Com 31 anos, mãe de um menino de 12 anos, Alexandra Bilar estava na melhor fase da vida: recém-casada e realizada com a profissão, como relata. Em 2010, sofreu um acidente grave que resultou em queimaduras por todo o corpo, entre as áreas atingidas o rosto, pescoço e mão direita.
Durante o almoço em um restaurante, uma das funcionárias do local foi abastecer o réchaud com álcool ao lado de onde Alexandra estava. Mas a funcionária não percebeu que ainda tinha fogo no réchaud, então houve uma explosão. A garrafa com álcool pegou fogo e, no susto, a funcionária jogou em cima de Alexandra, que sofreu diversas queimaduras. Alexandra ficou internada por 21 dias. Nos últimos 9 anos, ela já fez 35 cirurgias.
Em meio a sua jornada para tratar as graves queimaduras pelo corpo, Alexandra se viu completamente desassistida de informações e acolhimento.
Eu não ouvia falar de pessoas que sobreviveram a acidentes como o meu, apenas das pessoas que morriam. Não tinha ideia de como seria um processo tão longo e doloroso. Foi no Hospital das Clínicas para tratar da cicatrização das lesões que fui acolhida pela mãe de um paciente e percebi que as outras pessoas não queriam conversar sobre o assunto. Percebi então a importância de acolher quem chegava”, conta.
Assim nascia em 2014 a Associação Nacional dos Amigos e Vítimas de Queimadura (Anaviq). “Proporcionamos um importante espaço para troca de experiências, informações e acolhimento das necessidades físicas, emocionais e sociais de quem necessita. Reforçamos às vítimas e seus familiares que elas não estão sozinhas”, conclui Alexandra.
Segundo o Ministério da Saúde, estima-se quocorram cerca de 1 milhão de acidentes com queimaduras por ano no Brasil. Destes, 77% acontecem em ambientes domésticos, com crianças (92%) e idosos (84,4%) sendo os mais vulneráveis. As vítimas desses acidentes enfrentam não apenas dificuldades de recuperação, mas também estigmas e preconceitos sociais devido às suas cicatrizes.
Por isso, a Associação Nacional dos Amigos e Vítimas de Queimadura (ANAVIQ) luta incansavelmente por melhores condições de tratamento e acolhimento para vítimas de queimaduras no Brasil. Através de grupos de apoio, parcerias com profissionais de saúde e ações políticas, a ANAVIQ oferece esperança e transforma a vida de centenas de pessoas.
‘Sofri muito bullying e me senti mal por isso’
Desde que foi idealizada e fundada por Alexandra em 2014, a Anaviq já prestou suporte direto para cerca de 500 pacientes. Uma delas foi a assistente social Ariane Olímpio de Sousa. Ela sofreu uma queimadura com um ano e oito meses de idade e relata que foi apenas na vida adulta, ao encontrar a Anaviq, que encontrou suporte para sua situação.
Durante toda a minha vida, sofri muito bullying e sempre me senti mal com isso. Com apoio da Anaviq, consegui tratamentos para reconstrução de minhas sobrancelhas e lábios que mudaram minha autoestima e autoconfiança”, relata. Ariane foi diretora voluntária por dois mandatos e, hoje, trabalha com Desenvolvimento Humano Organizacional.
Também não foi diferente com Alisson Santos, atual presidente da entidade.
Na Anaviq consegui enxergar uma luz no fim do túnel. O acolhimento me fez encarar de forma otimista o sofrimento causado pela queimadura e principalmente pelas cicatrizes que carregamos, superficialmente no corpo e profundamente na alma. Hoje consigo usar a minha história para me ressignificar e ajudar outras pessoas queimadas a fazerem o mesmo”, afirma.
Segundo ele, com o acolhimento e as trocas de experiências ficou claro que não estava sozinho nesse universo das queimaduras. “De mãos dadas poderíamos lutar por políticas públicas para o tratamento e, principalmente, para a prevenção de queimaduras”, conclui.
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A associação surgiu com os grupos de convivência e posteriormente iniciou ações e envolvimento no cenário político para reinvindicação de direitos dos queimados. Os participantes são encorajados a serem agentes de prevenção social, contando suas histórias e contribuindo para conscientização da prevenção de queimaduras.
Hoje, além dos grupos de convívio, a Anaviq tem como missão apoiar a reivindicação dos direitos de vítimas de queimadura e batalhar no cenário político, legislativo e social por reconhecimento, visibilidade e respeito pela pessoa com sequelas de queimaduras.
As principais ações incluem projetos em parceria com universidades, profissionais da saúde e da estética, viabilizando atendimento gratuitos ou com preço muito reduzido e a mediação dos grupos de troca de experiências e informações.
Atualmente, a entidade conta com mais de 100 membros e diversas empresas apoiadoras como a Mölnlycke, empresa sueca especializada em tratamento de feridas.
Com informações da Mölnlycke