Toda criança tem prioridade absoluta na garantia de seus direitos, segundo a Constituição Federal. Nessa fase da vida, ela deve desenvolver suas habilidades, por meio do vínculo com a família e do seu apoio, por meio dos estudos e com a convivência com seus amigos e colegas e por meio do brincar. No entanto, esta não é a realidade para quase 2 milhões de brasileiros.

A proibição do trabalho infantil no Brasil pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) entrou em vigor em 2002. Mas dados de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o trabalho infantil, que estava em queda no paísaumentou de 2019 a 2022, chegando a 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho. As áreas de maior atuação são a agricultura, pecuária, construção civil e comércio.

Nesta quarta-feira (12) é celebrado o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, data instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) para alertar a sociedade e os diferentes núcleos do governo sobre essa realidade que perdura até os dias atuais. O objetivo é mobilizar a população para a proteção da criança e adolescente e combate às violações de direitos, além de informar e sensibilizar sobre o tema.

Evasão escolar cresce já nos anos finais do Ensino Fundamental

A exploração do trabalho infantil interfere negativamente no ciclo de desenvolvimento da criança. De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), existem três principais motivos para isso: condições físicas (fadiga, problemas respiratórios, lesões na coluna, alergia), psicológicas (abusos físicos, sexuais, emocionais e morais) e educacionais (baixo rendimento escolar, abandono da escola).

O trabalho infantil é uma das principais causas da evasão escolar. Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), a necessidade de trabalhar é o principal fator que leva o estudante a sair da escola, com 41,7% das respostas. A falta de interesse é o segundo maior empecilho, registrando 23,5%, e a gravidez é o terceiro, com 9,7%.

A pesquisa chama atenção para a desistência precoce, na idade dos anos finais do Ensino Fundamental, com uma taxa de 6,2% até os 13 anos e 6,6% aos 14 anos. Além disso, revela que nove milhões de jovens, entre 14 e 29 anos, não completaram o Ensino Médio, seja por terem abandonado a escola antes da conclusão ou por nunca terem frequentado. O maior índice de evasão ocorre a partir dos 16 anos, entre 16% e 21,1%.

Para Sônia Dias, gerente de Desenvolvimento e Soluções do Itaú Social e doutora em Educação pela USP (Universidade de São Paulo), o programa Pé-de-Meia, do MEC (Ministério da Educação), que oferece um incentivo financeiro para estudantes do Ensino Médio, pode ser encarado como uma das soluções para frear a evasão escolar.

“Porém, também é preciso olhar com atenção para as altas taxas de desistência ainda nos Anos Finais do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º ano) e oferecer soluções para garantir a permanência deste estudante que está na fase de transição da infância à adolescência”, analisa.

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O brincar previne o trabalho infantil

Atualmente, são mais de 20 milhões de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade no país, de acordo com o IBGE. Mais do que atuar no combate ao trabalho infantil, há a necessidade de atuação de forma preventiva, e isso começa desde os anos iniciais da vida, que contemplam a fase do brincar. O brincar é um direito de todas as crianças, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Na véspera do Dia de Combate ao Trabalho Infantil, será comemorado pela primeira vez o Dia Mundial do Brincar, em 11 de junho, estabelecido em março de 2024 pela Organização das Nações Unidas (ONU). A data busca destacar a importância do brincar para o desenvolvimento das crianças.

O brincar é a linguagem da criança e é extremamente prazeroso. Não existe aprendizagem sem ser de forma lúdica ou se não houver afeto. Um exemplo é quando você apresenta um jogo de amarelinha para que a criança brinque. Ela constrói um caminho neural próprio só para aquela brincadeira e que ela irá usar em desafios durante sua vida”, explica o médico Ailton Cezário Alves Júnior.

Mestre e doutor em saúde da criança e do adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG, ele falou durante o webinar Riscos do excesso de telas e do ambiente virtual para crianças e adolescentes sem supervisão”, promovido pelo ChildFund Brasil. “Nós adultos, quando temos que enfrentar alguma situação ou desafio, buscamos nos nossos caminhos neurais algum aprendizado, para que possamos solucionar ou vivenciar tal momento”, disse.

O ChildFund Brasil, organização que atua na promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente há 57 anos no país, busca oferecer oportunidades de desenvolvimento para crianças e adolescentes, pois essa é uma das maneiras de combater o trabalho infantil.

Em 2023, as ações da organização impactaram a vida de mais de 150 mil pessoas, sendo mais de 73 mil crianças, adolescentes e jovens, residentes em áreas de alta vulnerabilidade social, onde as famílias, geralmente, colocam os filhos para trabalhar como forma de aumentar a renda.

Criar oportunidades para crianças, adolescentes e jovens é uma forma de acabar com o ciclo do trabalho infantil que, por muitas vezes, está na família há algum tempo”, destaca Maurício Cunha, diretor de país do ChildFund Brasil.

‘Trabalho infantil ilegal é uma das mazelas da vida nacional’

Um dos coautores do anteprojeto que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o professor Paulo Afonso Garrido de Paula diz que o trabalho infantil ilegal, fora das condições permitidas, “continua sendo uma das maiores mazelas da vida nacional, representando a erradicação do trabalho infantil tarefa devida pela cidadania responsável do país”

Em seu novo livro, Curso de Direito da Criança e do Adolescente, lançado dia 14 de junho na Livraria Martins Fontes, em São Paulo, ele diz que “a história da civilização se confunde com a utilização e exploração da mão de obra infantojuvenil, sendo essa constatação atestada por uma lenta evolução de regras de proteção especial, inseridas no âmago de diplomas legais que trataram da relação capital-trabalho”.

Garrido é procurador de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, atuando, dentre outras, em ações coletivas da área da infância e da juventude. O livro Curso de Direito da Criança e do Adolescente consiste na compreensão da proteção integral, em qualquer circunstância, da criança ou do adolescente de se apropriar dos direitos fundamentais inerentes a qualquer pessoa, bem como de outros, derivados da condição, em processo de desenvolvimento.

A obra do mestre em Direito das Relações Sociais nasce da experiência de docência de Paulo Afonso Garrido de Paula e é definida pelas aspirações da formação básica e da necessidade de atualização, objetivando a transmissão de saberes e capacitações permissivas de uma atuação especializada, que concorde com as peculiaridades das relações jurídicas das quais participam crianças e adolescentes.

 

Conheça mais dados sobre evasão escolar x trabalho infantil

  • A crise sanitária, aliada aos episódios de racismo no ambiente escolar, fizeram com que estudantes negros trocassem a escola pelo trabalho;
  • *fonte: artigo “O ensino médio na Amazônia “negra”
  • Na região Norte do país, que têm baixos índices de desenvolvimento humano, a inserção precoce no mercado de trabalho para estudantes negros se tornou comum;
  • *fonte: artigo “O ensino médio na Amazônia “negra”
  • No Brasil, havia 1,9 milhão de crianças e adolescentes entre 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil no país em 2022. Isso representa 4,9% da população nessa faixa etária;
  • *fonte: PNAD Contínua 2022
  • Neste período, 756 mil crianças e adolescentes exerciam atividades da Lista TIP, que considera as formas de trabalho infantil que mais causam prejuízos ao desenvolvimento infantil.
  • *fonte: PNAD Contínua 2022

Com Assessorias

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