A morte da jovem niteroiense Juliana Marins durante uma trilha no vulcão Rinjani, o segundo vulcão mais alto da Indonésia, gerou comoção e reflexão. Em sua última postagem, Juliana afirmava estar “vivendo um sonho”. Mas o que pode levar alguém a viver tão intensamente — a ponto de ultrapassar os próprios limites?
A tragédia reacendeu um questionamento antigo e inquietante: por que algumas pessoas sentem necessidade de viver perigosamente? O que leva alguém a viver tão no limite?
A psicóloga Danny Silva, especialista em Terapia Sistêmica, aponta que essa busca por adrenalina pode estar ligada a lealdades familiares invisíveis e dores emocionais não resolvidas. Ela analisa o caso sob uma nova perspectiva, revelando que o risco extremo, muitas vezes, é um grito silencioso por pertencimento ou cura emocional.
A especialista propõe uma reflexão que vai além do prazer pela adrenalina. Para ela, em muitos casos, o risco extremo pode ser um sintoma silencioso de lealdades invisíveis e dores transgeracionais.
A psicologia moderna tem buscado compreender esse fenômeno sob diferentes óticas. Já a Terapia Sistêmica oferece uma lente singular, focando nas dinâmicas familiares invisíveis que muitas vezes operam no inconsciente daqueles que se colocam repetidamente em risco”, diz a psicóloga.
Quando a aventura esconde um grito
Para muitos, a busca por adrenalina está associada ao prazer, à conquista, à superação. Mas, segundo a terapeuta Danny Silva, esse comportamento pode também esconder um grito silencioso: o desejo de ser visto, de pertencer, de compensar algo que faltou — ou que feriu demais.
Alguns comportamentos extremos não são aleatórios. Eles seguem uma lógica afetiva invisível, profundamente conectada à história familiar de cada indivíduo”, pontua a psicóloga.
No olhar sistêmico, essas atitudes podem ser reflexo de:
- Lealdades invisíveis a membros da família que foram excluídos ou sofreram;
- Tentativas inconscientes de compensar perdas ou injustiças que marcaram o sistema familiar;
- Inversão de papéis, quando filhos tentam ocupar o lugar dos pais ou “salvar” figuras ancestrais.
‘Estou me arriscando por mim ou por alguém que nunca me viu?’
Essa é a pergunta que a Constelação Familiar — técnica usada na Terapia Sistêmica — propõe. Quando uma pessoa se coloca em risco constante, pode estar tentando honrar destinos trágicos de sua linhagem, reparar uma dor que não é sua ou chamar a atenção de um sistema que a ignorou.
Essas dinâmicas não são conscientes. A pessoa sente o impulso, mas muitas vezes não sabe de onde ele vem. Por isso é tão importante trazer à luz esses movimentos ocultos”, explica Danny Silva.
Escuta, pertencimento e cura
A proposta da abordagem sistêmica não é rotular nem julgar — mas compreender o que move as escolhas. Por meio das constelações familiares, é possível revelar exclusões, inverter papéis e identificar padrões que se repetem geração após geração.
Segundo Danny, o objetivo não é apagar o espírito aventureiro, mas sim resgatar formas saudáveis e conscientes de viver com intensidade. “Quando o risco deixa de ser fuga e passa a ser escolha, a vida ganha outro significado”, reforça.
Talvez, em vez de perguntar apenas “por que você se arrisca tanto?”, a questão mais honesta seja: “de quem você sente falta? Para quem você está tentando provar que é forte?” Para a psicóloga, não existe comportamento sem contexto. E, quando esse contexto é revelado, inicia-se um caminho possível de cura.
Prefeitura de Niterói dará nome de Juliana Marins ao Mirante da Praia do Sossego
O Mirante e a trilha da Praia do Sossego, em Niterói, serão batizados com o nome de Juliana, em homenagem à sua memória e ao amor que ela tinha pelo local. O anúncio foi feito pelo prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, que recebeu na tarde desta quinta-feira (26) a família e amigos da jovem moradora da cidade que faleceu tragicamente na Indonésia. A irmã de Juliana, Mariana Marins, agradeceu o acolhimento da Prefeitura e destacou a importância do gesto simbólico da homenagem no Mirante e na trilha.
A Praia do Sossego era um dos lugares preferidos da minha irmã. Foi ela quem me apresentou àquele paraíso e vivemos momentos especiais ali, junto com amigas. Em meio a tanta dor e a tantas notícias falsas que circularam nos últimos dias, encontrar o apoio da Prefeitura de Niterói e do prefeito, que acreditou na nossa palavra desde o início, foi fundamental”, declarou Mariana.
Muito emocionada, a mãe de Juliana também expressou gratidão. “O que estamos vivendo é devastador, mas nos conforta saber que Juliana vai voltar para casa. Esse apoio tem feito toda a diferença”, disse Estela Marins.
O prefeito Rodrigo Neves destacou que a cidade de Niterói está de luto e que a homenagem no Mirante e na trilha da Praia do Sossego será uma forma de eternizar o legado de Juliana em um local que ela amava.
Juliana era uma jovem cheia de vida, apaixonada pelo mar e pela natureza da nossa cidade. Vamos seguir dando todo o apoio necessário para a família nesse momento difícil. A decisão de batizar o mirante e a trilha com seu nome é uma forma de manter viva sua memória em um lugar que ela tanto amava”, afirmou o prefeito.
A Prefeitura de Niterói decretou luto oficial de três dias e custeará, com recursos próprios, o translado do corpo de Juliana de volta ao Brasil. A cerimônia de nomeação do Mirante e da trilha será organizada nos próximos dias, em diálogo com a família.
A recente tragédia envolvendo
Tempo de morte contestável: perita aponta limitações na autópsia de Juliana Marins
“Essa estimativa de 20 minutos não pode ser considerada definitiva”
Nesta sexta-feira (27/06), autoridades da Indonésia divulgaram os resultados da autópsia da brasileira Juliana Marins, que faleceu após cair enquanto escalava o Monte Rinjani. O laudo aponta que Juliana teria morrido cerca de 20 minutos após sofrer ferimentos traumáticos, tempo contestado por uma perita que atuou na Polícia Científica do Paraná, em razão das limitações periciais na determinação do tempo de morte.
De acordo com a médica Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, essa estimativa de 20 minutos não pode ser considerada definitiva, pois envolve diversas variáveis que extrapolam os achados anatomopatológicos.
As imagens de drone divulgadas mostram que Juliana ainda apresentava movimentação corporal e estava sentada após a primeira queda, o que indica que houve sobrevida após o evento inicial. Além disso, há indícios de que a vítima tenha sofrido várias quedas, o que impede a diferenciação precisa entre os ferimentos causados em cada uma delas”.
Segundo a especialista, atribuir o tempo de morte a partir de um único ferimento ou da ausência de determinadas lesões, como hérnia cerebral, pode induzir a erro. “A cronotanatognose, estudo do tempo de morte, é um campo com margem de incerteza significativa, especialmente em cenários extremos como este”, afirma a perita.
Outro ponto importante destacado é o efeito da hipotermia, que não pode ser descartado como fator concorrente. “A hipotermia pode não apresentar sinais externos evidentes, como necrose em extremidades, especialmente se o corpo evoluiu rapidamente para o óbito ou se foi protegido parcialmente por roupas ou abrigo”, explica a médica.
Além disso, o corpo foi localizado quatro dias após a queda, em uma região de difícil acesso e baixa temperatura, mas que, paradoxalmente, já apresentava sinais de decomposição mesmo com as condições ambientais de altitude e frio, o que compromete a interpretação de alguns achados na necropsia”, enfatiza.
Daitx reforça que é preciso cautela ao interpretar dados periciais em público. “A família tem direito à busca por esclarecimentos, mas as conclusões devem respeitar os limites científicos e as variáveis complexas envolvidas em casos de morte em ambiente natural hostil”, conclui.
Guia abandonou a trilha: é crime? E se for fora do Brasil?
Caso levanta discussão sobre responsabilidade penal e civil de guias turísticos em atividades de risco
A morte da brasileira Juliana Marins durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia, reacendeu um debate fundamental: pode um guia turístico ser responsabilizado criminalmente por abandonar um viajante em situação de risco? A depender das circunstâncias, a resposta é sim — inclusive fora do Brasil.
A queda de aproximadamente 600 metros aconteceu no último sábado (20), e o corpo da jovem foi localizado apenas quatro dias depois com auxílio de drones térmicos utilizados pelas equipes de resgate locais. O episódio trágico levantou questionamentos sobre a conduta dos profissionais responsáveis por esse tipo de atividade, principalmente em experiências que envolvem risco físico elevado.
Segundo o advogado criminalista Vinícios Michael Cardozo, especialista em Ciências Criminais e sócio do GMP Advogados & Associados, situações como essa podem configurar o chamado crime por omissão imprópria, com base na figura da “posição de garante”.
Nem todo guia turístico ocupa essa posição. Mas em atividades de risco concreto, como trilhas noturnas em áreas remotas, o guia assume o dever de agir para proteger os participantes. Se ele abandona alguém em vulnerabilidade, pode sim responder criminalmente”, explica.
Nesses casos, a omissão pode configurar homicídio culposo, previsto no artigo 121, §3º do Código Penal Brasileiro. “Contudo, é preciso cautela: o Direito Penal exige nexo de causalidade. É necessário demonstrar que a omissão do guia contribuiu diretamente para o desfecho fatal”, ressalta o especialista.
E quando o caso acontece fora do país?
Por ter ocorrido na Indonésia, a responsabilização penal está, em regra, sob jurisdição local. “A princípio, o caso deve ser apurado e julgado pela Justiça da Indonésia. A legislação brasileira só se aplica em situações muito específicas, previstas no artigo 7º do Código Penal, como quando a vítima é brasileira, o autor está em território nacional e o crime é punível nos dois países”, aponta Cardozo.
No campo cível, no entanto, há mais caminhos. Se o serviço turístico foi contratado por meio de uma agência ou operadora brasileira, pode haver responsabilização solidária. “Se for comprovado que houve falha na escolha do prestador estrangeiro ou negligência na prestação do serviço, a empresa brasileira pode responder por danos morais e materiais no Brasil”, explica o advogado.
Além das responsabilidades jurídicas, o especialista reforça o papel institucional do Estado brasileiro. “Cabe ao Itamaraty garantir comunicação com os familiares, exigir investigações adequadas e prestar assistência consular desde o início. Em tragédias internacionais, o apoio jurídico e diplomático é indispensável”, conclui.
Com Assessorias