“Acho muito importante as pessoas saberem que a bolsa de estomia é algo que realmente traz vida. Se não fosse por ela, eu jamais seria eu mesmo.” A afirmação é de Michel Romão, um homem trans de 24 anos, que mora em Americana, cidade do interior de São Paulo, e estuda Medicina.
Diagnosticado aos 15 com a doença de Crohn, uma doença inflamatória intestinal crônica, o universitário conta que começou um difícil e longo processo de tratamento em meio à descoberta de sua verdadeira identidade e ao processo de transição de gênero.
“Eu acordei num domingo com muita cólica e diarreia com sangue. Como sempre fui muito saudável, fiquei assustado e busquei ajuda no pronto socorro da cidade. Lá, fizeram exames e acharam que fosse uma infecção provocada por algo que eu havia comido. No entanto, mesmo com as medicações eu não melhorava”, relata
Foram cinco meses de idas e vindas ao pronto socorro até uma das médicas encaminhar Michel para a realização de uma colonoscopia, para investigar por que ele não melhorava. No exame foi detectada uma colite, que é uma inflamação do revestimento interno do cólon (intestino grosso).
Ele iniciou o tratamento, mas, apesar de alguns sintomas terem desaparecido, a dor e o desconforto abdominais permaneciam.
“No período de um ano, passei por várias internações por causa das intensas crises de dor. Em uma destas internações, um dos médicos suspeitou que eu poderia estar com doença de Crohn. Ele pediu exames específicos de detecção e não só confirmou o diagnóstico, como também constatou a necessidade de uma cirurgia”, relembra o jovem.
Entretanto, em vez de ser operado, Michel foi transferido para um hospital universitário em Campinas, também no interior de São Paulo, onde havia especialistas no tratamento da doença de Crohn. Porém, ele permanecia tendo altos e baixos, passando por internações recorrentes que o deixaram bastante debilitado.
A primeira estomia
Foi quando ele decidiu voltar a Americana e buscar uma segunda opinião médica. Michel consultou o médico indicado por uma amiga e, ao realizar os exames solicitados por ele, foi constatada a necessidade de realizar uma ileostomia temporária.
Trata-se de um procedimento cirúrgico onde é feita uma abertura no abdome, na altura dos intestinos, para ser colocada uma bolsa coletora de fezes e urina (bolsa de ileostomia).
“No início correu tudo muito bem. Voltei a estudar, a sair com amigos, a ter uma vida social que não era possível em função das crises. Porém, após cirurgia de reversão da ileostomia, surgiu uma hérnia que me obrigou a ser submetido a uma terceira cirurgia para remoção desta hérnia. E foi terrível, porque voltei da anestesia com vômitos e muita dor. Foi quando o meu médico percebeu que eu estava quase entrando em choque, e fui encaminhado novamente ao centro cirúrgico”, relembra o jovem influencer.
Ele foi submetido a uma cirurgia de emergência, a quarta até aquele momento. Depois de três dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em coma induzido, ele foi para o quarto. Porém, a alta tão sonhada demorou a acontecer, porque isso aconteceu exatamente quando a pandemia de Covid-19 estava no seu auge aqui no Brasil.
“Entre 2019 e 2021, passei por 11 cirurgias, desde a colocação, reversão, recolocação da bolsa, reparação de hérnia, fístula. Na penúltima cirurgia, mesmo com a bolsa, eu continuava a ter muita secreção ao ponto de precisar usar fraldas. Foi quando meu médico optou pela proctocolectomia total, que é a retirada dos ânus, do reto e de todo o intestino”, relata Michel Romão.
Foram mais cinco dias de UTI e mais sete no quarto até a alta hospitalar acontecer. Porém, Michel conta que se passaram dois anos até que a última cirurgia ficasse totalmente cicatrizada e ele, finalmente, pudesse voltar a ter uma rotina de vida com qualidade.
“A partir daí eu não precisei mais tomar medicações e passei a ter uma vida normal. A estomia e o uso da bolsa me trouxe a vida porque me permite fazer coisas que todo jovem faz. Foi quando também iniciei a minha transição”, revela.
O divisor de águas
Michel conta que seu caso foi muito raro, exatamente porque ele era muito jovem quando a doença de Crohn foi diagnosticada e começou a passar por cirurgias. Além disso, a adaptação com a bolsa de estomia não foi um processo simples, pois sua pele sempre foi muito sensível.
“Eu tive muitas alergias e até feridas por conta do material da bolsa que eu usava. Mas durante uma de minhas internações, recebi a visita da estomaterapeuta, que foi um verdadeiro divisor de águas porque me trouxe esperança e qualidade de vida”, relata.
O jovem passou a receber suporte da consultora do programa Coloplast Ativa, além de produtos adequados para o seu tipo de pele e de estoma. O programa oferece suporte gratuito e humanizado a pessoas que utilizam bolsas coletoras para fezes e urina e cateteres urinários.
“Passei a usar uma bolsa que se ajusta ao biotipo do meu estoma. E isso me deu mais autonomia e confiança para viver como qualquer jovem da minha idade. Depois disso, prestei vestibular e fui aprovado em Medicina, e dei início ao meu processo de transição”, finaliza o estudante, que no Instagram e atua como “embaixador” da Coloplast.
Leia mais
Doença de Crohn: diagnóstico pode levar mais de 5 anos
Diferenças entre a Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa
90% das pessoas com problemas intestinais não procuram médico
Famosos que foram ostomizados e pouca gente sabe
Mais de 15 mil brasileiros utilizam uma bolsa para coleta de fezes e por motivos diversos
Ao revelar nas redes sociais sua rotina diária com uso da bolsa de estomia, Michel Romão se junta a personalidades como a apresentadora Ana Maria Braga; o ator e empresário Luciano Szafir; a cantora Preta Gil e a jovem influenciadora Lorena Eltz, que também já compartilharam a mesma experiência. Todos eles passaram pela ostomia, intervenção cirúrgica que faz uma abertura na região do abdômen para a saída de fezes ou urina e também auxilia na respiração ou na alimentação.
A estimativa é que 120 mil brasileiros já convivem com uma ostomia e cerca de 15 mil passam pelo procedimento todo ano. As causas são inúmeras, desde motivadas pelas consequências da Covid-19, como câncer colorretal, acidentes com perfurações abdominais, lesões no reto, doença de Crohn, entre outras.
Luciano Szafir passou pelo procedimento após ter Covid-19 e passar por 32 dias de internação, intubação e duas cirurgias. Ele chegou a desfilar na Fashion Week com o acessório, ajudando a desmistificar o uso da bolsa de estomia.
Já Ana Maria fez a ostomia após uma cirurgia na vesícula e utilizou a bolsa coletora por um curto período de tempo. A cantora Preta Gil usou por mês meses no ano passado uma bolsa de ileostomia, que auxiliou no funcionamento do seu sistema gastrointestinal durante o tratamento do câncer de reto. Ela sofreu críticas nas redes sociais por exibir a bolsa.
No caso da apresentadora, do ator e da cantora, a condição foi temporária, mas em muitos casos é um procedimento para o resto da vida. É o caso da influenciadora Lorena Eltz (foto), que expõe no Instagram a rotina com a bolsa de ileostomia (a dela é localizada no íleo – parte do intestino delgado, e não no cólon, mais comum), contribuindo para desmistificar o tema.
Ainda é um tabu falar sobre o procedimento que garante a comunicação entre órgãos internos e o meio externo no processo de expelir fezes, urina e secreções que ficam em uma bolsa coletora. A vida com o acessório exige alguns cuidados especiais, como a administração da higiene e, principalmente, os fatores psicológicos da adaptação à ostomização.
‘Aumento da doença de Crohn em adultos jovens é preocupante’
De origem desconhecida, a doença de Crohn (DC) pertence ao grupo das Doenças Inflamatórias Intestinais (DII). Trata-se de uma inflamação que pode ocorrer em qualquer segmento do trato gastrointestinal, sendo mais comum no final do intestino delgado (íleo terminal) e cólon direito, podendo apresentar-se na forma inflamatória, fistulante e fribroestenosante.
Segundo o grupo de estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB – CE), há um aumento um aumento preocupante nas taxas de prevalência e incidência das DIIs no país, “sendo que em alguns estados brasileiros as mesmas já se equiparam às taxas de países desenvolvidos”.
No caso da doença de Crohn, em países desenvolvidos, a prevalência é de 50 casos para cada 100 mil habitantes, já a incidência (apenas casos novos) é de 5 novos casos a cada 100 mil habitantes. Na cidade de São Paulo, estima-se que a cada 100 mil habitantes cerca de 14,8 tenham DC.
“Este aumento da incidência de Crohn é preocupante, porque esta condição acomete adultos jovens e em idade produtiva, como é o caso do Michel”, explica Alexandre Nishimura, médico coloproctologista do Hospital Nova Star (SP) e membro titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP).
Além de poder comprometer a realização das atividades diárias, o Crohn exige um tratamento contínuo que inclui o uso de medicações específicas, a realização de exames periódicos, consultas médicas frequentes, internações e, às vezes, até cirurgias.
“Isso pode gerar a necessidade do uso de dispositivos, temporários ou permanentes, como a bolsa de estomia e seus adjuvantes, recursos aos quais nem todos os brasileiros têm acesso ainda”, afirma o médico.
Leia ainda
Como é a relação sexual usando uma bolsa de estomia?
Luciano Szafir desfila com bolsa de estomia na Fashion Week
Os desafios emocionais e sociais de lidar com a bolsa de colostomia
Produtos e serviços para ostomizados
O mercado brasileiro já dispõe de produtos para ostomizados, como os diversos modelos de bolsas produzidas pela Coloplast, que desenvolve produtos e serviços para pessoas com necessidades íntimas de saúde. A empresa mantém o Programa Coloplast Ativa, presente em 140 países e lançado em 2002 no Brasil. O serviço conta com uma central de atendimento (0800 285 8687) composta por enfermeiros estomaterapeutas, psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas, além de visitas residenciais para atendimento personalizado aos cadastrados no programa.
Outra novidade é o gelificador desenvolvido pela Vuelo Pharma, uma cápsula gelatinosa para ser inserida no interior da bolsa e que ao entrar em contato com os líquidos consegue gelificá-los. Assim, solidifica as fezes armazenadas pela bolsa de ostomia, facilitando a limpeza e evitando vazamentos, dando mais autonomia na hora da higiene. O produto possui essência de lavanda, o que evita possíveis odores indesejados e contribui para o bem-estar do usuário.
Com informações da Coloplast e Vuelo Pharma
[…] ‘A bolsa de estomia me trouxe a vida de volta’, afirma jovem trans […]