Uma notícia recente acendeu um alerta para a questão sanitária: após 18 anos sem nenhum caso, o Brasil voltou a registrar um diagnóstico de cólera na Bahia. No último dia 20 de abril,  o Ministério da Saúde (MS) confirmou o primeiro caso local de cólera no Brasil após 18 anos. A situação foi identificada na Bahia, e de acordo com o MS, o paciente contraiu a doença sem ter contato com outras pessoas diagnosticadas e sem ter se deslocado para países com casos confirmados.

O registro é considerado ‘isolado’ – os últimos casos diagnosticados no país ocorreram entre 2004 e 2005. A doença infecciosa intestinal aguda é transmitida por contaminação fecal-oral direta ou ingestão de água e alimentos contaminados com fezes contendo a bactéria Vibrio cholerae. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o quadro está intimamente ligado à falta de água potável e saneamento adequado, à pobreza e aos conflitos.  .

“As alterações climáticas também desempenham seu papel neste recrudescimento, uma vez que acontecimentos climáticos extremos, como inundações, secas e ciclones desencadeiam novos surtos e agravam os já existentes”, diz a OMS.

A maioria das pessoas infectadas permanece assintomática (aproximadamente 75%) e, daquelas que desenvolvem a doença, a maioria apresenta sintomas leves ou moderados, e apenas de 10% a 20% desenvolvem a forma severa, que, se não for tratada prontamente, pode levar a graves complicações e ao óbito.

Os principais sintomas incluem diarreia aquosa, vômitos e desidratação intensa, podendo levar a complicações graves e até mesmo à morte se não tratada rapidamente. Sua transmissão ocorre principalmente através da ingestão de água ou alimentos contaminados, especialmente em áreas com saneamento básico precário.

“Os fatores de risco incluem a falta de acesso à água potável, condições sanitárias inadequadas e higiene precária. Esse caso é ‘isolado’, mas é preciso que as autoridades intensifiquem as medidas preventivas essenciais para reduzir os riscos de transmissão”, ressalta Andre Doi, médico patologista clínico e diretor científico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML).

Segundo ele, é importante que os profissionais de saúde estejam atentos aos sintomas da cólera e realizem o diagnóstico precoce para evitar a propagação da doença. Ele ressalta a importância dos exames laboratoriais no diagnóstico preciso de doenças como a cólera.

“Para identificar o Vibrio cholerae (cepa toxigênica subtipo O1), bactéria responsável pela doença, devem ser utilizados métodos laboratoriais específicos como cultura de fezes em meio específico para isolamento deste patógeno ou método molecular (PCR) para detecção de seu material genético. Esses métodos permitem uma confirmação rápida e precisa do diagnóstico, possibilitando o início imediato do tratamento adequado”, explicou o especialista.

De acordo com o patologista clínico da SBPC/ML, o tratamento consiste principalmente na reposição de líquidos e eletrólitos perdidos através da administração de soluções de reidratação oral ou, em casos mais graves, através de soro intravenoso. “A antibioticoterapia (tratamento com uso de antibióticos) também pode ser necessária em alguns casos para reduzir a gravidade dos sintomas e prevenir complicações”, explicou.

MSF: ‘doença extremamente contagiosa, que pode matar em poucas horas’

“Extremamente contagiosa, a cólera é causada pela ingestão de bactérias de origem fecal (Vibrio cholerae), presentes em água suja ou estagnada. Ao provocar diarreia e vômito, a doença leva à rápida desidratação e, sem cuidados imediatos, pode matar em poucas horas”, informa a Médicos Sem Fronteiras (MSF), que começou a atuar no Brasil há 30 anos, com um projeto de combate a uma epidemia de cólera na região amazônica (Pará e Amazonas).

Ainda de acordo com MSF, a falta do  tratamento de esgoto contribui para a produção de gases do efeito estufa, a poluição de rios e a proliferação de  doenças como cólera, disenteria e poliomielite. De acordo com a Unicef, dois bilhões de pessoas no mundo usam água contaminada. No Brasil, cerca de 45% da população ainda não contam com coleta de esgoto, segundo o SNIS/2020.

“A água insalubre é uma das principais causas para a propagação da cólera, por isso as consequências da falta de água limpa neste contexto de ressurgimento da doença são desastrosas. Sem água potável, tratamento e uma boa gestão de resíduos, o risco de um aumento rápido no número de casos é muito alto e isso precisa ser tratado com urgência”, adverte o MSF.

Acesso à água limpa e segura é direito fundamental, diz ONU

Desde 2010 a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico como direitos humanos fundamentais, mas segundo o Instituto Trata Brasil, só no país existem 35 milhões de pessoas sem o acesso à água tratada. A confirmação do caso de cólera em Salvador traz à tona o debate sobre a necessidade de soluções para o problema que atinge diretamente a saúde da população.

Em 2021, o Brasil teve quase 130 mil internações por doenças de veiculação hídrica, em que a água é o principal veículo de transmissão, como amebíase, giardíase, gastroenterite, hepatite e cólera.

A professora do departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria, Nikelen Witter, analisou a pandemia do cólera no Brasil em meados do século XIX e comparou com o cenário da Covid-19, especialmente com um olhar para o comportamento da população.

“O cólera naquele momento se apresentou não apenas como ameaça à vida, mas às formas como a vida era organizada no período”, o que é bem semelhante ao que a pandemia da Covid-19 trouxe. “Apesar de os pobres serem os mais atingidos no século XIX, hoje não se pode falar que a Covid-19 é uma doença ‘democrática’, eu não acredito em pandemia democrática. Sofrerá mais sempre quem estiver mais fragilizado em um mundo tão hierárquico e com tantas diferenças e desigualdades sociais como o nosso.”

Doença grave que já ameaçou a Humanidade

cólera está entre as doenças que quase dizimaram a Humanidade. A enfermidade se espalhou pelo mundo no século XIX e é uma doença ainda em circulação. De acordo com a OMS, os últimos registros indicam mais de 140 mil mortes anuais devido à enfermidade.

Em 2009, 45 países notificaram mais de 220 mil casos de cólera e quase 5 mil mortes. Entre 2010 e 2011, ocorreram surtos no Haiti e na República Dominicana.

Entre 1991 e 1999, foram registrados – aproximadamente – 200 casos de cólera no Brasil. A partir de 2006, não houve casos autóctones de cólera no Brasil, tendo sido notificados apenas 3 casos importados, um de Angola (2006), um da República Dominicana (2011) e um de Moçambique (2016).

Já existe vacina contra cólera, contudo, ela é indicada somente para áreas com endemia, em situações de crise humanitária com alto risco para doença ou em casos de surtos.

A pandemia de cólera na Inglaterra, em meados do século XIX,  impulsionou a Revolução Industrial, o que confirma que, passados tempos difíceis, muitas oportunidades tendem a surgir.

Com informações de Assessorias

 

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