4 entre 10 pais já pensaram em deixar emprego para cuidar dos filhos

Estudo mostra maior preocupação dos pais em acompanhar de perto o desenvolvimento dos filhos. Especialistas comentam o assunto

O engenheiro Marlon Camacho com os filhos Antônio e Joaquim (Foto: Divulgação)
Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

Quase quatro em cada 10 pais (37%) já consideraram deixar o trabalho para cuidar dos seus filhos. O número sobe para 63% quando a pergunta é feita para as mães. Um terço (32%) dos pais e 60% das mães dizem já ter sofrido preconceitos ou retaliações no trabalho ou em processos seletivos, pelo fato de terem filhos. Os dados fazem parte do mapeamento Bem-Estar Parental nas Empresas, desenvolvido pelas Filhos no Currículo e Infojobs.

Marlon Camacho, engenheiro da computação de 38 anos, foi parte desta estatística. Aos 28 anos, no nascimento de seu primeiro filho, Joaquim, pediu demissão de um emprego formal para ser o cuidador principal do pequeno. Na época, a esposa fazia residência em Ginecologia e Obstetrícia e o casal tinha uma carga horária de trabalho superior a 40 horas semanais, cada um.

O engenheiro trabalhava de segunda a sexta na área administrativa do Shopping Liberty Mall em Brasília-DF, fazia uma pós-graduação, além de dirigir uma ONG social. Por conta das três atividades, não tinha sido presente na gestação e primeiros meses do filho.

Terminada a licença-maternidade da esposa, e por conta da necessidade dela em retomar a residência, Marlon sugeriu que não terceirizassem os cuidados do pequeno Joaquim, e optou por pedir demissão para assumir o cuidado durante o dia.

Marlon Camacho, educador parental e palestrante da Filhos no Currículo (Foto: Divulgação)

“Muitas vezes senti o machismo estrutural fazendo efeito, com sensações de que eu estava fazendo mais que a minha obrigação, que a relação estava desequilibrada, com uma falsa noção de que o trabalho de cuidado deveria ser o da mulher, afinal muito da definição de “homem” é sobre seu sucesso profissional”, explica.

Ele só retornou ao mercado formal após o filho completar três anos, e não se arrepende dessa decisão. “Quando comecei a participar de rodas de conversa de pais, comecei a ouvir a história de outros homens falando que negaram propostas de emprego em prol de mais tempo com os filhos. Naquele momento, caiu a ficha de que tinha feito a coisa certa”, completa Marlon, que também é pai de Antônio.

Na opinião de Michelle Terni, CEO e cofundadora da Filhos no Currículo, existe uma longa distância entre pensar em deixar o trabalho e efetivamente deixá-lo.

“A sobrecarga do cuidado ainda se acumula nos ombros das figuras maternas e, consequentemente, conciliar filhos e carreira ainda é um dilema feminino. Mas essa cogitação dos pais já aponta para uma tendência por uma paternidade protagonista, o que contribui para a construção de uma sociedade mais equânime”, afirma.

Outros resultados do estudo ‘Bem-Estar Parental nas Empresas’

O estudo Bem-Estar Parental nas Empresas, desenvolvido pelas Filhos no Currículo e Infojobs, avaliou a efetividade da cultura parental na visão de colaboradores, lideranças e profissionais de RH. Confira outros resultados:

– 85% das mães e pais entrevistados (8 em cada 10) passaram ou estão passando por alguma situação desafiadora na parentalidade – Luto gestacional; Parentalidade solo; Crianças com deficiência; Gestação de risco ou prematuridade; Gestação não planejada; Processo de fertilização; Dificuldades na amamentação; Depressão pós-parto.

– No ranking dos benefícios preferidos por pais e mães, temos: 

Modelos de trabalho flexíveis incluindo homeoffice (65%)

Auxílio creche ou babá (51%)

Programas de bem-estar e qualidade de vida para profissionais com filhos (51%)

Licenças estendidas para figuras paternas e maternas (47%).

– 94% dos líderes de equipe demonstram estar seguros em algum nível para gerenciar questões de profissionais com filhos, sendo que 82% deles consideram-se ‘totalmente preparados’.

– Na visão dos profissionais liderados, 67% acreditam que seus líderes diretos são acolhedores. Já em relação a alta liderança (presidentes, diretores e afins) o índice reduz para 48%

– 68% dos respondentes dizem que as empresas em que trabalham não fornecem informações ou experiências específicas voltadas para a parentalidade, como rodas de conversa, palestras ou grupos de afinidade para pais e mães.

– 47% dos respondentes afirmaram que não consideram eficazes as políticas e processos de parentalidade existentes na sua empresa.

O que as empresas estão fazendo para reter seus talentos com filhos?

O dado da pesquisa traz para o centro da discussão outro tipo de provocação: o que as empresas estão fazendo para reter seus talentos com filhos? Como criar um ambiente corporativo onde filhos e carreira possam caminhar lado a lado na vida de seus cuidadores principais?

“Ser cuidada, nutrida e protegida durante os primeiros meses de vida é um direito básico de toda a criança, mas deveria ser também um direito dos pais”, afirma Camila Antunes, educadora parental e sócia fundadora da Filhos no Currículo.

Vínculo não se constrói em 5 nem 20 dias. Mudar esta realidade depende de um compromisso das empresas em investir na construção de um ambiente corporativo de bem-estar parental”, completa.

Segundo a especialista, essa construção depende de uma ação combinada de fatores envolvendo:

Processos, políticas e benefícios mais inclusivos, que consideram as necessidades parentais em suas diferentes fases da jornada, como a LICENÇA PARENTAL estendida.

Formação de lideranças e pares em gestão da parentalidade, para que atuem como tradutores de uma cultura de acolhimento.

Criação de fóruns e espaços para discussão e trocas específicas sobre os desafios parentais, gerando assim um senso de pertencimento e conscientizando sobre a importância de uma parentalidade protagonista.

Construção de uma rede de aliados e mentores dentro das próprias equipes, que servirão de referencial e apoio concreto para aqueles colaboradores que exercem função parental.

Licença Parental – um trampolim rumo à equidade

Uma das medidas mais emblemáticas a serem adotadas, são as licenças parentais estendidas, ou seja, oferecendo a mesma quantidade de dias de afastamento de licença para as diferentes figuras parentais, independentemente do gênero.

“Esse período de construção de vínculo exclusivo será decisivo para o desenvolvimento pleno da criança e contribui positivamente para a equidade de gênero no mercado de trabalho, na medida em que possibilita a corresponsabilidade dos cuidados parentais”, reforça Michelle.

Segundo a especialista, em um ambiente com boas licenças parentais, as pessoas reconsiderariam essa ideia de deixar o trabalho. Dados da mesma pesquisa revelam que 8 de cada 10 profissionais com filhos percebem um maior engajamento e compromisso com a empresa quando seu papel como pai ou mãe é respeitado no ambiente de trabalho, e as “licenças estendidas” apareceram entre as top 5 medidas mais desejadas pelos pais em suas empresas.

“A igualdade das licenças é uma ação afirmativa que visa eliminar os vieses ainda existentes da contratação de mulheres. Se hoje as empresas não contratam mulheres por medo delas engravidarem, saírem de licença e deixarem o time na mão, sem esse obstáculo, as empresas conseguem acelerar a representatividade feminina em todas as posições”, finaliza.

Por que tão poucas empresas implementam?

Segundo Vinicius Bretz, consultor da Filhos no Currículo especialista em implementação de licenças parentais, barreiras financeiras e culturais são as principais causas do baixo engajamento das empresas.

“Existem três principais desafios naturais na implementação: cultura, liderança e maturidade na agenda de DE&I (diversidade, equidade e inclusão). Empresas que possuem uma cultura mais aberta, com segurança psicologia, liderança capacitada e próxima do time e com ações de DE&I inseridas já na agenda da empresa, conseguem ter uma aceitação e implementação mais suaves e efetivas das licenças”, exemplifica o especialista.

Para ele, as licenças são parte de um movimento mais macro estratégico. “A mudança bem-sucedida exige um planejamento orquestrado por uma equipe multidisciplinar, engajamento da alta liderança e revisão de políticas acessórias que serão indiretamente impactadas pela mudança. Assim, como em qualquer transformação cultural, essa mudança leva tempo para ser assimilada e se o processo não for cuidado, corre o risco de não sair do papel”, afirma o especialista.

Ele foi responsável por implementar a mudança em uma das maiores empresas multinacionais do setor de bebidas, com resultados diretos para o business como a diminuição na taxa de turnover, aumento do engajamento interno, das promoções e da visibilidade da marca empregadora, melhorando os índices de atração de talentos.

“Implementar uma licença parental é também uma oportunidade para construção de marca e alinhamento à agenda ESG. Dependendo de como as empresas se posicionam sobre parentalidade e equidade de gênero perante seus consumidores, clientes, colaboradores e sociedade, pode haver um aumento do valor do negócio para seus acionistas”, completa Vinícius.

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

You may like

In the news
Leia Mais
× Fale com o ViDA!