A violência contra a mulher só cresce no Brasil e no mundo. A maratonista Rebecca Chetegei, de Uganda, que disputou as Olimpíadas de Paris este ano, morreu após ter o corpo encharcado de gasolina e incendiado durante uma briga com o namorado. Rebecca, de 33 anos, teve 75% do corpo queimado e morreu quatro dias depois em um hospital no Quênia.

No Brasil, a violência de gênero que atinge mulheres e meninas é alarmante. Ano passado o país teve o maior número de feminicídios desde que o crime foi tipificado, há nove anos. Foram 1.463 vítimas, uma morte a cada seis horas, segundo estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

De janeiro a junho de 2024 a taxa de feminicídios no país foi de 45,1% para casos consumados e 54,9% para casos tentados, o que corresponde a 905 e 1102 casos, respectivamente, segundo dados do Monitor de Feminicídios no Brasil (MBF), Lesfem. Já a média diária foi de 4,98 para casos consumados e 6,05 para tentados. Só em setembro foram registrados casos em diversos estados como São Paulo, Maranhão, Ceará, Rio de Janeiro, entre outros.

O dia 25 de novembro – data em que celebramos o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher – é um marco global contra a violência de gênero, lembrando que milhões de mulheres ainda enfrentam abusos físicos, emocionais e psicológicos. Ouvimos a opinião de três especialistas a respeito. Confira!

 

 

As armadilhas sociais e emocionais que mantêm mulheres em relações abusivas

Por Mayra Cardozo*

Quando pensamos nas razões que levam uma mulher a permanecer em situações de violência psicológica, é crucial olhar para a construção social que molda suas experiências e decisões. Desde cedo, as mulheres são bombardeadas com regras e expectativas sociais que ditam o que significa ser uma “boa mulher“.

A sociedade ensina que, para ser completa, uma mulher deve casar e ter filhos. Regras religiosas frequentemente reforçam a ideia de que a mulher deve ser submissa ao homem, enquanto normas sociais tendem a culpabilizá-la se o relacionamento terminar.

Essas expectativas, em conjunto, criam um ambiente propício para a consolidação de relacionamentos abusivos, nos quais o sofrimento é justificado e a mulher se sente impotente para reclamar ou sair da situação. Muitas vezes, a vítima permanece nesse tipo de relacionamento porque, ao seguir essas regras, ela é valorizada pelo marido, pela família e pelo círculo social.

mulher que não se submete a essas normas é frequentemente criticada e rotulada como egoísta, “forte demais” ou “independente demais”, características que, paradoxalmente, são vistas como desqualificadoras na perspectiva de atrair ou manter um parceiro. Isso faz com que a mulher, temendo a desaprovação social e a solidão, tenha dificuldade em romper com o relacionamento abusivo ou mesmo volte para ele após tentativas de separação.

Ciclo de abuso e questões práticas

Outro fator que mantém a mulher em um relacionamento abusivo é o ciclo de abuso, muitas vezes mascarado pelo “período de lua de mel”. Nesse ciclo, o agressor pode atender a algumas críticas feitas pela vítima, criando uma falsa sensação de mudança, o que a acalma e a faz acreditar que a relação pode melhorar; no entanto, uma vez que o agressor sente que recapturou o controle, ele retorna aos padrões abusivos.

Além das pressões sociais e emocionais, questões práticas como a dependência financeira e patrimonial também desempenham um papel significativo. Para muitas mulheres, o medo de perder o padrão de vida adquirido ou de enfrentar dificuldades financeiras sozinha é um forte impedimento para sair do relacionamento. A questão sexual também pode ser um fator, pois, se o sexo na relação é satisfatório, pode contribuir para que a mulher permaneça, tentando se agarrar às partes boas da relação.

Em situações onde o casal tem filhos, estes também se tornam um fator determinante para que a mulher continue investindo na relação. O medo de causar um impacto negativo na vida das crianças ou a crença de que manter a família unida é a melhor opção, ainda que o relacionamento seja tóxico, muitas vezes segura a mulher nessa dinâmica destrutiva; no entanto, é importante reconhecer que crescer em um ambiente de violência psicológica pode ser extremamente prejudicial para as crianças.

Crenças, costumes e dependência emocional

Outro fator que não pode ser ignorado é a dependência emocional. Muitas mulheres, ao longo do tempo, perdem sua identidade, tornando-se apáticas, ansiosas e isoladas. Essa perda gradual de si mesma, muitas vezes comparada a uma espécie de “anestesia emocional”, faz com que a mulher se sinta incapaz de imaginar uma vida fora desse relacionamento – a identidade dela se mistura com o sofrimento, deixando cada vez mais difícil identificar onde começa, de fato, a relação abusiva.

Por fim, as regras religiosas muitas vezes desempenham um papel crucial em manter essas mulheres presas em relacionamentos abusivos. A interpretação de que “o amor tudo suporta” pode levar muitas a acreditar que o sofrimento é uma prova de seu amor ou fé, fazendo-as continuar em relações que, na verdade, as destroem.

Essas mulheres frequentemente precisam de uma rede de apoio forte para conseguir sair dessa situação. No entanto, quando fazem o movimento de pedir ajuda, muitas vezes são punidas seja pela sociedade, seja pelo próprio parceiro.

Portanto, é fundamental que, ao analisar uma situação de violência psicológica, se considere todo o contexto que influencia a vítima, reconhecendo a complexidade das forças sociais, emocionais, e práticas que a mantêm presa a essa relação. Entender essas dinâmicas é o primeiro passo para oferecer o apoio necessário e ajudá-la a recuperar sua autonomia e identidade.

*Mayra Cardozo é mentora de Mulheres e Advogada, especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Idealizadora do método alma livre criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.

Violência contra a mulher: é preciso desconstruir padrões sociais rígidos

Por Andreia Calçada*

A violência contra a mulher tem papel central em discussões e pesquisas acadêmicas e se apresenta como tema de importância fundamental na desconstrução de papeis sociais rígidos estabelecidos entre homens e mulheres. Todos os dias casos de violência contra a mulher são veiculados na mídia e necessitam de um olhar apurado e rápido pelo viés policial, jurídico, da assistência social e saúde mental.

Isso mostra que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Ao longo do tempo, os movimentos feministas trouxeram à tona a sociedade patriarcal existente e que vem aos poucos se modificando.

A divisão de tarefas e papeis inicialmente desempenhados por homens e mulheres transformou-se histórica e socialmente em relações de poder estanques, colocando a mulher muitas vezes em situação de submissão e de risco emocional, financeiro e de vulnerabilidade frente ao risco de sofrer lesões graves e até de morte. Com o passar do tempo a mulher partiu para o mercado de trabalho e já não se submete de forma tão silenciosa ao poder masculino como ocorria antigamente.

Lei Maria da Penha: conceito e tipos de violência

A Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Em seu Art. 7º a Lei descreve as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher que são: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

O conceito ‘violência contra a mulher’ é frequentemente utilizado como sinônimo de violência doméstica e violência de gênero, porém existem diferenças entre ambas que precisam ser apontadas. O primeiro conceito está vinculado ao fato de o ato ocorrer no espaço doméstico, e o segundo amplia o primeiro, incluindo crianças e adolescentes vítimas.

É também muito usado como sinônimo de violência conjugal, por englobar diferentes formas de violência que envolvam relações de gênero e poder, como a violência perpetrada pelo homem contra a mulher, a violência praticada pela mulher contra o homem, a violência entre mulheres e a violência entre homens (Araújo, 2008). Nesse sentido, pode-se dizer que a violência contra a mulher é uma das principais formas de violência de gênero.

Psicólogos devem ouvir todos os envolvidos

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabeleceu normas de exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero na resolução 08/2020. O CFP informa ao profissional psicólogo através dessa resolução sobre os cinco tipos de violência contra as mulheres descritos na Lei Maria da Penha. 

O documento aponta como necessário que “o profissional leve em consideração os aspectos relacionados à sociedade, cultura, economia, subjetividade, vulnerabilidades e riscos que essas mulheres estão submetidas”.

Também destaca que “identificando sinais de que uma mulher está em situação de violência ou para avaliar as possibilidades de que a violência possa vir a ocorrer, sempre intervindo no sentido de auxiliar a mulher a desenvolver condições para evitar ou superar a situação de violência”.

Assim a necessidade da escuta de todos os envolvidos precisa ser levada em consideração com o objetivo de alcançar uma visão o mais ampla possível do conflito e da dinâmica em questão.

Andreia Calçada é psicóloga clínica e jurídica. Perita do TJ/RJ em varas de família e assistente técnica judicial em varas de família e criminais em todo o Brasil. Mestre em sistemas de resolução de conflitos e autora do livro “Perdas irreparáveis – Alienação parental e falsas acusações de abuso sexual”.

A autoestima como escudo contra a violência

No Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher, fortalecer-se é o primeiro passo para dizer não

Por Débora Macedo*

Como psicóloga com anos de experiência, observo que uma das maiores ferramentas para romper com ciclos de violência é o fortalecimento da autoestima e do autocuidado. Mulheres precisam se valorizar não apenas como indivíduos, mas como protagonistas de suas histórias. Esse processo começa pelo reconhecimento de que ninguém tem o direito de invalidar sentimentos, opiniões ou existência.

A valorização pessoal é uma barreira importante contra relações abusivas e manipuladoras. Proteger-se contra a violência exige conhecimento dos próprios direitos. É essencial saber identificar sinais de abuso, como controle excessivo, chantagem emocional e comportamentos que isolam socialmente. Esse tipo de violência, muitas vezes silencioso, mina a saúde mental e cria uma dependência emocional difícil de superar sem apoio.

Construir redes de apoio é outro passo fundamental. Amigos, familiares, grupos de mulheres e profissionais da saúde mental são aliados na reconstrução da confiança e da autonomia. Conversar sobre situações difíceis com pessoas confiáveis ajuda a romper o isolamento imposto pela violência e abre caminhos para soluções.

Buscar ajuda de um profissional pode ser um divisor de águas. A terapia não apenas fortalece a autoestima, mas também auxilia no enfrentamento do medo e da insegurança que muitas vezes acompanham as vítimas de violência. Lembre-se: amar e cuidar de si mesma não é egoísmo, é sobrevivência. Se você sente que algo está errado em sua relação, confie na sua intuição. Priorize sua segurança e seu bem-estar acima de tudo.

Neste 25 de novembro, reafirmemos o compromisso de eliminar a violência contra a mulher, mas também de construir um mundo onde cada mulher se sinta segura, valorizada e respeitada. Afinal, o primeiro passo para acabar com a violência está em acreditar que merecemos muito mais do que apenas sobreviver: merecemos viver plenamente.

Débora Macedo é psicóloga clínica, social, cognitiva e do desenvolvimento, com especialização em psicologia do esporte e neurociência. Atua em questões emocionais como ansiedade e depressão, utilizando estratégias de gerenciamento de estresse e promoção do bem-estar. (CRP: 06/59693-5). É também fundadora e diretora do Instituto Debora Cristina.

Com Assessorias

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