais comuns de síndromes genéticas associadas à craniossinostose.

O processo de reabilitação de pacientes com craniossinostose também envolve a atuação de uma equipe multidisciplinar, neste caso, composta por profissionais da área médica (cirurgiões craniofaciais, neurocirurgiões e anestesiologistas), da Odontologia, da Fonoaudiologia, da Enfermagem, da Genética, da Psicologia e do Serviço Social.

Com informações de Assessorias

 

 

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