Em decisão publicada no Diário Oficial da União, o CFM (Conselho Federal de Medicina) classificou como “procedimento experimental” a inalação de hidroxicloroquina (HCQ) e cloroquina para acelerar supostos efeitos desses fármacos no tratamento da Covid-19. O comunicado oficial sobre a resolução 2.292/2021 aponta que o procedimento é irregular e antiético, já que seria exclusivo para pesquisas devidamente registradas e autorizadas no CEP/Conep (Comitês de Ética em Pesquisa e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). Com a nova determinação do CFM, fica proibida a aplicação do experimento em pacientes de Covid-19 internados em hospitais.
Mesmo sem constar em protocolos de saúde, a nebulização de hidroxicloroquina vinha sendo adotada por médicos que alegavam ter encontrado supostos benefícios no procedimento. Casos de aplicação chamaram atenção nos estados do Amazonas e no Rio Grande do Sul, onde houve mortes de pacientes após a dissolução dos comprimidos e posterior nebulização. Efeitos adversos como taquicardia e queda de saturação (oxigênio no sangue) levaram à piora do quadro clínico dos pacientes que inalaram a substância.
No Rio Grande do Sul, foram registrados casos de nebulização de hidroxicloroquina em pacientes de covid-19 nas cidades de Camaquã e em Alecrim. Na primeira, três pacientes morreram após sessões de inalação do fármaco. Já em Alecrim, na fronteira com a Argentina, um homem de 69 anos faleceu dois dias após ter feito quatro sessões de nebulização de hidroxicloroquina diluída, segundo informou o site GaúchaZH.
A resolução do CFM foi publicada a partir de análise sobre a forma inalada desses fármacos se apresentar recentemente como “uma alternativa para reduzir o risco de eventos adversos e aumentar eficácia no tratamento contra a covid-19”. O CFM destacou que a inalação de HCQ “não é preconizada pelo fabricante, não havendo na literatura nenhuma informação sobre a eficácia e segurança aplicada por essa via, assim como dados sobre sua farmacocinética e farmacodinâmica nessa situação”.
Inalação pode ser agressiva às vias aéreas
O relator da resolução, conselheiro Domingos Sávio disse que a simples dissolução de um comprimido de HCQ para produzir uma solução para inalação não deve ser considerada “em vista dos excipientes presentes no produto, que podem ser agressivos às vias aéreas, e da dificuldade de estabelecer as dosagens compatíveis com os limites da administração inalada”.
As apresentações orais de hidroxicloroquina e cloroquina de diferentes fabricantes podem ter excipientes diferentes para medicamentos orais recomendada pelas agências reguladoras de medicamentos. Para Sávio, a nova apresentação medicamentosa para uso inalatório é um processo complexo, da competência de farmacêuticos especializados em técnica farmacêutica. “Essa forma de administração não caracteriza uso off label da medicação, sendo necessárias pesquisas que comprovem a eficácia e segurança da HCQ, assim como a dose a ser aplicada”, conclui.
Tal fato não deve ser ignorado pelo médico que pretende prescrever o medicamento, “pois se trata de procedimento experimental e está fora de sua competência responsabilizar-se pela qualidade, pureza e segurança de um produto experimental que foi processado por outro profissional de saúde”.
Prescrição sem eficácia e segurança
O CFM lembrou ainda na comunicação oficial sobre a nova resolução que “pesquisas nos centros mais avançados do mundo tentam encontrar tratamento para frear a pandemia de covid-19, tendo desenvolvido vacinas em tempo recorde, sem precedente na história, além de avanços importantes no tratamento dos doentes críticos, como a intubação (precoce X tardia), posição PRONA e uso de corticoides, anticoagulantes e bloqueadores neuromusculares, sob prescrição médica”.
Apesar disso, o uso da HCQ numa nova apresentação (inalada), em registro anterior em nenhuma parte do mundo, acrescenta ainda incerteza ao tratamento, pois não tem garantida sua eficácia e segurança.
“A obtenção de nova apresentação medicamentosa para uso inalatório é um processo complexo, da competência de farmacêuticos especializados em técnica farmacêutica. Esse fato não pode ser ignorado pelo médico que pretende prescrever tal produto, pois se trata de procedimento experimental e está fora de sua competência responsabilizar-se pela qualidade, pureza e segurança de um produto experimental que foi processado por outro profissional de saúde”, cita o relator.
Limites éticos na relação médico-paciente
A Resolução nº 2.292/2021 destaca que, de acordo com a Lei nº 12.842/2013, o CFM tem a competência legal de determinar o que é ou não é tratamento experimental no País. Com base nessa outorga legal, a autarquia elaborou o Parecer CFM nº 4/2020, que estabelece critérios e condições para a prescrição de cloroquina e de hidroxicloroquina em pacientes com diagnóstico confirmado de Covid-19.
O parecer polêmico “delegava ao médico e ao paciente a autonomia de decidirem juntos qual a melhor conduta a ser adotada, desde que com o consentimento livre e esclarecido firmado por ambas as partes. O Conselho lembra que cabe ao médico e ao paciente decidirem junto sobre a administração via oral da cloroquina, como preconizado no parecer 4/2020, em pacientes diagnosticados com Covid-19.
Conforme destacou o conselheiro Domingos Sávio, relator da Resolução nº 2.292/2021, “a autonomia do médico de prescrever o que julgar melhor para seu paciente é um dos pilares da medicina desde Hipócrates, só tendo limite na lei e na ética, objetivando sempre única e tão somente a beneficência e nunca a maleficência”.
“As apresentações orais de hidroxicloroquina e cloroquina de diferentes fabricantes podem ter excipientes diferentes de uma lista de excipientes para medicamentos orais recomendada pelas agências reguladoras de medicamentos. É obrigatório que os excipientes estejam listados em bula, pois são de interesse dos alérgicos e diabéticos, por exemplo”, pontuou.
Com CFM e Agências