Fumar cigarro eletrônico pode prejudicar a função vascular, trazendo sérios riscos à saúde em curto e longo prazo, segundo uma pesquisa apresentada no final de 2024 em encontro anual da Sociedade Americana de Radiologia. Inicialmente alardeados como menos prejudiciais do que o cigarro comum, cada vez mais pesquisas mostram os danos desses dispositivos eletrônicos.
Para investigar esse impacto, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, selecionaram 31 fumantes sem nenhum problema de saúde, com idades entre 21 e 49 anos. Eles foram divididos em três grupos: fumantes de cigarro comum, usuários do eletrônico com nicotina e do eletrônico sem nicotina.
Todos os participantes passaram por exames de ressonância magnética antes e após fumar para avaliar a velocidade do fluxo na artéria femoral, que corre ao longo da coxa e fornece sangue oxigenado para toda a parte inferior do corpo. Os dados foram comparados a um grupo de dez participantes não fumantes.
Os achados revelaram uma redução significativa na velocidade do fluxo sanguíneo em repouso na artéria femoral superficial de todos os fumantes. No entanto, a diminuição da função vascular foi mais acentuada após a inalação de cigarros eletrônicos contendo nicotina, seguidos por cigarros eletrônicos sem nicotina.
Os pesquisadores também observaram uma queda da saturação venosa de oxigênio em quem fumou vape. Isso sugere uma diminuição imediata na absorção de oxigênio pelos pulmões após fumar. Segundo os autores, além dos efeitos agudos nos vasos, o uso crônico desses dispositivos pode causar doença vascular.
Já se suspeitava que o vape teria efeito negativo na função vascular, uma vez que a inalação dos produtos contidos nele, inclusive a fumaça, causa um fechamento no leito dos vasos, levando à diminuição do fluxo de sangue”, explica a pneumologista Karla Curado, do Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia
Segundo ela, à medida que a circulação começa a ser comprometida diariamente em todos os vasos, temos que pensar que todos os órgãos terão um prejuízo na sua circulação como um todo, causando ao longo do tempo doenças circulatórias graves
E os danos podem não demorar tanto a aparecer. De acordo com Curado, a curto prazo pode haver má oxigenação dos vasos cerebrais, pulmonares e cardíacos — o que a longo prazo poderá causar doenças como tromboses, infarto do miocárdio e uma condição chamada tromboangeíte obliterante, que ocorre em fumantes e pode levar à amputação dos membros.
Pesquisa comprova danos do cigarro eletrônico, como inflamação e disfunção alveolar
A inalação dos aerossóis contendo nicotina, propilenoglicol, glicerina, acetato de vitamina E e outros aditivos – encontrados nos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), mais conhecidos como cigarro eletrônico, vapes e pods – pode interferir nas funções pulmonares e levar a danos respiratórios, como a disfunção alveolar e inflamação maciça.
Doença pulmonar grave associada ao uso de DEFs, a EVALI (sigla para E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury) ganhou destaque em 2019, quando uma onda de 2.800 casos de lesões pulmonares severas foi identificada nos Estados Unidos.
Desde então, milhares de casos foram relatados, com ampla distribuição geográfica e afetando predominantemente adultos com idade média de 24 anos. Além da nicotina e dos aditivos encontrados nos DEFs, certos líquidos para vaping contém metais pesados, como chumbo e níquel.
As manifestações clínicas da EVALI incluem sintomas respiratórios como tosse, dor torácica e dispneia. Já entre os aspectos gastrointestinais, estão náuseas, vômitos e dor abdominal, além dos sistêmicos febre, calafrios e perda ponderal. Segundo a radiologista do Sabin, pela sua gravidade, essas lesões pulmonares frequentemente resultam em hospitalizações prolongadas e, em alguns casos, em óbito.
Trabalho conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e especialistas do Sabin Diagnóstico e Saúde, apresentado no Congresso Brasileiro de Radiologia, detectou aspectos radiológicos desta condição em exames de tórax dos usuários.
De acordo com o estudo, considerando a pluralidade de apresentações desta condição, é fundamental detalhar a histórico clínico e questionar o uso dos DEFs na avaliação de pacientes com quadros respiratórios, sobretudo na população de adolescentes e jovens, que não se autodeclaram fumante, apesar de consumir DEFs.
A radiologista do Sabin Carolina Neves Luis Ronan Souza, que integrou o estudo, explica que o cigarro eletrônico se desviou do propósito original de ser uma alternativa menos nociva ao tabagismo convencional, reduzindo doenças associadas. “Pelo contrário, essa nova modalidade do ato de fumar gerou um crescimento exponencial de usuários de nicotina pelo mundo, especialmente entre jovens e adolescentes”, alerta Carolina.
Diagnóstico
A tomografia computadorizada é o método de imagem com melhor capacidade para detectar esse tipo de lesão, sendo comuns padrões de opacidades em vidro fosco bilaterais difusas, pneumonia lipoídica, opacidades nodulares ou com aspecto de árvore em brotamento, pavimentação em mosaico, consolidações em bases, pneumonia eosinofílica, pneumonia em organização, hemorragia alveolar difusa, bronquiolite respiratória com doença pulmonar intersticial associada.
“Na radiologia torácica é imprescindível que os dados clínicos do paciente sejam coletados de forma cuidadosa, para que possa se pensar na hipótese de EVALI, em pacientes com quadros respiratórios dramáticos”, contesta Carolina Neves
Com informações da Agência Einstein e Sabin
Jovens que fumam “vape” têm pior desempenho em exercícios físicos
Jovens que fumam cigarro eletrônico (também conhecido como vape) têm desempenho similar ao dos adeptos de cigarros tradicionais durante a atividade física. É o que aponta um estudo feito por pesquisadores da Universidade Manchester Metropolitan, na Inglaterra, e apresentado em setembro de 2024 no Congresso da Sociedade Respiratória Europeia, que aconteceu em Viena, na Áustria.
O trabalho analisou 60 voluntários na faixa dos 20 anos, divididos em três grupos: os não fumantes, os fumantes de vape e os de tabaco — nesses casos, eles fumavam havia cerca de dois anos.
Os participantes foram submetidos primeiramente a um exame de espirometria, que avalia a função pulmonar, e todos apresentaram resultado normal. Depois, fizeram um teste de bicicleta para verificar o funcionamento de coração, pulmões e músculos durante a atividade física. O fluxo sanguíneo foi monitorado por meio de ultrassom, enquanto os exames de sangue mediram marcadores inflamatórios.
As conclusões mostram que tanto os fumantes de vape quanto os de cigarro tradicional tiveram pior performance no exame em relação a quem nunca tinha fumado. Mesmo apresentando função pulmonar normal ao iniciar, eles tiveram mais falta de ar, sinais de fadiga muscular antes do pico do exercício, maior dificuldade na hora de se exercitar e comprometimento da circulação.
Segundo os autores, dois anos de uso de cigarro eletrônico provocaram os mesmos desconfortos respiratórios e perdas funcionais do que o tabaco. Pesquisas anteriores já haviam mostrado uma associação do vape com inflamação nos pulmões, além de modificações prejudiciais nos vasos.
Estudos mostram que o cigarro eletrônico não é inofensivo como se pensava inicialmente e o resultado deste estudo confirma que ele é tão prejudicial quanto o tabaco”, avalia a pneumologista Karla Curado, do Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia. “Por acreditar que o cigarro eletrônico é menos tóxico, os jovens não entendem as consequências a longo prazo e, por ser barato, está sendo consumido cada vez mais, provocando graves danos.”
Para a especialista, o maior desafio é conscientizar os mais novos. “Temos que informar melhor sobre os riscos e fazer entender que é uma dependência difícil de ser tratada, como doses cada vez mais altas de medicação, além da necessidade de terapia comportamental associada ao tratamento medicamentoso.”