Dados da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) apontam que em torno de 70% da população mundial não sabem o que são linfomas, tipos de câncer que afetam o sistema linfático, que atua na “filtragem” do sangue, ou imunológico, mais comum em pessoas entre 15 e 30 anos e acima dos 60 anos. A principal causa dos óbitos ocorre justamente por conta da falta de conhecimento sobre a doença que, caso diagnosticada precocemente, tem índice de cura bem maior.
A doença, que atinge 750 mil pessoas a cada ano no mundo, ocorre quando as células normais do sistema linfático se multiplicam de forma descontrolada. No Brasil, o linfoma é um dos dez tipos de câncer mais frequentes. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o número de casos da doença duplicou nos últimos 25 anos, principalmente em idosos. O Inca estima que 15.120 pessoas deverão ser diagnosticadas com a enfermidade só em 2023. De acordo com o Instituto, aproximadamente 4 mil pessoas morrem anualmente por conta de linfomas no país.
O Dia Mundial de Conscientização sobre Linfomas, lembrado nesta sexta-feira (15/9), é um momento importante para a disseminação de informações sobre este câncer que afeta o sistema linfático. Trata-se de uma rede de pequenos vasos e gânglios linfáticos, que integram os sistemas circulatório e imune. Sua função é coletar e filtrar o líquido que se acumula nos tecidos, reconduzindo-o à corrente sanguínea.
Para o médico Tiago Barros, hematologista da Clínica Felippe Mattoso, ter uma data de conscientização sobre os linfomas é uma estratégia relevante para conscientizar a população acerca de uma doença ainda pouco conhecida. “É importante levar mais informações sobre os linfomas e orientar a população sobre os sinais e sintomas, pois o diagnóstico precoce aumenta as chances de cura”, destaca.
Aumento entre jovens é causado por estilo de vida não saudável
Linfoma é um conjunto de cânceres que ataca o sistema de defesa do corpo, chamado de sistema linfático. Composto por vasos, glândulas e órgãos, funciona como um exército interno que protege contra infecções. Existem vários subtipos de linfomas, sendo os mais comuns o linfoma de Hodgkin, que representa cerca de 10% dos casos, e o linfoma não-Hodgkin, mais recorrente, representando cerca de 90% dos casos.
“O primeiro apresenta células doentes misturadas às células normais e o segundo tem apenas células com câncer. Pessoas jovens e saudáveis podem apresentar a doença, no entanto, aqueles com o sistema imunológico comprometido têm risco maior de desenvolvê-la. É o caso de pessoas com o vírus HIV, com deficiência de imunidade em razão de doenças genéticas hereditárias ou as que utilizam drogas imunossupressoras para evitar a rejeição do órgão transplantado, por exemplo”, explica Tiago Barros.
A hematologista Adrienne Moreno, da Oncologia D’Or, explica que o câncer ocorre em pessoas com mais de 60 anos por causa da imunossenescência, o envelhecimento do sistema imunológico que passa a não reconhecer e destruir as células cancerígenas. Já o crescimento de casos de linfoma em jovens resulta do desenvolvimento de ferramentas diagnósticas mais eficazes e do modo de vida não saudável – com o consumo abusivo de álcool, alimentos ultraprocessados, tabagismo e sono insuficiente.
Não há formas de prevenção deste tipo de câncer. O ideal é a pessoa manter um estilo de vida saudável, com alimentação balanceada, bom sono e prática de atividade física. O acompanhamento médico regular favorece o diagnóstico precoce, porque muitos casos são descobertos em exames realizados para apurar a origem de outras queixas. Por isso, a importância da data para trazer informações sobre os cuidados com a saúde e a importância das medidas preventivas, como a visita ao médico especialista.
Tipos de linfoma e fatores de risco
De maneira geral, os linfomas são classificados em dois principais grupos: o linfoma de Hodgkin (LH) – também conhecido como Doença de Hodgkin – e o linfoma não-Hodgkin (LNH). Ambos apresentam comportamentos, sinais e graus de agressividade diferentes.
O primeiro é mais comum em adolescentes e jovens de 15 a 25 anos e um segundo pico de prevalência em adultos após os 60 anos e possuem índice de cura de cerca de 75%. Já os linfomas de Hodgkin, que atingem principalmente crianças e os linfomas não Hodgkin, que correspondem a cerca de 60% dos cânceres na infância, possuem cura em apenas 25% dos casos.
Na maioria das vezes, não é possível estabelecer uma causa para o aparecimento do linfoma, mas alguns tipos de infecção, como a causada pela bactéria Helicobacter pylori, pelos vírus HTLV1 ou Epstein-Barr, e a exposição a agentes químicos e radioativos podem favorecer o surgimento da doença.
Linfoma não Hodgkin – É uma doença heterogênea que compreende mais de 50 neoplasias diferentes, que podem se manifestar de forma agressiva ou indolente. Depois do diagnóstico, ele é classificado de acordo com o tipo e o estágio em que se encontra, além de surgirem em diferentes partes do corpo. A enfermidade tem origem nas células brancas do sangue, conhecidas por linfócitos.
Ocorre em crianças, adolescentes e adultos, tornando-se mais comum à medida que as pessoas envelhecem. Para 2023, as estimativas são de que sejam diagnosticados 12.040 casos, dos quais 6.420 em homens e 5.620 em mulheres. Segundo o Inca, os fatores de risco para o linfoma não Hodgkin não estão bem estabelecidos.
Os grupos de risco para o linfoma de não Hodgkin é formado por pessoas com o sistema imune comprometido por doenças genéticas hereditárias, transplante de órgãos, doenças autoimunes ou infecção pelo HIV, uso de drogas imunossupressoras, presença do vírus Epstein-Barr (EBV), do vírus linfotrópico de células-T humanas do tipo 1 (HTLV-1) ou da bactéria Helicobacter pylori.
Estudos mostram que ter parentes de primeiro grau com linfoma não Hodgkin aumenta o risco de desenvolver a doença. Os riscos ocupacional e ambiental estão associados à exposição a substâncias químicas (pesticidas, benzeno), radiação ionizante e radiação ultravioleta.
Linfoma de Hodgkin – Mais comum em adolescentes e jovens e com um segundo pico de prevalência em adultos após os 60 anos, é uma doença adquirida, e não hereditária. Os casos podem acometer pessoas de qualquer idade, mas os jovens entre 25 e 30 anos são os que mais recebem este diagnóstico. O Inca estima que este ano sejam diagnosticados 3.080 casos, dos quais em 1.500 homens e em 1.580 mulheres.
“Por ter células mais sensíveis à quimioterapia é um linfoma de melhor prognóstico com uma expectativa de cura de até 95% na doença localizada”, afirma a médica Renata Lyrio.
Segundo o Inca, os fatores de risco para o linfoma de Hogkin não estão bem estabelecidos. Alguns estudos associam este tipo de tumor a pessoas imunocomprometidas (infecção por HIV) e pacientes que fazem uso de drogas imunossupressoras, como os transplantados.
Sintomas podem ser confundidos com os de outras doenças
O linfoma é um tipo de câncer que se origina nos linfócitos, células do sistema imunológico responsáveis pela defesa do organismo. Há diferentes tipos e subtipos de linfomas, sendo que todos interferem na defesa do organismo, ocasionando o aumento indolor dos linfonodos ou gânglios (as chamadas “ínguas”) nas axilas, virilha e pescoço.
A médica hematologista Andréia Moraes, que atua no Hospital Metropolitano Vale do Aço, unidade referência em oncologia capacitada para realizar tratamento de linfoma, explica que os sintomas da doença podem variar de acordo com o tipo e o estágio da doença.
Os principais sintomas do linfoma são o surgimento de caroços e ínguas (gânglios inchados) na virilha, o pescoço e axilas; febre intermitente no final do dia sem motivo, sudorese noturna e perda repentina de peso maior que 10% sem motivo aparente. Os linfomas não Hodgkin também podem apresentar sintomas no estômago, intestino, pele, boca e sistema nervoso central.
No caso do linfoma de Hodgkin, além da axila, pescoço e virilha, a doença pode surgir no tórax e provocar tosse, falta de ar e dor na região da pelve ou do abdômen, cujos sintomas são desconforto e distensão abdominal. Em ambos os casos, febre, cansaço, suor noturno, perda de peso e coceira no corpo também são sinais de alerta
Entre os principais sintomas de linfoma, estão:
• Inchaço nos gânglios linfáticos, especialmente no pescoço, axilas ou virilha;
• Perda de peso sem causa aparente;
- • Suores noturnos intenos;
• Fadiga ou cansaço;
• Náuseas e vômitos;
• Dor abdominal;
• Dor nos ossos ou nas articulações;
Erupção cutânea avermelhada, disseminada pelo corpo;
Coceira;
Tosse ou dificuldade para respirar;
Dor de cabeça e dificuldade de concentração;
Aumento do fígado ou baço.
“É importante atenção, pois por se tratar de sinais comuns, muitas vezes pode ser confundido com outras doenças, como infecções virais ou bacterianas, o que pode levar a atrasos no diagnóstico e no tratamento adequado”, afirma a especialista.
Diagnóstico combina exames clínicos, laboratoriais e radiológicos
É importante estar atento às alterações no corpo e os exames de sangue de rotina podem determinar as quantidades de certos tipos de células e substâncias químicas presentes no organismo. Eles são muito importantes para diagnosticar doenças, inclusive o linfoma.
A hematologista recomenda que qualquer sintoma persistente, especialmente quando combinados os itens acima, o paciente deve procurar um especialista para avaliação completa. O diagnóstico do linfoma é feito com exames de sangue, biópsia de linfonodo e exames de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética.
“O diagnóstico precoce do linfoma é fundamental para o sucesso do tratamento. Os avanços na medicina e na pesquisa estão melhorando as opções terapêuticas e a qualidade de vida dos pacientes com linfoma. Portanto, a conscientização sobre os sintomas e a importância da busca de cuidados médicos adequados são cruciais para combater essa doença”, enfatiza a médica.
Segundo Tiago Barros, diagnóstico é estabelecido por meio de uma combinação de exames clínicos, laboratoriais e radiológicos. Uma biópsia da região afetada é frequentemente realizada para identificar o tipo e a classificação do linfoma. Testes anatomopatológicos e imuno-histológicos são essenciais para esse diagnóstico.
Dependendo do caso, podem ser realizados também testes imunofenotípicos, citogenéticos e genético-moleculares para fornecer informações adicionais que ajudarão a determinar o tratamento mais adequado. Para avaliar a extensão da doença, podem ser solicitados outros exames, como a tomografia por emissão de pósitrons acoplada à tomografia computadorizada (PET-CT), ultrassonografias e testes bioquímicos específicos.
Avanços nas formas de tratamento
Segundo a hematologista Renata Lyrio, da Oncologia D’Or, “o tratamento vai depender do subtipo de linfoma e o objetivo de cada terapia”. Andrea Marques explica que o tratamento depende do tipo e estágio da doença, da idade e do estado de saúde do paciente.
A boa notícia é que o câncer linfático está entre as áreas da Oncologia onde houve grandes avanços, com tratamentos mais eficazes e menos tóxicos. “O tratamento do linfoma pode ser realizado de forma isolada ou combinada utilizando quimioterapia, radioterapia, imunoterapia, transplante de células-tronco, entre outros”, finaliza a hematologista.
O arsenal terapêutico inclui quimioterapia, imunoterapia, terapia-alvo, radioterapia, terapia celular, transplante de células-tronco e cirurgia. Embora haja uma doença oncológica com a incidência em ascensão, as opções atuais de tratamento de sucesso são muito altas.
“O tratamento pode usar a quimioterapia associada à terapia com anticorpos monoclonais, que são drogas que se ligam diretamente em proteínas específicas da membrana da célula neoplásica de defesa humana feitas em laboratório. Há boas perspectivas com o avanço da terapia celular e na adoção de técnicas como o CAR-T Cells, que utiliza células modificadas do próprio sistema imunológico do paciente para combater o câncer”, explica Barros.
CAR-T é terapia promissora
Um dos exemplos dos avanços no tratamento do linfoma é o estudo apresentado recentemente no último Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, em inglês) mostrando que o uso do medicamento nivolumabe, um tipo de imunoterapia, associado à quimioterapia melhorou a sobrevida livre da progressão da doença de crianças até 12 anos com linfoma de Hodgkin em comparação aos tratamentos atuais. A terapia ainda não tem aprovação para ser usada no Brasil.
A terapia mais promissora para formas graves de linfoma não Hodgkin é a terapia celular conhecida por CAR-T (em português, célula T com receptor quimérico de antígeno.), que reprograma os linfócitos do paciente para destruir as células tumorais. Ela está associada a alguns efeitos adversos relacionados a inflação desencadeada por esses linfócitos como a síndrome de liberação de citocinas e eventos neurológicos que exigem tratamento específico.
A hematologista Renata Lyrio destaca um estudo apresentado em junho no Congresso Europeu de Hematologia (EHA), na Alemanha, que mostrou o ganho de sobrevida global para pacientes linfoma não Hodgkin tipo B que não respondiam ao tratamento de primeira linha ou tinham recaída precoce da doença. O estudo comparou o desempenho de CAR-T ao da terapia convencional de segunda linha.
A quimioterapia é o tratamento mais frequente para o linfoma. Com o passar do tempo, surgiram outras terapias que agem de forma diferente dos quimioterápicos. Entre eles estão os medicamentos conhecidos por terapia-alvo, que inibem a ação de proteínas que contribuem para o crescimento das células cancerígenas. Já os imunoterápicos estimulam o sistema imunológico a reconhecer e eliminar as células cancerígenas.
Recentemente surgiu uma nova classe de medicamentos imunoterápicos para ser usada em lugar do CAR-T. É o anticorpo monoclonal biespecífico, uma proteína artificial que pode se conectar a dois antígenos ao mesmo tempo. “O medicamento tem dois braços. Um reconhece a célula tumoral e outro se liga aos linfócitos, o que estimula o sistema imune a atacar o tumor”, a hematologista Adrienne Moreno.
O avanço da biologia molecular dos pacientes propiciará tratamentos personalizados, com o aumento do uso da imunoterapia e a redução da quimioterapia tradicional. Assim, o tratamento será mais eficaz com menos efeito colateral. O futuro será combinar terapias-alvo com imunoterapias, tornando o tratamento baseado no tumor de cada paciente.
Com Assessorias
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