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O aparentemente incurável preconceito em torno da orientação sexual alheia ainda assombra muita gente e permeia sessões de terapia. Não à toa a recente liminar da Justiça Federal do Distrito Federal,  que permite a psicólogos tratarem gays e lésbicas como doentes, reabre a ferida e causa polêmica nas redes sociais. Afinal, homossexualismo pode ser tratado como doença? Em meio à polêmica em torno da chamada ‘cura gay’, Vida & Ação ouviu especialistas. Queremos saber como ocorre a demanda por pessoas que recorrem à terapia em busca de tentar resolver sua identidade sexual. Seja ela espontânea ou compulsoriamente, por imposição, muitas vezes, da própria família.

Nos consultórios de psicólogos, psiquiatras e psicanalistas a procura pela discutível ‘cura gay’ ainda é uma realidade. De acordo com o psiquiatra Jorge Jaber, muitos pais procuram ajuda no consultório quando o jovem ou adolescente está confuso com sua sexualidade. O que os pais desejam é que os jovens se definam, mas pela heterossexualidade. Segundo ele, muitas são meninas, um fenômeno mais recente.

“Pais insatisfeitos com a opção sexual dos filhos buscam consultórios de psiquiatria e psicologia, com razoável frequência. Procuram combater a manifestação homossexual e, também, heterossexual, principalmente, nestas últimas, de jovens do sexo feminino”, comenta. Ele concorda que é preconceito atribuir a homossexualidade a uma doença. “O que merece tratamento é melhorar a ansiedade da pessoa que está confusa. Ela precisa ficar menos ansiosa. Não existe uma indução do profissional para que se defina pela hetero ou homossexualidade. É com a qual o paciente se sente identificado que o profissional vai ajudar”, afirma.

Em nota, o Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro-SBPRJ repudiou veementemente a decisão da Justiça Federal de conceder a liminar. O órgão diz que isso contraria “o ideário que rege o Conselho Federal de Psicologia, o atendimento psicológico a homossexuais com a finalidade de reversão sexual ou, em linguagem popular, ‘cura gay'”. “Em consonância com a Organização Mundial de Saúde, não consideramos a homossexualidade uma doença a ser curada, não cabendo ao Estado qualquer interferência”, destacou.

Questões existenciais e também de gênero

Para a psicóloga Raquel Staerke, coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário Celso Lisboa (RJ), a procura, na verdade, é por parte de “pessoas sofrendo por questões existenciais, mesmo que ligadas ao gênero sexual”. Ela se recorda apenas de um caso de um adolescente que a procurou por uma condição da família. “Ao descobrir sua existência sexual, ele apresentou muita resistência. Digo existência sexual por entender que essa é uma condição psicológica humana e não uma estranheza”, afirma.

Ela também critica a decisão judicial que oficializa a polêmica ‘cura gay’. Segundo Raquel, “reduzir sexualidade à doença é no mínimo um retrocesso na capacidade humana de compreensão a respeito de mudanças no processo civilizatório e das novas configurações sociais”. E mais: “conflitos sempre existiram e o que é necessário é respeitar qualquer pessoa em sofrimento”. A psicóloga explica que a tendência social atual é a mesma de sempre: lidar com diferenças pode ser algo natural e tranquilo ou não.
“Sempre haverá resistências àqueles considerados fora dos padrões. O gordo, o míope severo, o muito magro, o baixo, o muito alto, e por aí vai. No entanto é importante ressaltar que uma pessoa sofre por atravessamentos sócio históricos e institucionais. O homem em sociedade organizada fica envolvido com tudo aquilo que representa padrão. A sexualidade em sua expressão diversa, reflete o desenho sócio histórico que contextualizado o sujeito”, raciocina.

Transtorno de Identidade de Gênero

Embora os profissionais rechacem o termo “cura gay”, na prática dos consultórios, já existem especialistas em tratar o transtorno de identidade de gênero. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) do Paraná, é quando uma pessoa que não se identifica com o sexo que nasceu enfrenta um processo de grande angústia, ansiedade e frustração, até que receba um acompanhamento adequado. O objetivo, nestes casos, é promover uma melhor aceitação pessoal, o que pode contribuir para reduzir o risco de suicídio, que chega a 50% dos pacientes.

Em artigo na internet, o endocrinologista Emerson Cestari Marino, membro da Sbem-PR, lembra que o tratamento é multidisciplinar, envolvendo principalmente psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, endocrinologistas, ginecologistas e urologistas. É feita uma abordagem geral do paciente, desde o aspecto psicológico ao tratamento de comorbidades comuns e tratamento hormonal. Os principais desafios, segundo ele, são fazer o diagnóstico correto da situação do indivíduo que busca o atendimento, indicar a terapia e medicamentos corretos. “Agir na prevenção de complicações, atentar aos efeitos colaterais de medicamentos, auxiliar na aceitação pessoal, identificar quadros psiquiátricos, principalmente depressivos e risco de suicídio são outros objetivos.

Retrocesso e perda de dinheiro: decisão pode agravar homofobia
Para especialistas em Diversidade, a decisão judicial sobre a suposta ‘cura gay’ reforça um problema social. E isso pode se agravar num país ainda considerado, majoritariamente, homofóbico, apesar de tantos avanços. “Num país em que pelo menos 20 milhões de pessoas seriam gays ou lésbicas, essa decisão é no mínimo desastrosa”, afirma Liliane Rocha, especialista em diversidade há 13 anos pela Gestao Kariós.
Ela ainda analisa os impactos que esta jurisprudência pode causar no ambiente empresarial. Além do retrocesso, a decisão da Justiça pode representar perda de dinheiro, uma das diversas questões que envolvem o tema. Liliane acredita que a medida pode impactar a economia e as empresas, que hoje têm em seus quadros funcionais profissionais diversos.

A especialista vai além e traça um cenário que muitos repetiram nesses últimos dias nas redes sociais. “Já imaginaram se todos os funcionários gays e lésbicas decidissem ‘usar’ essa decisão como forma de pedir licença médica, se afastar para realizar tratamentos médicos? Será que as empresas e economia brasileira estão preparadas para a pandemia que isso pode representar?”, questiona.

Violência x direitos conquistados x direitos desrespeitados

Autora do livro ‘Como ser um líder Inclusivo’, Liliane destaca a importância de as empresas criarem uma gestão voltada para a diversidade. Ela lembra dados brasileiros assustadores: o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para a diversidade sexual. Um homossexual é assassinado a cada 28 horas e estamos no topo do ranking do assassinato de transexuais.

Apesar disso, Liliane reconhece avanços, como em 2013, com a aprovação da união estável entre casais do mesmo sexo. Mais recentemente, teve a constituição dos 10 compromissos das empresas com as causas LGBT. Outra conquista foi a aprovação, pelo Congresso, da definição de família como duas pessoas.

Em 2016, de acordo com o IBGE, o número de casamentos gays cresceu cinco vezes mais que entre homem e mulher. “Nesta gangorra entre direitos e violações, quem continua a sofrer é a população LGBT+ do país. São  considerados cidadãos no exercício de deveres, mas não cidadãos no atendimento a seus direitos”, critica.

 

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