O VAT (Vida Além do Trabalho), um movimento que ganha cada vez mais força nas redes sociais, promete ser uma solução para quem deseja trabalhar menos e descansar mais neste ano de 2024. O debate sobre a redução da carga horária no trabalho não é novo e ganha novo capítulo com a força da internet. Mas, será que realmente essa mudança pode promover o bem-estar? A resposta não é simples e depende de vários fatores.

Marcos Mendanha, médico do trabalho e autor do livroO que ninguém te contou sobre Burnout’, publicado pela Editora Mizuno, faz algumas considerações sobre o movimento e a primeira delas é a compressão da demanda de trabalho.

“É fato que a redução da carga horária semanal de trabalho pode resultar em mais energia, disposição, produtividade e bem estar. No entanto, se a diminuição da carga de tarefas não for proporcional aos novos dias de trabalho efetivo, o resultado é inverso, ou seja, produz mais cansaço e estresse”, pondera ele.

O especialista explica que, por exemplo, se a carga semanal estava distribuída para 6 dias e se reduz a jornada de trabalho para 4 dias, mantendo-se a carga de trabalho original, a conta não fecha. “O trabalhador, nesse caso, terá que fazer tudo que fazia em 6 dias, agora em 4 dias. Isso gera sobrecarga de trabalho, um dos fatores que mais promovem Burnout e adoecimentos mentais no contexto ocupacional”, explica Mendanha.

Outro ponto fundamental para a redução da carga de trabalho promover o bem-estar é o uso real dos dias de descanso. O que os trabalhadores brasileiros fariam com esses novos um ou dois dias de folga por semana a longo prazo? Para Mendanha, “essa pergunta importa pois nada garante que, por diversas e compreensíveis demandas, novos vínculos profissionais sejam pactuados nesses dias que ficarão ociosos.

Isso já foi verificado, por exemplo, na área da saúde, onde os trabalhadores são beneficiados com tempo de descanso maior proporcionado pela chamada “jornada 12×36”. Ocorre que para muitos desses trabalhadores, esse tempo maior para o descanso se torna um estímulo para assumir novos trabalhos. Resultado: se antes o cansaço era por um emprego, agora ele vem por dois ou mais. Esse é um ponto extremamente importante a ser refletido sobre o movimento”, alerta o médico.

Ele ainda completa dizendo que “infelizmente, muitos trabalhadores da saúde já fazem o inverso da jornada originalmente proposta, trabalhando 36 horas e descansando 12, em múltiplos vínculos, o que prejudica enormemente a saúde física e mental dessa população”, finaliza Marcos Mendanha.

O médico do trabalho reforça que qualquer mudança exige preparação e treinamento prévio. Isso porque, ao reduzir a jornada de trabalho, é necessário preparar todos os funcionários para uma mudança significativa. Essa preparação exige reestruturação na carga de trabalho, otimizando os processos com consequente diminuição do tempo exigido para cada um deles. Quando tudo isso acontece de forma eficaz e integrada, os resultados tendem a ser muito positivos.

Brasil é o segundo do mundo em casos de Burnout

O Brasil é o segundo país com mais casos de síndrome de Burnout, segundo estudo da International Stress Management Association (Isma-BR), ficando atrás somente do Japão, onde 70% da população é afetada pelo problema. Diante dos números e do movimento Janeiro Branco, que visa conscientizar a sociedade sobre a importância de uma boa saúde mental, é natural que surja a dúvida de como o trabalho afeta a saúde psíquica das pessoas.

Caracterizada por esgotamento, exaustão, distanciamento afetivo do trabalho (e das pessoas do trabalho), além da sensação de ineficácia, a síndrome de Burnout foi classificada recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como fenômeno ocupacional.

Com tantas dúvidas sobre o tema, o lançamento do livro ‘O que ninguém te contou sobre o burnout’,  traz as principais respostas sobre o assunto. Após muitos anos de estudo e especialização na área, o autor esclarece um ponto importante sobre a diferença entre burnout, depressão e estresse.

“Conforme a OMS, o burnout se assemelha à uma fadiga ligada ao ambiente profissional e as relações ali estabelecidas. Já a depressão, sendo multifatorial, pode ser provocada por fatores genéticos, de personalidade, estressores crônicos diversos, relações interpessoais ou algum evento traumático que a pessoa tenha vivenciado”, explica Marcos.

Porém, é preciso estar atento! Apesar de não ser considerado uma doença propriamente dita pela OMS, o burnout, quando não identificado ou tratado corretamente, pode evoluir e se transformar em uma doença mental, como depressão, transtorno de ansiedade etc. Para além das intervenções médicas acompanhadas por medicação ou terapias, o especialista revela que a mudança de hábitos também é essencial para a recuperação.

Ainda segundo ele, a cura para o Burnout é um tratamento multifatorial voltado à recuperação do indivíduo, que inclui também a importância de atividades físicas e mudanças nos hábitos alimentares e na vida como um todo, além da ajuda tradicional da medicina.

O trabalho pode levar ao suicídio?

Seria o trabalho um fator de risco que poderia levar, por exemplo, ao suicídio? O burnout, que é o esgotamento profissional, seria uma espécie de estágio para isso? Marcos Mendanha estuda essa relação e explica se há conexão entre os dois fatores ou não.

“O primeiro ponto que precisamos considerar é que o trabalho pode sempre favorecer ou comprometer a saúde de qualquer indivíduo, independentemente da área em que a pessoa atua”.

Outro ponto que o médico explica é que há casos pelo mundo em que o suicídio foi associado ao trabalho. “No Japão, em 2017, 208 suicídios foram oficialmente considerados karojisatsus, ou seja, quando um trabalhador tira a própria vida por problemas mentais que podem ser ligados a experiências no ambiente profissional.

Em um caso célebre, Matsuri Takahashi, uma funcionária de 24 anos de um escritório de publicidade, se matou após fazer mais de 100 horas extras nos meses antes de sua morte, em 2015. Autoridades japonesas concluíram que o volume de trabalho excessivo levou à morte da jovem”.

Por outro lado, o especialista ressalta que cada caso deve ser avaliado individualmente, visto que o trabalho também é uma via da existência que promove possibilidades, conexões e também saúde.

“Sim, é verdade que existem trabalhos adoecedores sob todos os aspectos. Mas é inegável também que, para muitos, o trabalho é fonte, não só de sustento, mas de novas amizades, rede de apoio e até sentido de vida.”

Desemprego é fator de risco para o suicídio

Mendanha alerta que sempre correlacionar trabalho como fator de risco ao suicídio é ignorar os dados científicos e outros fatores que envolvem o contexto de vida em sociedade.

“Segundo a OMS, o desemprego sim é considerado um importante fator de risco para o suicídio, pois, além de privar o indivíduo das relações sociais que o trabalho promove, ameça sua subsistência, e em muitos casos, a subsistência de toda sua família também”, exemplifica ele.

Em relação ao burnout, que é o esgotamento profissional, o médico reforça que “devemos nos atentar aos casos de burnout e adoecimentos mentais, e encaminhar essas pessoas, o quanto antes, para um tratamento eficaz e multidisciplinar.”

Segundo o médico, o burnout, assim como qualquer agravo de ordem mental, pode funcionar como gatilho para uma ideação suicida, a depender da vulnerabilidade individual de cada paciente.

“Vivemos uma época desafiadora. Esse assunto é urgente e necessário. Os dados nos mostram que, para promover a vida e a saúde mental com seriedade e responsabilidade, é necessário conversas difíceis, multisetoriais e para além daquelas que são disseminadas nas redes sociais”, finaliza ele.

Serviço

O livro O que ninguém te contou sobre o burnout está disponível nas principais livrarias digitais, e chega como um alerta para a relação entre a saúde mental e o trabalho. “O objetivo é trazer clareza sobre esse tema complexo e cada vez mais discutido”, finaliza Mendanha.

Sobre o autor

Marcos Mendanha é médico do Trabalho, especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito do Trabalho. Autor dos livros “O que não te contaram sobre Burnout – Aspectos práticos e polêmicos” (Editora Mizuno). Coautor do livro “Desvendando o Burn-Out – Uma Análise Multidisciplinar da Síndrome do Esgotamento Profissional” (Editora LTr). Diretor e professor da Faculdade Cenbrap. Coordenador do Cosmo (Congresso de Saúde Mental Ocupacional), sonsultor de Saúde Ocupacional Corporativa.

Com Assessorias

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