O rim pode ter sua função substituída por um equipamento que faz a filtração do sangue, em procedimentos que duram até quatro horas, de três a seis vezes por semana. Cerca de 40 mil pacientes hoje vivem dependentes da máquina de diálise. O Censo 2017 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) mostra o cenário do tratamento de diálise no país.
De acordo com a pesquisa feita em 291 unidades de Terapia Renal Substitutiva (TRS), o total atual estimado de pacientes em tratamento dialítico é de 126.583, mais do que o dobro do que havia no início do século passado.
A cada ano entram em programa de diálise em média 35 mil pacientes novos. Cerca de seis mil são transplantados, mas as clínicas cadastradas para o tratamento não conseguem atender à demanda. A fila de espera para transplante teve alta de 29.268 pacientes (2016) para os atuais 31.266.
Infelizmente, a taxa de mortalidade é elevada e se mantém constante nessa população devido à concomitância de complicações cardiovasculares”, explica a presidente da SBN, Carmen Tzanno.
Segundo ela, existe um quadro difícil de vagas em todo o país para o tratamento do doente renal, pois 85% dos pacientes dependem exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O número de vagas nas clínicas vem se mantendo constante frente à demanda crescente. Somente 7% dos municípios brasileiros têm clínicas de nefrologia. Mais de 65% dos especialistas e a maioria dos serviços se concentram na região Sudeste” explica Dra. Carmen.
14 milhões de procedimentos todos os anos
Segundo o Ministério da Saúde, para atender à demanda, entre 2010 e 2017 houve aumento de 45% nos serviços de média e alta complexidade habilitados para tratar doentes renais crônicos, passando de 488 para 707. Nos últimos dois anos foram habilitados 19 estabelecimentos em todo o país.
Entre 2010 e 2016, o aumento na rede assistencial foi de 26%, passando de 11,3 milhões de procedimentos para 14,2 milhões. Ano passado, com dados ainda preliminares (até setembro), foram registrados 10,9 milhões de procedimentos dialíticos.
Atualmente, a SBN tem cerca de 840 clínicas de diálise cadastradas, sendo 758 clínicas ativas com programa de terapia renal substitutiva crônico, contra 747 em 2016.
Número de doentes renais está abaixo do previsto pela OMS
Apesar do cenário pouco otimista, a estimativa nacional da taxa de prevalência e de incidência de insuficiência renal crônica em diálise foi de 610 pacientes por milhão da população (pmp) e 193 a cada um milhão de habitantes, respectivamente.
Entretanto, observam-se importantes diferenças regionais e a taxa de prevalência ainda é menor do que a preconizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para a região, de 700 por milhão da população (pmp).
Diabetes e hipertensão são as principais causas
Entre os principais fatores de risco para doença renal crônica estão a diabetes e a hipertensão, ambas cuidadas na Atenção Básica, em uma das 41.688 Unidades Básicas de Saúde. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 6,2% da população adulta têm diabetes e 24%, hipertensão, segundo o Ministério da Saúde.
De acordo com a SBN, a incidência de pacientes com nefropatia diabética vem aumentando ao longo dos últimos anos. Quase um terço dos pacientes são idosos, comenta a presidente da SBN, com uma tendência a aumento de pacientes nessa faixa etária, principalmente no Sul e Sudeste.
Nova terapia promete substituir a diálise
Uma nova terapia que renova a esperança dos doentes renais acaba de chegar ao Brasil. A hemodiafiltração de alto volume, também conhecida como HighVolumeHDF®, se diferencia da hemodiálise porque permite uma melhor remoção de toxinas, que são nocivas para o organismo. Estudos científicos demonstram que com este tratamento, o paciente é menos hospitalizado, tem uma melhor qualidade de vida e menor mortalidade.
A multinacional alemã Fresenius Medical Care, responsável por trazer a novidade para o Brasil, informa que na Europa cerca de 20% dos pacientes em diálise realizam HighVolumeHDF®, já reconhecida como a modalidade de tratamento de diálise mais eficaz e que mais se aproxima da função natural do rim.
Em Portugal, por exemplo, 60% de todos os pacientes em diálise realizam a terapia. Lá são 32 hospital públicos e 92 clínicas de diálise privadas oferecendo a terapia – em 93% dos casos os equipamentos são da Fresenius Medical Care. Segundo a empresa, os benefícios da HDF de alto volume são redução do risco de queda da pressão arterial durante a diálise, mais disposição para as atividades diárias e melhor qualidade de vida, redução de episódios de internação e melhor sobrevida.
O maior estudo sobre esta terapia foi realizado na Espanha, encomendado pelo governo da Catalunha (Estudo ESHOL), com 906 pacientes, sendo destes 450 em hemodiálise e 456 em hemodiafiltração de alto volume, e acompanhados por 36 meses. Os resultados demonstraram 30% de redução da mortalidade por todas as causas, 22% de redução de risco de todas as causas de hospitalização e 28% de redução do risco de incidência de episódios de hipotensão (pressão baixa) durante o tratamento.
Garantia para quem faz diálise fora de seu município
Em março deste ano, o Ministério da Saúde alterou a forma de financiamento para procedimentos de Terapia Renal Substitutiva (TRS) em todo o Brasil. A medida é voltada especificamente para pacientes, adultos e crianças que precisam de hemodiálise fora da cidade em que normalmente fazem o tratamento. A medida atende a uma demanda antiga das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.
O objetivo é continuar garantindo a assistência integral e gratuita de pessoas que, durante uma viagem, por exemplo, precisam manter as sessões do tratamento dialítico. Para isso, foi criado um código na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS que contempla o novo procedimento, denominado “Identificação de paciente sob tratamento dialítico em trânsito”.
Regras para o atendimento pelo SUS
A medida engloba hemodiálise para adultos (3 sessões semanais), hemodiálise pediátrica (4 sessões semanais) e hemodiálisepara pacientes com HIV (3 sessões por semana) e limita a permanência da pessoa em trânsito por até 30 dias. O atendimento poderá ser feito em qualquer um dos 707 estabelecimentos de média e alta complexidade habilitados para tratamentos dialíticos no país.
Por ainda não existir código específico para o tratamento dialítico de pacientes em trânsito na Tabela SUS, as Secretarias de Saúde Estaduais, Distrital e Municipais vinham apresentando dificuldade para o monitoramento, registro e pagamento dos procedimentos. Com essa alteração, o valor passa a ser pago pela Secretaria de Saúde da cidade de origem do paciente, ou seja, onde normalmente realiza o tratamento.
Como o paciente pode solicitar o tratamento
Para ter acesso ao procedimento, o paciente em trânsito deverá solicitar ao estabelecimento de saúde de origem a necessidade do tratamento dialítico em outra cidade, informando o período, município e estado de destino previamente. Com isso, o estabelecimento de saúde de origem vai informar ao gestor de saúde do município onde o paciente irá para verificar a disponibilidade de continuar o tratamento.
Havendo disponibilidade de vaga, o município de destino informará quais procedimentos serão ofertados e que unidade acolherá o paciente. Serão produzidos relatórios, que ficarão arquivados no serviço de destino para controle e auditoria, características do tratamento, tipo de acesso vascular, resultados dos exames realizados, situação vacinal e uso de medicamentos.
Nas mãos do capital estrangeiro
Nos últimos dois anos, após abertura do mercado da saúde para o capital estrangeiro, cerca de 10% das clínicas privadas passaram às mãos de empresas multinacionais ou fundos de investimento. Nos Estados Unidos cerca de 80% das clínicas pertencem a estes grupos, assim como mais da metade na Europa.
Existe uma tendência de que o mesmo ocorra no Brasil, passando dos médicos especialistas para grandes conglomerados. Estas mudanças impactam o cenário da TRS no país e trarão grandes mudanças na assistência e na remuneração dos procedimentos”, afirma a presidente da SBN.
Mais investimentos do SUS
O Ministério da Saúde informa que tem investido nos tratamentos nefrológicos, liberando recursos para garantir e aumentar os serviços e atendimentos em todo o Brasil. No início de 2017, a pasta liberou R$ 197 milhões para custear tratamentos nefrológicos no País, beneficiando pacientes renais crônicos que necessitam de tratamento contínuo e dependem SUS.
Segundo o Ministério da Saúde, em relação aos valores, o crescimento foi de 55%, passando de R$ 1,8 bilhão em 2010 para quase R$ 2,8 bilhões em 2016. Ano passado, com informações ainda preliminares (até setembro), foram investidos R$ 2,3 bilhões.
Censo envolve centros de diálise do país
Desde 2000, a Sociedade Brasileira de Nefrologia coleta anualmente dados referentes aos pacientes com insuficiência renal crônica em tratamento dialítico. Com abrangência nacional, o Censo de Diálise compila informações exclusivas fornecidas pelas Unidades de Terapia Renal cadastradas, servindo de base inclusive para as instituições governamentais.
A cada ano, um comitê designado realiza a revisão e o aperfeiçoamento da pesquisa, que tem sido imprescindível para direcionar o planejamento de assistência a essa parcela da população. O estudo, feito com a colaboração voluntária dos centros de diálise em todo o território nacional, é importante ferramenta para a discussão e intermediação da Sociedade com as fontes pagadoras, indústrias e o próprio governo, para delineamento da política da terapia renal no país.
“Só conseguimos conhecer mais de perto a realidade do tratamento dialítico do país, graças à colaboração dos responsáveis pelos Centros de Diálise que nos enviam os dados periodicamente. Assim temos base para pleitear o aperfeiçoamento do atendimento no país”, explica Carmen Tzanno.
Fonte: Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e Ministério da Saúde