Mal nos recuperamos do março mais catastrófico de nossa História – com recorde de 68.868 mortes por Covid-19, quase metade dos óbitos naturais registrados no país (mais de 144 mil) – e já temos que nos preparar para outro trauma. A Universidade de Washington projeta que mais de 100 mil pessoas podem morrer em abril no Brasil por conta da Covid-19.
Três cenários foram analisados pelos pesquisadores, elevando as atuais 330 mil mortes para mais de 436 mil em 5 de maio, um acréscimo de 50% em um mês. A previsão é que no dia 24 de abril, 4 mil pessoas podem perder a vida no país. Até o início de julho, o Brasil deve ter quase 600 mil mortes – ou 507 mil, se conseguir manter as restrições.
“Teremos mais triste março da História e também o abril mais triste. Queria chegar e dizer ‘erramos’, mas não vai acontecer”, lamentou a médica pneumologista Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz, em entrevista à Globonews neste domingo (4/4).
O Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês), da Universidade de Washington, calcula que o Brasil registrará 95.794 mil mortes por Covid-19 em abril, acumulando 421.353 mortes desde o começo da pandemia. No pior dos cenários, o Brasil pode chegar a 422.074 mortes; no melhor, a 418.950 óbitos. Até agora, são mais de 325 mil vidas perdidas.
Segundo Dalcolmo, a projeção da universidade americana não só é possível como plausível se o país mantiver a velocidade na circulação do vírus e suas variantes, com maior taxa de transmissão e contaminação entre jovens. “Esperamos que números não se tornem uma realidade epidemiológica, mas plausíveis eles são”, comenta.
E para que esses números não se concretizem, Dalcolmo recomenda aumentar a taxa de cobertura vacinal e adesão maior às normas de distanciamento social. “Tem que acabar com discussão do que abre e fecha. Não aceito essa dicotomia entre saúde e economia. Quem não pode trabalhar, deve ser assistido para ficar em casa”, disse.
Segundo ela, o Brasil não vacina na velocidade que precisa e 1 milhão de doses por dia – como anunciou o ministro da Saúde Marcelo Queiroga no sábado – é muito pouco. “No mínimo deveria ser 2 milhões de doses aplicadas em um dia, o que é perfeitamente possível com o PNI (Programa Nacional de Imunização), mas não tem vacina”, lamenta.
Os últimos números divulgados neste domingo apontam uma queda no número de casos, o que indica uma estabilidade: a média móvel de casos por dia ficou em 66 mil mortes, 10% menos em relação a 14 dias atrás. No entanto, 12 estados mais o Distrito Federal apresentam tendência de alta na média móvel. Outros 12 estados permanecem em estabilidade e apenas Amazonas e Roraima estão com queda no número de óbitos. São 73 dias seguidos com mais de 1.000 na média móvel por dia e o oitavo dia acima de 2.500.
Marise Reis, infectologista e pesquisadora da UFRN, confirmou as expectativas pessimistas. “Abril não será um mês fácil. As medidas restritivas precisam ser mantidas e as pessoas precisam cooperar, usando máscaras e ficando em casa. É preciso bloquear a circulação do vírus”, disse ele, também à Globonews.
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Distribuição de vacinas aponta abismo entre países ricos e pobres
José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde do Governo Lula, disse que a situação vacinal hoje no mundo confirma a tendência de manutenção do padrão de desigualdade e iniquidade em relação à distribuição de medicamentos em todo o mundo. Hoje, 80% dos medicamentos se concentram na América do Norte, Europa e Japão.
“Até hoje não foi organizada uma cúpula do G20 para reduzir a vulnerabilidade dos países mais pobres, para redistribuir vacinas que estão concentradas em alguns países acima de sua necessidade”, disse Temporão. Segundo ele, a baixa cobertura vacinal registrada até o momento no Brasil não condiz com a capacidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e do próprio Sistema Único de Saúde.
Hoje temos cerca de 10% da população vacinada, o que ainda é muito pouco. Temos duas fábricas de vacinas – Butantan e BioManguinhos – e se não fosse isso, o Brasil não teria vacinado ninguém. Deixamos de liderar esse processo, com adesão tardia ao mecanismo Covax Facility (da OMS) e deixamos de fechar contratos com desenvolvedores das novas vacinas, inclusive recusando ofertas, o que nos deoxa em situação extremamente vulnerável”, comentou.
Falta chamar a população a assumir sua parcela de responsabilidade
O ex-ministro também lamentou a “perda do sentido de coletivo, do apoio mútuo”, e criticou a falta de uma “política de comunicação forte e permanente, de mobilização e chamado para a sociedade” para colaborar com as regras sanitárias recomendadas. Lembrou que o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, começou bem sua gestão, seguindo a ciência, mas mudou o discurso ao esbarrar em determinado limite – o tabu, que é o lockdown. “Temos falta de liderança, coesão, coordenação central, que chame a população à responsabilidade”, disse.
Um exemplo disso é o alto nível de contaminação entre as populações mais pobres. “No Rio, foi registrado 105% de aumento nas regiões onde mais pessoas pobres moram, piorou em dobro. É uma tragédia anunciada”, disse Margareth Dalcolmo. Segundo ela, não houve um trabalho de contenção, por parte das lideranças comunitárias, para parar aglomerações nas comunidades em festas que chegam a reunir centenas e até mil jovens.
Segundo ela, o nível de transmissão está em patamar muito alto, enquanto são as vacinadas populações mais idosas, gerando uma pressão hospitalar e o aumento da transmissão em pessoas mais jovens. “A Covid vai matar pessoas com acesso mais reduzido e assistência hospitalar mais adequada. É uma doença desigual no mundo todo. Nova Iorque é um exemplo paradigmático, 90% das mortes ocorreram entre pobres e pretos”, disse a médica.