A promotora de Justiça Letícia Lemgruber tem como um dos temas e lutas de sua vida as doenças raras. Seu filho Rafael, de 13 anos, tem fibrose cística, uma doença genética rara que consiste no mau funcionamento das glândulas exócrinas, que produzem secreções. A enfermidade afeta os órgãos reprodutores, pâncreas, fígado, intestino e pulmões. Letícia hoje é presidente da Associação de Fibrose Cística do Espírito Santo e também presta consultoria à Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose (Abram).

Cerca de 70 mil pessoas no mundo vivem com fibrose cística, também conhecida como Mucoviscidose ou Doença do Beijo Salgado, de acordo com a Cystic Fibrosis Foundation. No Brasil, são 5,7 mil diagnosticados em tratamento no Registro Brasileiro de Fibrose Cística (Rebrafc) em 2019, último levantamento realizado pelo Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC).

O estudo Fibrose Cística: Um Retrato Brasileiro, realizado pela Unidos pela Vida, organização dedicada a pacientes com a condição, e divulgado em 2021, aponta que 40% do público com a doença não foram diagnosticados logo ao nascer, e 13% tiveram que esperar pelo menos 10 anos pela confirmação.

Pacientes com fibrose cística lutam por medicamentos no SUS

Um dos obstáculos para pacientes de doenças raras é conseguir as chamadas drogas órfãs, ou seja, medicamentos para seu tratamento, que ganharam esse nome por serem produzidas por big pharmas e por seu alto valor, o que implica dificuldade para obter pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e a necessidade de se recorrer à judicialização. Como exemplo de lentidão, no acesso a medicamentos, Letícia menciona o ivacaftor.

Em dezembro de 2020 a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) fez uma recomendação para que o medicamento passasse a ser oferecido, pelo SUS, ao tratamento de pacientes com a fibrose cística. Somente em outubro de 2022, conforme relata a representante da associação, é que pacientes com o diagnóstico da doença poderão ter a medicação gratuitamente, pela rede pública.

“Ou seja, demora muito até chegar à mão do paciente. E é exatamente porque essas etapas acabam tendo uma velocidade incompatível com a progressão da doença, especialmente das doenças raras, que o paciente não tem outro caminho para acessar a medicação que não o Judiciário”, diz a mãe de Rafael.

Segundo Letícia, a primeira barreira é o tempo dessas etapas. A segunda é a exigência de registro na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que permite o acesso pelo SUS. “Se o laboratório não pede o registro, ele nunca vai acessar por meio do SUS, só judicialmente. E a terceira barreira é o preço. Aí que vem a nossa briga”, acrescenta.

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A importância do atendimento multidisciplinar

A gastroenterologista pediátrica Andyara Cecílio Brandão, que atende muitos pacientes com fibrose cística em seu consultório na Bela Infância Clínica Pediátrica, do Órion Complex, em Goiânia, afirma que o tratamento é caro, mas que a maioria das medicações é fornecida gratuitamente pelo SUS, em unidades especializadas na dispensação de medicações de alto custo, ou sob judicialização.

O tratamento consiste no uso de diversas medicações para melhorar a digestão, minimizar lesão no fígado e via biliar, broncodilatadores, mucolíticos, melhorar o muco da via aérea, além de possíveis antibióticos e por vezes corticoides. Ela explica também que o tratamento deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar especializada em fibrose cística, composta por pneumologista, gastroenterologista, fisioterapeuta, psicólogo e nutricionista.

“A fisioterapia respiratória é crucial para qualidade de vida e redução das infecções. Já o suporte nutricional impacta na sobrevida e progressão da doença. O mais importante é entender que o acompanhamento interdisciplinar envolvendo uma equipe treinada e especializada permitirá intervenções mais precisas e precoces, as quais impactarão diretamente na evolução da doença e na qualidade de vida do paciente”, destaca.

Ainda segundo a gastropediatra, a convivência com a fibrose cística ao longo da vida varia de acordo com a apresentação da doença na pessoa. “Temos desde pacientes com formas leves e uma vida praticamente normal, a pacientes com mutações mais graves e intercorrências mais frequentes e de maior gravidade”.

Doença rara, complexa e potencialmente letal

As manifestações clínicas resultam da disfunção de uma proteína denominada cystic fibrosis transmembrane condutance regulator (CFTR). Basicamente, o “defeito” genético presente faz com que toda a secreção do organismo seja mais espessa que o normal, dificultando sua eliminação. A patologia, considerada complexa e potencialmente letal, atinge os sistemas respiratório, digestivo, hepático e genitourinário.

A médica explica que há muitas informações em relação ao que afeta o pulmão, contudo, na área gastroenterológica a doença também tem consequências. Por causa do espessamento das secreções pancreáticas, existe uma digestão inadequada dos alimentos, causando dificuldade no ganho de peso.

“O espessamento da bile impede a digestão adequada de gorduras, também importantíssima para o ganho de peso adequado, além de causar uma diarreia gordurosa recorrente (fezes que boiam e brilham no vaso). E essa mesma bile espessa pode lesar a vesícula e a via biliar causando cálculos (litíase biliar) e doença hepática progressiva”, detalha a médica.

Diagnóstico precoce é fundamental

A forma mais comum de detectar a enfermidade é por meio do teste do pezinho, que é feito logo nos primeiros dias de vida da criança.  “Faça o teste do pezinho em seu bebê. E mesmo com resultado normal, observe atentamente seu bebê, mantendo o acompanhamento com o pediatra. Será essencial suspeitar precocemente de fibrose cística”, alerta a especialista.

Porém, alguns casos acabam passando despercebidos. Por isso, Andyara chama a atenção para os sintomas da doença.

“Os pais devem estar atentos, pois a criança pode apresentar ganho de peso insuficiente, diarreia crônica (mais de 60 dias ou recorrente), tosse crônica, pneumonias de repetição no primeiro ano de vida, sinusites recorrente, suor muito salgado ou gordura visível nas fezes como um brilho (esteatorreia)”, descreve.

A especialista busca ainda tranquilizar os pais em relação à enfermidade.

“Caso seu filho ou filha tenha recebido o diagnóstico recente de fibrose cística, procure um serviço com profissionais capacitados e especializados. Não é o fim, mas apenas o início de uma caminhada e sua família não está sozinha. Forme uma rede de apoio fortalecida a sua volta, leia sobre a doença em fontes confiáveis, una-se a outras famílias que também compartilham desse caminho. É possível viver com qualidade de vida com a doença”.

Com informações da Agência Brasil

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