A epilepsia é uma condição neurológica em que uma parte do cérebro emite sinais incorretos causando crises que culminam em convulsões e ausências. De acordo com diferentes estudos, a condição atinge cerca de 0,5% a 1% da população mundial. Dados atribuídos à Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que a epilepsia acomete 2% da população brasileira e 50 milhões de pessoas ao redor do mundo.

A epilepsia é uma doença que afeta significativamente a qualidade de vida, especialmente de crianças e adolescentes. Isso ocorre não apenas pelo tabu criado sobre a doença, mas também pela interferência que ela causa nas atividades diárias.

O tratamento da epilepsia é, em geral, realizado com medicamentos anticonvulsivantes que têm como objetivo prevenir a ocorrência das crises. Quando o indivíduo não apresenta crises por 10 anos e os cinco anos seguintes sem utilizar medicamentos antiepilépticos nos últimos cinco anos, a epilepsia é considerada como “resolvida”. Entretanto, isso não garante que o quadro não retornará.

Um entre quatro pacientes têm epilepsia refratária, a forma grave da doença

A epilepsia refratária é quando o paciente não responde de forma adequada aos tratamentos convencionais. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, estima-se que pelo menos 25% dos pacientes com epilepsia são portadores do estágio grave da doença.

Nos casos de pacientes que não apresentam redução das crises epilépticas mesmo com o uso de dois ou mais anticonvulsivantes, outras abordagens terapêuticas vêm sendo adotadas, como o uso de medicamentos à base de canabidiol. Muitos especialistas têm recorrido, com sucesso, ao tratamento feito com a cannabis medicinal.

Também conhecido por CBD, o canabidiol é um dos constituintes químicos de uma planta denominada Cannabis, que apresenta potencial terapêutico em casos de epilepsia por atuar em receptores e em um sistema de sinalização e regulação chamado “sistema endocanabinoide”, de forma ainda não muito bem esclarecida, regulando diversas funções no organismo, entre elas, do Sistema Nervoso Central (SNC).

É muito importante deixar claro para os pais que o canabidiol é uma medicação como todas as outras e por isso requer critério clínico e experiência para sua prescrição, e o mesmo cuidado relativo aos efeitos adversos e interações medicamentosas. A substância é desenvolvida por laboratórios, e, no caso do tratamento da epilepsia, por não apresentar THC, não apresenta efeito psicoativo”, explica Conceição Campanario, neurologista pediátrica do Sabará Hospital Infantil.

Como o canabidiol age na epilepsia

Caracterizada como uma condição neurológica crônica, a epilepsia se manifesta por meio da ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas provocados por uma atividade neuronal anormalmente sincrônica e excessiva no cérebro.  A hiperatividade elétrica desorganiza o funcionamento normal das redes neurais, resultando em manifestações clínicas como convulsões, alterações motoras, sensoriais, comportamentais e, em alguns casos, perda de consciência.

Estudos recentes publicados em algumas das principais revistas científicas do mundo indicam que o CBD e seus fitocanabinoides conseguem diminuir a frequência e a gravidade das convulsões. Para o médico Daumiro Tanure, coordenador técnico do Centro de Acolhimento em Terapia Canabinoide Anna, isso acontece porque o canabidiol interage com o sistema endocanabinoide do corpo, que joga um papel crucial na regulação da atividade neuronal e na manutenção do equilíbrio (homeostase) do sistema nervoso.

Essa interação ajuda a estabilizar as flutuações elétricas cerebrais que podem causar convulsões, oferecendo assim um potencial alívio para pessoas com epilepsia resistente a tratamentos convencionais”, afirma Tanure.

Diversas formas de epilepsia refratária podem se beneficiar do canabidiol. Síndromes graves que causam epilepsia na infância, como as síndromes de Dravet e Lenox-Gastaut, além da esclerose tuberosa, tiveram resultados positivos após a administração do canabidiol.

Entre os benefícios podemos destacar a redução do número de crises e uma melhora significativa na parte cognitiva, em parte decorrente da melhora do controle de crises. Eu já trato boa parte dos meus pacientes refratários com esse medicamento e o objetivo tem sido alcançado em grande parte deles. Trata-se de uma das alternativas interessantes no espectro de epilepsia refratária”, afirma a especialista.

Existem estudos randomizados, nos quais foram demonstrados efeitos positivos com o uso do canabidiol como a Síndrome de Dravet – uma epilepsia genética rara e grave que se manifesta na infância; a Esclerose Tuberosa – uma doença genética que leva à formação de lesões em sistema nervoso e em outros órgãos, e a síndrome de Lennox-Gastaut – outra forma grave de epilepsia que causa convulsões e problemas de desenvolvimento integral da criança.

Além disso, um estudo recente do respeitado periódico médico The New England Journal of Medicine, com pacientes com a síndrome de Dravet, demonstrou que a média de crises convulsivas por mês diminuiu de 12 para 6 em pacientes que usam canabidiol. O estudo avaliou 120 crianças e adultos jovens que apresentavam convulsões resistentes aos remédios convencionais.

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CFM regulamenta uso compassivo de canabidiol na epilepsia refratária

Pedro Sabaciauskisfundador e presidente da Santa Cannabis – associação sem fins lucrativos dedicada ao estudo e à distribuição legal de CBD e THC para pacientes com indicação médica -, destaca que a epilepsia foi uma das primeiras doenças a despertar interesse para o uso terapêutico da cannabis.

Segundo Pedro, os primeiros registros do uso medicinal da cannabis remontam a civilizações antigas, com menções ao tratamento de distúrbios neurológicos, e hoje em dia, alguns componentes são muito eficazes para tratar a doença.

O canabidiol (CBD) atua como um potente anticonvulsivante, prevenindo crises epilépticas e oferecendo efeito imediato. Já o tetrahidrocanabinol (THC) auxilia no alívio das dores musculares causadas pelos movimentos involuntários das convulsões, além de ser eficaz no tratamento de enxaquecas, cefaléia e enjoos associados”, explica.

Essas propriedades tornam a cannabis uma alternativa terapêutica relevante no manejo da epilepsia, especialmente em casos de sintomas associados. Por essa razão, diante dos resultados positivos que foram apresentados com o tratamento, desde 2014 o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamenta o uso compassivo do canabidiol (CBD) para crianças e adolescentes com epilepsia refratária.

Canabidiol apenas com prescrição médica

No entanto, independentemente do tipo de epilepsia, é fundamental que o uso de medicamentos à base de cannabis medicinal seja feito somente com prescrição médica. Gabriela Kreffta, técnica farmacêutica da Santa Cannabis, ressalta que, por se tratar de uma doença que pode afetar pessoas de todas as idades e em diferentes fases da vida, é necessário cautela. O diagnóstico preciso, aliado à prescrição e à definição correta da dosagem, é essencial para garantir segurança e promover qualidade de vida aos pacientes.

Para Gabriela, o tratamento com canabidiol (CBD), além de ter um histórico de uso milenar, mostra-se promissor devido à sua eficácia e ao perfil de segurança mais favorável em comparação a muitos fármacos tradicionais, que costumam causar efeitos colaterais significativos.

Com o avanço das pesquisas, a aceitação médica tem crescido, permitindo uma abordagem mais integrada e baseada em evidências. No entanto, é fundamental considerar possíveis interações medicamentosas ao introduzir o CBD na rotina terapêutica, garantindo um tratamento seguro e eficaz”, pontua.

Neste sentido, os especialistas destacam ser fundamental ampliar a conscientização sobre como agir diante de uma convulsão. Um dos mitos mais comuns, como segurar a língua da pessoa durante uma crise, pode ser perigoso. Da mesma forma, a ideia de que a cannabis causa danos aos neurônios é equivocada, pois estudos indicam que seus compostos, especialmente o CBD, possuem efeitos neuroprotetores, ajudando a preservar a saúde cerebral e reduzir danos causados por distúrbios neurológicos.

Tratamento de graça pelo SUS em Curitiba

O tratamento, que conta com diversos estudos publicado ao redor do mundo, está disponível no Brasil; Centro de Acolhimento em Terapia Canabinoide Anna é uma das referências na prática médica

Ao mesmo tempo em que cresce a preocupação global em torno da doença, o tratamento com base em canabidiol (CBD), um composto retirado da cannabis, trouxe esperança para milhões pacientes. Tratamentos com CBD estão disponíveis para pacientes com diferentes níveis de epilepsia.

O interessado deve procurar um médico prescritor, que fará a análise do caso e encaminhará o paciente para o processo de compra, por meio de uma receita simples. A receita deve ser então protocolada na Anvisa para a liberação, após isso, o paciente recebe uma autorização de importação e estará apto a comprar o produto canábico receitado”, explica o médico.

No Centro de Acolhimento em Terapia Canabinoide Anna, que funciona dentro da Santa Casa de Curitiba, a procura pelo tratamento cresceu consideravelmente nos últimos meses, principalmente a partir da divulgação de estudos globais que comprovam a importância do CBD em casos de epilepsia. No espaço, os pacientes recebem todas as informações sobre o tratamento, além de conseguirem agendar consultas e teleconsultas com especialistas em cannabis medicinal.

Por se tratar do primeiro espaço do Brasil dentro de uma instituição médica de referência, o Centro de Acolhimento tem despertado muito interesse nas pessoas. Muitos pacientes chegam até nós sem nenhum conhecimento sobre o tema, motivados por notícias e informações. Por esse motivo, além de toda a parte médica, acabamos fazendo um trabalho educativo sobre a importância da cannabis e, no caso do tratamento da epilepsia, diretamente a importância do CBD”, completa Tanure.

Com Assessorias

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