A notícia do nascimento de uma criança com Síndrome de Down é sempre um momento difícil para os pais. E, por muitas décadas, ela veio acompanhada do prognóstico de que pessoas com esta alteração genética, também conhecida como trissomia do 21 (T21), teriam baixa expectativa de vida. Estima-se que cerca de 40% das crianças com T21 apresentem algum defeito cardíaco congênito (DCC).
A cardiopatia congênita é considerada a principal causa de morte nestes pacientes, quando não tratados adequadamente. Mas, felizmente, o cenário vem passando por transformações e os avanços da Medicina, em especial da Genética e da Cardiologia, têm contribuído para mudar substancialmente as estatísticas.
Especialistas ligados à Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) afirmam que em relação ao prognóstico, a sobrevida destas crianças tem aumentado significativamente nas últimas três décadas.
Cristiane Nunes Martins, presidente do Departamento de Cardiopatias Congênitas e Cardiologia Pediátrica da SBC, explica que esse aumento tem sido de 2,7 anos a cada ano, em especial em virtude dos protocolos já bem sedimentados para o atendimento da criança com diagnóstico de síndrome genética.
“A avaliação cardiológica com realização do Ecocardiograma Fetal e/ou pós-natal estão entre esses avanços, possibilitando tanto o diagnóstico, como o encaminhamento em tempo hábil para centros de referência em cirurgia cardíaca. O que ajuda a evitar muitas perdas de vida”, reforça.
Outro fator importante é o avanço nas técnicas operatórias e nos procedimentos cirúrgicos, que têm ficado cada vez menos agressivos, sendo alguns deles realizados através de cateteres sem a necessidade, por exemplo, grandes incisões no tórax.
No campo da medicina genética, tem permitido atuar em uma fase anterior, com realização de diagnósticos cada vez mais precoce das alterações genéticas fetais, possibilitando o conhecimento antecipado pelos pais. Já nos casos de Fertilização in Vitro (FIV), é possível selecionar o material genético a ser implantado, diminuindo as chances de um implante de um embrião com alterações genéticas, por exemplo.
Inclusão social contribui para aumento da sobrevida
Dra. Cristiane,ressalta que outro fator que se relaciona com o aumento da sobrevida e da qualidade de vida é o encaminhamento precoce para tratamentos e terapias, em especial a estimulação com fisioterapia e fonoterapia, bem como iniciativas para promover a inclusão social destas crianças em escolas regulares.
Estas ações têm sido fundamentais para melhor desenvolvimento e desempenho social da pessoa com Síndrome de Down. O entendimento das condições físicas e mentais da criança possibilita a desmistificação pelo conhecimento, reduzindo o preconceito e permitindo a estas crianças um planejamento antecipado dos cuidados necessários para seu adequado desenvolvimento e, em consequência, sua autonomia, inclusão social e felicidade.
A necessidade de promover inclusão é também salientada por outro importante especialista da área. José Francisco Kerr Saraiva, vice-presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC, acredita que o grande desafio do Século XXI, quando a questão é Síndrome de Down, esteja exatamente em combater a exclusão social, que acontece, já muitas vezes, em casa, por conta do rebaixamento intelectual.
Segundo ele, é preciso que a sociedade na totalidade, incluindo familiares dessas crianças, e também a comunidade de profissionais de saúde estejam mais preparados para comunicar a notícia aos pais e lidar com essas situações, desmistificando muitos pontos e entendendo que essas pessoas conseguem viver plenamente e com saúde. Para isso, elas precisam ser cuidadas e preparadas para lidarem com dinheiro, mercado de trabalho, relacionamentos afetivos e até para despertar os dons artísticos, desde que, claro, bem orientadas.
“Isso é obrigação da sociedade, de um lado inseri-los e do outro prover toda a oportunidade de usufruir dos avanços da saúde. É preciso fazer a prevenção da obesidade, através da atividade física; identificando precocemente transtornos digestivos, metabólicos, como tireiide, e os defeitos cardíacos congênitos, porque intervindo precocemente é possível dar um suporte muito maior para que ele viva com qualidade. Não podemos limitar a vida da pessoa com Síndrome de Down por descuidos com a saúde, como víamos há décadas atrás”, enfatiza Dr. Saraiva.
Relação entre T21 e defeitos cardíacos congênitos
A T21 é a síndrome genética mais frequente, sendo causada por um excesso de material cromossômico. Indivíduos com T21 possuem 47 cromossomos ao invés de 46 (23 do pai e 23 da mãe), sendo o cromossomo extra ligado ao par 21. Sua incidência na população geral é de cerca de um em 600 até mil nascimentos. Porém, ela pode apresentar variações conforme a idade materna. Em mães com idade superior a 45 anos, a síndrome pode chegar a ocorrer em um a cada 30 nascimentos.
Segundo relatório divulgado pela Queen Mary University, de Londres, tem-se observado um aumento na incidência de nascimentos com T21 em virtude da mudança do estilo de vida das mulheres que por várias razões têm optado por postergar a maternidade. O estudo indica que o número de casos identificados entre 1989 e 1990 na Inglaterra e em Gales foi de 1.075. No período de 2007 e 2008, este número saltou para 1.843, um aumento de 71% atribuído à maternidade tardia.
Uma das características das crianças com T21 é a elevada associação com os defeito cardíacos congênitos, sendo que em 25% dos casos é diagnosticado o Defeito do Septo Átrio Ventricular (DSAV). A elevada associação com este grupo de cardiopatia pode ser explicada porque a alteração cromossômica na T21 associa-se à formação embrionária da parte central do coração, também conhecida como septo átrio ventricular.
Outros defeitos cardíacos podem ser encontrados nestes pacientes, como as comunicações interatriais, as comunicações interventriculares, a persistência do canal arterial e a Tetralogia de Fallot.