A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) abraçou a Campanha da Fraternidade de 2023, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que tem como mensagem o combate à fome no Brasil e no mundo. Oficialmente aberta logo após o Carnaval, a campanha foi apresentada na noite desta segunda-feira (6), no plenário do Alerjão, em sessão especial proposta pela deputada estadual Marina do MST (PT), que contou com a participação de representantes da Igreja Católica e de movimentos sociais e populares que lidam com a questão da insegurança alimentar no Brasil e no Rio de Janeiro.
Em seu discurso, a parlamentar lembrou que no Brasil cerca de 33 milhões de pessoas estão passando fome ou em situação de insegurança alimentar, 10% somente no Estado do Rio. “Mais de 3 milhões de pessoas aqui não sabem se vão ter um prato de comida. O Brasil voltou ao mapa da fome. Isso mostra o profundo processo de desigualdade social em nosso país. Outra vergonha internacional, em pleno século 21, em pleno ano de 2023, é que ainda temos trabalho análogo à escravidão”, disse, em alusão a denúncias recentes em vinícolas do sul do país.
A deputada, que é presidente da Comissão de Segurança Alimentar da Alerj, falou ainda da importância da união para superar as estatísticas que envergonham toda a sociedade. “Como Legislativo, Igreja, movimentos sociais, temos que nos articular com as políticas públicas nos municípios, estados e governo federal; pensar em ações concretas para articular com todos os comitês de combate à fome. É preciso diagnosticar e mobilizar comunidades para que as políticas públicas cheguem a quem precisa”, disse.
Igreja enumera as causas da fome no Brasil
Dom Roberto Francisco Ferreira da Paz, da Pastoral da Saúde da CNBB, fez uma radiografia do problema da fome no Brasil. “Para enfrentar o flagelo da fome dos que sofrem, não é só distribuir cestinha básica, mas combater causas profundas que ainda não foram dominadas”, disse ele, elencando algumas dessas causas. “Temos uma realidade de altíssima concentração fundiária, uma das maiores do mundo; uma prática agrícola perversa – vendemos, mas não temos aqui. Soma-se a isso o desemprego, a defasagem do poder de compra das famílias, o aumento da população de rua”, destacou.
O religioso acrescentou que a fome também está ligada à falta de agua. “Mas não podemos naturalizar a fome; não é por causas naturais ou catástrofes, é uma indústria, é provocada”. Dom Roberto citou o descaso das autoridades ao longo dos últimos anos, como o desmonte do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o esvaziamento de estoques da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
Também falou da importância do apoio ao trabalho desenvolvido por pastorais sociais e instituições como a Caritas, da Igreja Católica, e a projetos de economia solidária, mas que ainda são insuficientes para combater efetivamente o problema da fome. “Temos que passar do assistencialismo para políticas públicas transformadoras”, disse ele. Uma dessas iniciativas é o 12º Congresso da Agricultura e Agroecologia, que acontecerá em 20 de novembro. “O melhor remédio é o alimento saudável”, comentou.
Ainda de acordo com Dom Roberto, o Papa Francisco fala da fome não só como tragédia, mas como uma vergonha. “Como cristãos, somos desafiados a sair da indiferença e da apatia”, disse. O religioso mencionou a aporofobia, conhecido como o ódio ou aversão ao pobre. Segundo ele, considerar miseráveis como vagabundos que não querem trabalhar “desfigura o sentimento decente em relação ao próximo que está atirado na sarjeta”.
Fome é tema da campanha pela terceira vez
É a terceira vez nos 60 anos de história da Campanha da Fraternidade que a fome é o tema central, como lembrou Dom Paulo Celso Dias do Nascimento, bispo auxiliar do Vicariato Episcopal. Segundo ele, somente no Brasil a Igreja Católica promove a campanha, levando anualmente em rodas de conversas um tema fundamental para mobilizar a sociedade. Nas primeiras comunidades ninguém passava fome. Se eu tenho fome o problema é meu, se meu irmão tem fome o problema é nosso. Vamos olhar para o nosso lado.
“No Rio temos uma realidade cruel e dolorosa. E como diz o Papa Francisco, a fome é uma vergonha – e aqui é um contraste e paradoxo. O Brasil é celeiro do mundo e o desperdício multiplica quem tem fome e sede de justiça. Quem acumula mais do que necessita pratica crime. Precisamos de políticas públicas eficazes para que haja mais justiça paz e solidariedade. O sonho de Deus é ver todos felizes e com dignidade. É preciso incentivar alimentação nas escolas, a criação de hortas comunitárias, fomentar a agricultura familiar”, discursou.
Dom Luciano Bergamin, bispo referencial da Campanha da Fraternidade no Regional Leste 1, agradeceu a oportunidade de lançar a campanha na Alerj. “Como é bom que daqui possa partir este grito”. E pediu aplausos para todos os presentes, especialmente integrantes de todas as religiões, que aderem à iniciativa. “Os que são das igrejas católicas, evangélicas, do espiritismo, das religiões afro-brasileiras e mesmo quem não tem religião definida, mas quer o bem de todo mundo”, conclamou. Para o religioso, a fome não é somente uma vergonha mundial, como disse o Papa Francisco, mas também um crime contra a Humanidade. “O sonho de Deus, da Igreja e de todos de boa vontade é que não haja famintos e haja respeito, carinho, dignidade”, disse.
Mudanças na lei que permite doação de alimentos
Maria Emília Pacheco, da Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), disse que superar a fome está associado à necessidade de alimentação saudável e de combater desigualdades. Segundo ela, famílias lideradas por mulheres e pessoas pretas despontam entre as que sofrem com os maiores índices de insegurança alimentar. “É preciso um pacto contra a fome como exercício de cidadania e aperfeiçoamento da nossa democracia”, declarou.
Nascida e criada no interior, Josefa Maria Conceição Santos, agricultora urbana do Morro do Alemão, na Zona Norte do Rio, aproveitou para fazer um apelo às autoridades para que alterem a lei que limita a doação de sobras de alimentos por parte de estabelecimentos comerciais. “Toneladas de alimentos são descartadas. Muita coisa que poderia ser aproveitada por famílias que passam fome é jogada fora em supermercados, restaurantes, no Ceasa e nas escolas, tudo por medo da lei”, lamentou Josefa.
Josefa falou de sua experiência plantando hortaliças e árvores frutíferas na comunidade. “Sou do interior e a gente não perde essa essência. Dá para plantar na cidade de várias maneiras. Planto bananeira, couve, coentro, feijão em qualquer pedacinho de terra. E poderia estar plantando mais em espaços improdutivos, inclusive aproveitando para criar horta de ervas medicinais para mostrar às crianças de onde vêm as plantas que trazem saúde para a população”, comentou.
O deputado federal Reimont (PT) lembrou que a fome é a grande vergonha da Humanidade e que 1 bilhão dos 7 bilhões de habitantes do Planeta dormem com fome todos os dias. “A fome é um presente porque sinaliza para o corpo que é hora de se alimentar. Mas no Brasil 30 milhões não conseguem responder a esse instinto”, disse. Mas a situação, segundo ele, tende a melhorar no atual governo.
“Ao restabelecer o Consea, o presidente Lula disse que quer que o produtor dobre a produção e não desperdice. A Conab vai comprar o excedente e garantir os estoques. O combate à fome se dá pelo fomento ao Pnae, à Conab, ao Minha Casa Minha Vida e outros programas sociais”, disse o deputado. Ele também anunciou que fará uma sessão solene na Câmara Federal para lançamento da campanha da Fraternidade 2023.