Raimunda - colostomia - arquivo pessoal
Raimunda teve problemas no início com a colostomia por falta de informação (Foto: arquivo pessoal)

Desde o início de setembro, logo após ser socorrido e operado  por conta de uma facada recebida em um ato de campanha em Minas Gerais, o agora presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) convive diariamente com a colostomia – uma espécie de bolsa que funciona como intestino externo.

Este, aliás, foi o principal motivo alegado por ele para se ausentar de boa parte dos debates do primeiro turno e de todos os debates do segundo turno, mesmo aparentemente recuperado e participando de compromissos externos, o que levantou muita polêmica.

Bolsonaro, que será operado novamente em dezembro para remover a colostomia e restabelecer o trânsito intestinal, é um dos 80 mil brasileiros que convivem com esse recurso empregado pela medicina em casos extremos, em que o paciente precisa alterar o local de eliminação das fezes ou da urina.

Seja de forma temporária – como é o caso do presidente eleito – ou definitiva – como acontece com muitos pacientes crônicos -, pessoas com estomias urinárias ou intestinais têm que encarar algumas limitações em sua rotina diária para necessidades básicas.

Celebrado no dia 16 de novembro, o Dia Nacional da Pessoa com Estomia foi criado a fim de chamar a atenção para a realidade dessas pessoas que, pelos mais diversos motivos, passaram a conviver com uma estomia, a comunicação de um órgão interno para o meio externo.

É o caso de Raimunda Santos, de 57 anos, moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ela foi diagnosticada com câncer no intestino em novembro de 2016 e operada sete meses depois.  Ao contrário do presidente eleito – que teve e tem todo o suporte necessário de uma equipe multidisciplinar – a costureira teve alta sem orientação de como cuidar e proceder com a estomia. “No início foi muito difícil! Eu colocava a bolsa meio torta, mas do meu jeito. Por conta disso, permaneci muito limitada em relação à nova rotina”, conta.

Raimunda passou a usar um kit de irrigação, com acompanhamento de uma enfermeira estomaterapeuta. “Na terceira vez eu já senti confiança. Hoje, já faço tudo sozinha. Minha vida mudou e melhorou muito”, conta a costureira, que terá que conviver um bom tempo com a bolsa.

Assim como Raimunda, muitas pessoas não recebem informação adequada sobre essa nova condição podem se afastar do convívio social. Por isso,  a Associação Brasileira de Estomaterapia: estomias, feridas e incontinência (Sobest) defende que a informação é o principal meio de deter esse desfecho indesejado.

“A volta da pessoa para a sua rotina depois da cirurgia depende de vários fatores, principalmente os relacionados às orientações recebidas, em especial no pré-operatório. Para facilitar a readaptação, o ideal é que a pessoa comece a ser orientada antes do procedimento sobre os cuidados que precisará ter com sua estomia. As orientações pós-operatórias também são fundamentais”, declara a professora Maria Angela Boccara de Paula, presidente da Sobest.

Segundo ela, ostomizado (como é chamado quem precisa fazer uso da estomia) não pode sair do hospital sem receber as instruções de como de autocuidar, como trocar a bolsa, cuidar da pele periestomia, etc. Por isso, é fundamental que a pessoa com estomia conte com o apoio de uma equipe que atue de forma interdisciplinar.

Este apoio não é só para orientar sobre os cuidados com a estomia, mas também sobre a alimentação, a sexualidade, a autoimagem, dentre tantos outros aspectos. Estamos falando de uma equipe formada por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e nutricionistas”, comenta.

Estomia afeta vida sexual e atividades físicas

O estoma é a mudança do local de eliminação das fezes ou urina, um procedimento que implica em novos hábitos. Para o paciente ostomizado é difícil compreender, inicialmente, que não vai mais haver eliminação de fezes ou urina pelas vias normais.

Essa adaptação é um grande desafio, principalmente porque a pessoa perde fezes ou urina sem controle, sendo necessário o uso de uma bolsa coletora no abdômen, que se não for de boa qualidade pode causar situações constrangedoras como barulhos e odores desagradáveis devido a eliminação de gases e também alergias e infecções de pele”, explica o estomaterapeuta Eduardo Tenório.

Somadas a estas questões, aspectos relacionados à autoestima e à autoimagem do paciente podem levar ao desenvolvimento de problemas no relacionamento com o parceiro sexual, depressão, medo para praticar esportes. “Também podem surgir situações inconvenientes causadas pela mudança da dieta – que precisa ser mais seletiva para evitar gases, por exemplo – e até mesmo adequação do vestuário”, conta o consultor, ao ressaltar que o mais importante é a orientação constante do paciente e em todas as dimensões do viver.

VIDA SEXUAL

Sofrer qualquer tipo de operação pode afetar a forma como o paciente percebe e sente seu corpo. “Observamos que uma questão importante está relacionada com a autoestima. Medo e ansiedade compõem as ideias pré-concebidas sobre o tema. Embora seja necessário alguns ajustes, a estomia não deve impedir uma vida sexual agradável”, conta Tenório.

Por isso, recomenda ele, é importante estar aberto para uma conversa franca com o parceiro (a) para se chegar a conclusões do momento e à forma mais adequada para realizá-la. “Atividades sexuais não trazem riscos de danos ao estoma. Apesar de poder se sentir um pouco nervoso com a situação, a maioria das pessoas é capaz de retomar uma vida sexual saudável”, assegura o especialista.

ATIVIDADE FÍSICA

A atividade física é a principal maneira de estimular a inclusão social dos pacientes com estoma. Ela promove a inclusão social e auxilia na superação das barreiras enfrentadas pelo ostomizados, levando-os a descobrir que é possível ter uma vida saudável.

Entre os benefícios encontrados pelos ostomizados durante a prática do exercício físico estão melhora na autoestima, agilidade, equilíbrio, reabilitação e competição, independência e autonomia. A prática da natação e hidroginástica, por exemplo, podem ser feitas sem nenhuma restrição, pois a bolsa e a placa são impermeáveis à água.

Autoestima para evitar o isolamento social

Segundo Tenório, o fortalecimento da autoestima da pessoa ostomizada contribui para minimizar atitudes extremas como por exemplo, o seu isolamento em eventos sociais, que geralmente ocorre devido ao medo e à vergonha de que o odor possa incomodar outras pessoas. Até mesmo a privação de alimentação pode acontecer, no intuito de evitar a eliminação de fezes em passeios e festas.

A família precisa entender os procedimentos do cuidar desse paciente, e compreender que vai além da troca da bolsa coletora e da higienização do estoma. As pessoas próximas devem ser alertadas para observar o comportamento e estimular o paciente a continuar a ter uma vida mais próxima daquilo que vivenciavam antes da estomia”, destaca o especialista.

Se a pessoa trabalha, é importante que o empregador seja orientado. Muitos pacientes podem e devem retornar a sua vida laboral, não precisando ser afastada como inválida, devido à presença da estomia. “O problema é que muitas vezes há preconceito, gerado pela pura falta de conhecimento”, alerta o especialista.

As orientações devem acontecer por meio da participação da equipe multifuncional, formada por enfermeiros, médicos psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais. O profissional especializado também é responsável por ensinar o autocuidado ao paciente para que ele possa retomar sua vida normal, resgatando sua autoestima.

Se o paciente for bem orientado, ele conseguirá enxergar o estoma e a sua condição como uma possibilidade de cura ou algo que vai lhe proporcionar mais tempo de vida. Essa percepção torna mais fácil trabalhar a sua reintegração à vida em sociedade, sem traumas ou isolamentos”, explica o estomaterapeuta.

Ideal é cirurgia eletiva sem urgência

A estomia programada, ou seja, uma cirurgia eletiva em que não há urgência, é a condição ideal para o paciente. Neste caso, ele pode ser encaminhado para o profissional especialista para receber orientações sobre o cuidado da estomia, equipamentos e acessórios, bem como sobre a possibilidade de utilização de métodos de controle das eliminações intestinais, como uso da irrigação e do oclusor intestinal.

A demarcação pré-operatória, é um procedimento que deve ser realizado antes da cirurgia para a escolha da melhor localização possível da estomia. Esse acompanhamento prévio minimiza complicações posteriores, como as dermatites”, conta Tenório.

Para ele, o pós-operatório também pode contribuir para uma melhor qualidade de vida, através não só da orientação de cuidados básicos, mas também de onde e como ele pode buscar seu equipamento, qual é a bolsa ideal para seu tipo de estoma, onde pode agendar consultas de retorno e tirar dúvidas. Muitas vezes, o paciente sai do hospital sem nenhuma informação.

Boa parte não sabe, por exemplo, que o governo brasileiro oferece as bolsas coletoras e outros equipamentos gratuitamente para pacientes com estomas ”, reforça o especialista.

Direitos da pessoa com estomia

De acordo com o levantamento da Abraso (Associação Brasileira de Ostomizados) em conjunto com diversas associações do país, no Brasil, existem cerca de 80 mil pessoas ostomizadas.

Apesar de ainda pouco conhecido e divulgado, desde 1999, o Brasil conta com uma lei específica para pessoas com deficiência física, englobando também aquelas com estomias. O artigo 19 do Decreto 3298 regulamenta ações sobre Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.

O texto consolida normas de proteção e ajudas técnicas que permitem uma ou mais limitações funcionais motoras, sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência com o objetivo de possibilitar sua plena inclusão social. Em parágrafo único, o artigo 19, defende que são ajudas técnicas, entre outras, bolsas coletoras para os portadores de ostomia.

Em 2013 uma nova resolução normativa da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar regulamentou o fornecimento gratuito, por meio dos planos de saúde, de bolsas de estomia, entre outros equipamentos.

Novidades para facilitar a vida do estomizado

A indústria médico-hospitalar tem o desafio de oferecer soluções simples, seguras e discretas a fim de aumentar a autonomia da pessoa e proporcionar o cuidado ideal para a estomia.  Uma das novidades do mercado para estomizados são as bolsas coletoras e o kit de irrigação intestinal criados pela B. Braun.

A pessoa estomizada pode realizar o procedimento de irrigação intestinal de forma muito segura e eficiente, proporcionando a melhora da sua qualidade de vida”, explica Danielle Bastos, gerente de produto da B. Braun.

São muitos os fatores que influenciam na escolha do produto adequado para o estomizado. Maria Angela reforça que essa escolha deve ser conjunta profissional de saúde e pessoa com estomia, considerando fatores relacionados à doença de base que originou a estomia, bem como as características de sua própria personalidade.

“Para fazer a escolha, é necessário que seja feita uma anamnese bastante ampliada com este paciente, para conhecer seus hábitos e suas limitações, verificando se ele não tem nenhuma limitação visual, articular, de maneira que a seleção possibilite o autocuidado. Este trabalho deve ser realizado por um enfermeiro estomaterapeuta, para que ele possa, com seu conhecimento científico e de mercado, indicar a melhor opção de equipamento para cada tipo de caso”, finaliza.

Como reduzir as complicações da estomia

A presidente da Sobest ainda ressalta que a demarcação do local da estomia é um procedimento essencial e que tem reflexos na recuperação do paciente. “Uma estomia bem localizada e bem executada contribui para melhor adaptação dos equipamentos facilitando o autocuidado e minimizando as complicações pós-estomia. Isso permite que a pessoa se sinta segura, e possa, gradativamente, retomar as suas atividades o mais rápido e próximo possível do que era antes da cirurgia”.

Eduardo Tenório explica que o uso de equipamentos que produzam pouco barulho, que são hipoalergênicos e apresentam uma barreira protetora de pele adequada são extremamente importantes. Isso facilitará uma vida mais ativa, inclusive na prática de esportes.

A escolha desses equipamentos é feita a partir de uma avaliação do paciente para que se determine qual produto é o mais indicado para sua condição. Esse trabalho ajudará ao paciente a conviver com sua nova condição. O que não pode acontecer, em hipótese alguma, é permitir que o paciente tenha alta e vá para casa sem informações suficientes, inclusive a de que ele pode retirar bolsas gratuitas pelo governo ou recebê-las utilizando seu plano de saúde”, alerta o profissional.

Programa de atendimento à pessoa estomizada

De acordo com o especialista, a pessoa com estomia não pode sair do hospital sem receber as instruções de como de autocuidar, como trocar a bolsa, cuidar da pele periestomia, etc.

Para ajudar os pacientes a conviver com a nova realidade, surgiu o Celebbrar, um programa de atendimento à pessoa estomizada criado em abril deste ano por uma equipe de enfermeiros estomaterapeutas para prestar atendimento domiciliar e gratuito.

O Celebbrar ajuda a pessoa a desenvolver o autocuidado, trazendo informações importantes para a utilização dos equipamentos para estomia, ensinando sobre os cuidados para manter a pele íntegra, além de fornecer dicas sobre alimentação que proporcionam maior conforto e qualidade de vida. Informações: 08000-227286 / opção 4).

Fonte: B. Braun, com redação

 

 

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2 Comments
  • Jaqueline Uhmann
    Jaqueline Uhmann
    7 de abril de 2019 at 17:50

    Minha mãe fez uma cirurgia para remoção de um câncer retal, dias depois teve uma complicação e precisou de nova cirurgia, desse vez emergencial, para colocação da bolsa de colostomia. Faz três semanas desde o procedimento e ela está tento sérios problemas com a fixação das placas adesivas que seguram a bolsa, elas simplesmente descolam. Já aconteceu dormindo, na rua e também na porta do hospital, causando muito constrangimento, pois em todas as situacões as bolsas estavam com conteúdo. Ela não quer sair de casa. Essa semana fomos informados em consulta que, como a cirurgia dela foi emergencial, não houve a marcação prévia e o estoma está muito próximo e na linha do umbigo, onde ela tem uma dobra abdominal, por isso as placas descolam. Existe algo que possa ser feito para corrigir isso? Estamos muito preocupados pois ela não conseguirá ter uma vida normal se isso não for resolvido.
    Atenciosamente
    Jaqueline

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