Em todo o mundo, encontrar formas de diagnóstico e tratamento do novo coronavírus é um desafio à ciência, que tem gerado centenas de pesquisas. Nesta terça-feira (14), o Ministério da Saúde informou que tem atualizado diariamente as evidências já descritas na literatura internacional. Desde o dia 5 de abril, o Grupo de Inteligência Covid-19, da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, já catalogou e avaliou 146 estudos, reunindo as evidências publicadas em artigos.
Sob pressão do presidente Jair Bolsonaro, que tem defendido o uso da cloroquina como tratamento para a covid-19, o MS incluiu em seus protocolos a sugestão de aplicação do medicamento usado para controle da malária, lúpus e artrite reumatoide em pacientes com gravidade média e alta, mas mantendo a norma corrente na Medicina de que cabe ao médico a decisão sobre prescrever ou não a substância ao paciente.
No guia de diagnóstico e tratamento publicado nesta semana, o Ministério afirma que não há consenso entre as pesquisas sobre a eficácia da cloroquina. Em entrevista coletiva na semana passada, o ministro Luiz Henrique Mandetta acrescentou duas ponderações sobre a adoção desse recurso. A primeira é o fato de diversos pacientes chegarem com sintomas de gripe e levar tempo até a confirmação da infecção pelo novo coronavírus. A segunda é que 85% dos infectados se curam com tratamento normal para síndrome gripal, com outros medicamentos.
“Será que seria inteligente dar remédio para 85% das pessoas que não precisam dele e tem efeitos colaterais?”, questionou Mandetta. Ele acrescentou que a definição sobre uma recomendação de aplicação da cloroquina será feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a partir da análise das pesquisas. Em sua última posição sobre o tema, no dia 20 de março, o CFM ressaltou que não há comprovação da eficácia da cloroquina.
Na semana passada, a Prefeitura de São Paulo anunciou que a Secretaria Municipal da Saúde vai incluir a cloroquina como uma das formas de tratamento para o coronavírus nos hospitais municipais. No entanto, lembrou que o uso da substância só é autorizado para pacientes internados, quando houver prescrição do médico e desde que o uso seja autorizado formalmente pelo paciente ou por sua família.
Grupo de pesquisa reúne mais de 40 hospitais do país
Um grupo de 40 a 60 hospitais em todo o país está participando da Coalizão Covid Brasil, que promove pesquisas para avaliar a eficácia e segurança dos medicamentos hidroxicloroquina e azitromicina para pacientes infectados pelo novo coronavírus. A iniciativa surgiu de uma parceria entre os hospitais Albert Einstein, HCor e Sírio Libanês, por meio da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet). O projeto tem apoio do Ministério da Saúde e contará com a parceria da farmacêutica EMS, fornecendo os medicamentos para estudos.
No total, há nove ensaios clínicos avaliando não somente a cloroquina, mas formas diversas de tratamento contra a Covid-19. O grupo vai realizar três pesquisas. A Coalização I, primeira fase dos estudos, que terá 630 pacientes internados e com menor gravidade por Covid-19; a Coalização II, com 440 pacientes em estágios mais graves da doença e que necessitem de maior suporte respiratório; e a Coalização III, em que as pesquisas avaliarão a efetividade da dexametasona em 284 pacientes com insuficiência respiratória grave, que necessitam de suporte ventilador mecânico para respirar.
Hospitais como Oswaldo Cruz e Sepaco participam da iniciativa. Flávio Freitas, médico intensivista do Hospital Sepaco, responsável pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP), está otimista. “O mundo vive um momento extremamente delicado, e a necessidade de unir forças é fundamental para combater a pandemia da Covid-19. Estamos certos que esta iniciativa será um sucesso e muito felizes em poder contribuir nessa luta, salvando o máximo de vidas que pudermos. Esta é a motivação para continuarmos com total empenho e dedicação na descoberta de um medicamento eficaz para o novo coronavírus”, destaca.
Evidências científicas para tomada de decisão
A ciência tem sido uma das principais armas utilizadas pelo Ministério da Saúde no combate à Covid-19. Desde o início da pandemia, buscamos a ciência para orientar e subsidiar os gestores e profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) na tomada de decisão”, destacou Denizar Vianna, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde.
Além de resumir cada estudo identificado, a publicação, que em breve estará disponível em www.saude.gov.br/coronavirus traz também uma avaliação da qualidade metodológica e a quantidade de artigos publicados, de acordo com a sua classificação metodológica (revisões sistemáticas, ensaios clínicos randomizados, entre outros). A avaliação da qualidade metodológica é essencial, pois somente ela pode trazer indícios do grau de confiança de uma pesquisa.
É fundamental que estejamos atualizados sobre as opções terapêuticas que vêm sendo avaliadas pelos diferentes países com casos de Covid-19. É uma forma de identificarmos lacunas de evidência que nos auxiliarão na priorização de pesquisas e na otimização de recursos públicos investidos nesta área”, explica Camile Giaretta, diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia do MS.
Síntese de Evidências
O Ministério da Saúde informou ainda que também tem elaborado uma série de Revisões Sistemáticas Rápidas, que permitem a identificação de evidências já disponíveis na literatura para subsidiar os gestores na tomada de decisão no SUS. O trabalho é executado pelo Núcleo de Evidências (NeV) da Coordenação de Evidências e Informações Estratégicas para a Gestão em Saúde do Decit/SCTIE que contaria com a colaboração de pesquisadores externos.
Atualmente, o Ministério da Saúde informou que produz 12 produtos relacionados a evidências para apoio à tomada de decisão, como Sumário de Resumos, que categoriza, quantifica e sumariza resumos de determinadas temáticas; Revisão Rápida, que apresenta uma síntese qualitativa ou quantitativa de estudos sobre determinadas temáticas; e Parecer Técnico Científico, que inclui informações econômicas, avaliação metodológica dos estudos incluídos e recomendações.
Segundo Daniela Fortunato, coordenadora de Evidências e Informações Estratégicas para Gestão em Saúde do MS, esses estudos podem ser utilizados em diferentes contextos. Podem auxiliar, por exemplo, na identificação de opções políticas para o enfrentamento de um problema ou uma emergência em saúde pública; na resolução de dúvidas científicas dos gestores de saúde federais; além de colaborarem na priorização, formulação e implementação tanto de políticas públicas e programas de saúde como de prioridades de pesquisa para o SUS.
Oito estudos devem ser concluídos em breve
Até o momento, oito estudos foram realizados e deverão ser disponibilizados em breve. Entre os temas estão, por exemplo, Revisão Sistemática Rápida Sobre Alternativas Terapêuticas Para Coronavírus Humano; um Inventário de Referências sobre a Covid-19 e uso Racional de Medicamentos: Ibuprofeno e outros anti-inflamatórios não-esteroidais, inibidores de enzima conversora de angiotensina e bloqueadores de receptores de angiotensina, além de outro que investigou a resposta imunológica e reinfecção de Covid-19.
O grupo está em fase de produção de outros sete estudos relacionados ao novo coronavírus; entre eles uma Revisão Sistemática Rápida Sobre Eficácia e Segurança da Cloroquina e Hidroxicloroquina (isoladas ou em associação) para Covid-19; uma Revisão sobre segurança da reutilização de máscara N95, FPP2 e FPP3 e uma Revisão Sistemática Rápida, que avaliará o impacto das medidas de isolamento social.
Boa parte das ações do Ministério é pensada e desenvolvida a partir dos levantamentos das evidências científicas que os técnicos têm realizado. Esse trabalho tem sido fundamental para analisarmos quais são as estratégias de enfrentamento mais adequadas e indicadas ao nosso contexto. Nessa guerra contra o vírus, a ciência é, sem dúvida, a saída mais segura e estruturante dessa crise”, afirma Denizar Vianna.
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Da Agência Brasil e Agência Saúde, com Redação