Cinelândia #elenão
#Sentaquelávemtextão Saí de casa ontem (29 de setembro) com um grito entalado na garganta. Queria poder encontrar aquelas conhecidas, famosas ou anônimas que têm endossado cada “grito” nas hashtags que vimos compartilhando nas últimas semanas nas redes sociais. Mas, confesso, tive medo.
Medo que fôssemos só “meia dúzia de gatos pingados”, como torciam eles. Medo mesmo que tentassem nos calar. Medo de infiltrarem sua “tropa de choque” em nosso meio, de nos machucarem, de nos ferirem com suas lanças de ódio, intolerância e covardia. Medo que transformassem suas ofensas verbais em atos dolosos e terrivelmente violentos, como bem prega seu líder.
Tive medo que transformassem nosso protesto legítimo, espontâneo e pacífico num violento confronto de black blocs. Medo por mim, pelas minhas amigas, por todos que estariam lá. Medo de que minha filha sofresse por algo ruim que acontesse comigo. Medo de ficar presa em meio a tumulto e não conseguir escapar (costumo evitar grandes aglomerações).
Quem sofre de transtorno de ansiedade generalizado, beirando a síndrome do pânico, tem dessas coisas… E recentemente, por conta de um aborrecimento muito forte, sofri uma crise que me fez procurar agora me poupar mais de grandes emoções – para o mal e para o bem. Mas arrisquei. Precisava vencer meu medo e estar lá, cumprir meu ‘dever cívico’. Por mim, por minha filha, por minhas amigas, por meu país. E assim o fiz.
Cinelândia #elenão
 
No Metrô Uruguai, era uma das poucas vestida de roxo ou lilás – a senha para boa parte de quem apoiava o movimento. Já na estação seguinte, Saens Pena, elas começaram a se juntar. Eram muitas. Dezenas. E a cada estação, aumentava mais. E não eram só elas. Havia muitos eles tb. Eles namorados, maridos, amigos, gays…
Os diálogos eram sobre o inominável, claro, e seus respeitosos eleitores que, infelizmente, insistem em fechar olhos e ouvidos pras sandices que seu candidato planta por aí, como se fosse, de fato, a última esperança desse país. Não é. Não é mesmo. Nem será nunca. Resistimos e resistiremos sempre.
 E isso foi ficando muito claro à medida em que o metrô avançava. Ao chegar na Estação Cinelândia, portas se abrem e somos saudadas por milhares de pessoas na plataforma com uma salva de palmas e o mantra que ecoava forte: #ELENÃO!!!. Era a deixa pra me sentir em casa. Arrepiei!!! Tive vontade de chorar – de emoção! Gritei, gritei bem alto, várias vezes: #ELENÃO.
Subimos a escada rolante, atravessamos a catraca e nos dirigimos às escadarias de saída, tudo muito lentamente porque éramos muitos. Era preciso paciência. Mas não havia pressa. Não havia ódio. Não havia desespero. O clima era de total harmonia e alegria por estarmos ali, dedicando parte do nossa tarde/noite de sábado para fazer valer a nossa voz. 
Cinelândia #elenão
 
Havia marcado com um grupo de amigas às 15h em frente ao Theatro Municipal – certamente eu e a torcida inteira do Vasco tivemos a mesma ‘ideia’. Mas estava atrasada. E já beirava 16h, o horário oficial previsto para o início da manifestação.
Quando botei os pés na calçada da Cinelândia, me deparei com aquele mar de gente. Muitos chegaram bem antes, alguns acompanhando os blocos de rua que se concentraram ali perto, na Praça Paris, e rumaram pra lá, transformando a festa democrática em um Carnaval fora de época (carioca tem dessas coisas).
Rapazes e moças distribuíam gratuitamente adesivos do #elenão (tratei logo de garantir o meu e colei na minha blusa). Camelôs vendiam faixas para a cabeça – roxas, é claro. Outros vendiam só cerveja mesmo – após meia hora de buscas, encontrei meu grupo “garrado” com uma barraca verde onde se vendia água, refrigerante e cerveja, claro. O estoque acabou rápido. Um camelô passava por ali, equilibrando uma bandeja de caipirinhas.
Cinelândia #elenão
 
O clima era mesmo de festa, uma festa da democracia (dizem até que comparável apenas às Diretas Já). E tinha de tudo. Eram muitos grupos, com camisetas, faixas e bandeiras de variadas cores e matizes. Gente fantasiada também. Tinha faixa de educadores, de times de futebol, da bancada evangélica… até de policiais contra o fascismo!
Era, realmente, uma arena plural e democrática, onde havia somente uma unanimidade: éramos todos contra “ele”, o coiso, o inominável, o boçal, o bozo e tantos outros apelidos indignados, “carinhosos” e até engraçados que ganhou nos últimos meses.
 
Vi meninas, bem novinhas, com uma força absurdamente enorme, empunhando cartazes, faixas, frases de efeito, mensagens espalhadas pelo corpo, hashtags pintadas no rosto, nos braços, nas pernas, na barriga, nas costas… Vi senhoras idosas, algumas com seus maridos. Vi mães com seus filhos pequenos. Vi gays, lésbicas, travestis, transexuais, muitos negros e negras. Vi índios tb, alguns vestidos a caráter.
Muitas camisetas com frases sugestivas e criativas. Um protesto com a cara do brasileiro. Ou melhor, das brasileiras – éramos nós quem ditávamos o tom e o som da festa. E cada um ao seu estilo, democraticamente felizes de estar ali e encontrar tantos diferentes e tão iguais em pensamentos e palavras, atos e atitudes. 
Cinelândia #elenão
Havia poesia no ar. Muitos pediam mais amor, menos dor. Na porta do Municipal, uma faixa com as cores do arco-íris evocava: “Deus ama todas as pessoas”. Flores naturais e artificiais enfeitavam as mãos de muitas meninas e meninos. Delicadeza e coragem se misturavam. Respeito, solidariedade, ética, empatia também. Foi um festival de selfies: todo mundo queria registrar a sua presença nesse dia histórico.
 
A diversidade estampada nos rostos de quem aderiu mostrava que aquele ali não era um movimento orquestrado, mas espontâneo, genuíno, fiel aos princípios e valores que vimos difundindo nessas últimas semanas em nossas timelines. Transpomos do mundo virtual para a realidade das ruas o nosso desgosto com certo candidato que não só não nos representa, mas, sobretudo, nos ameaça. Ameaça não só nosso brio de mulher que não aceita ser diminuída e humilhada, mas nossa integridade como cidadãos num país que tanto se sacrificou pra conquistar a sonhada democracia e dela não pretende abrir mão.
Cinelândia #elenão
 
Sim, havia manifestantes com bandeiras e camisetas de partidos e seus candidatos. Mas eram, na verdade, minoria. A grande maioria era de pessoas simples, anônimas, apartidárias e comuns como eu, que atenderam ao chamado das redes sociais e, movidas pela indignação contra aquilo que querem transformar o país, doava seu tempo e sua energia para compartilhar e se confraternizar com tantos outros.
O clima era de festa sim, mas de muita consciência política. Podemos muitos até não saber o que queremos, mas com certeza todos ali sabíamos o que NÃO QUEREMOS. Cada um com seu candidato (ou não), todos contra ele. E havia até quem protestasse contra eleição também, pregando o fim do sistema.
Cinelândia #elenão
 
Um grupo de meninas com suas pernas de pau chamava a atenção abrindo uma fileira no meio da multidão. Mais tarde, um cordão atravessava o movimento, acompanhando as “celebridades” que chegavam por ali: Daniel Oliveira, Sophie Charlotte, Laura Neiva, Cris Vianna, Fernanda Paes Leme, Lan Lanh, Nanda Costa, Rafa Brittes, Juliana Alves, Letícia Sabatella, Tainá Müller, Paula Lavigne, Paula Burlamaqui
Era hora de rumar para a Praça XV, onde shows estavam programados. E após mais de duas horas de concentração saímos, aí sim, em uma descontraída passeata rua afora. Paramos para fotos em frente à ABI (Associação Btrasileira de Imprensa), da qual tenho a honra de ser conselheira e membro da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa. Não dava pra ignorar a nossa “casa do jornalista” e de tantas lutas pela democracia no meio do caminho. 
Cinelândia #elenão
 
Um bandeirão com as cores do arco-íris, empunhado por um grupo LGBTI, chamava a atenção. Já na Primeiro de Março, acompanhei um cortejo de jovens músicos, com um rapaz tocando flauta magnificamente, ao som de músicas de Chico Buarque, Caetano e tantos outros. Foi lindo! Perto dali, passada a Alerj (Assembleia Legislativa do Estado), berço de tantas manifestações, quase em frente à Praça XV, um carro de som, tomado por mulheres, anunciava a chegada do movimento ao seu momento final: shows que avançaram noite adentro na praça.
 
Não fiquei até o fim. Um rapaz nos avisava que nos arredores alguns black blocs se preparavam para atacar. Não vi policiais militares, mas disseram que estavam lá, assistindo à distância, das transversais. Não vi um tumulto sequer. Na dúvida, porém, preferimos não arriscar. A turma estava cansada, queria ir embora. E acompanhei. Empoderados pela energia boa que compartilharmos, partimos a pé da Praça XV à Lapa, em clima de tranquilidade que nem parecia Rio de Janeiro. Estávamos extasiados e felizes com o sucesso da nossa grande festa, feito crianças depois de sair do parquinho.
Cinelândia #elenão
Mas deixei pra trás a certeza de que, pelo menos um pouquinho, contribuí para esse momento lindo e histórico que construímos ontem. Tenho certeza que minha filha sentirá orgulho de mim. E é por ela e seu futuro que grito cada vez mais alto.
Não quero minha filha vivendo com medo. Não quero minha filha com uma arma na mão, para “se defender”. Não quero minha filha sendo desrespeitada ou vítima de qualquer violência ou desqualificada simplesmente pelo fato de ter nascido mulher. Também não quero minha família confundida com “criatório do tráfico”. Dou um duro danado pra sobrevivermos e exigimos respeito. 
Ademais, não dá pra ter saúde, nem qualidade de vida, quando se vive sob ameaça e com medo. Por isso, quero meu país livre e democrático. Hoje e sempre! Venci meu medo. A rua é nossa. Podemos vencer o mal também nas urnas. Por um Brasil com mais Vida e mais Ação! #ELENÃO #ELENUNCA #ELEJAMAIS
Fotos: Rosayne Macedo, Cristina Nunes, Elen Genúncio, Waléria de Carvalho, Ayala Rossana e Patrícia Nantes

k.

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