A velocidade com que o novo coronavírus está matando no Brasil pode levar o país a registrar, em 2021, o primeiro ano da história em que o número de mortes superou o de nascimentos. O alerta é do neurocientista Miguel Nicolelis, em artigo publicado no Correio Braziliense, a partir da análise de dados do Portal da Transparência do Registro Civil do Brasil, que apura o total de certificados de óbitos e nascimentos desde antes da pandemia.
Segundo o especialista, março pode ter sido o primeiro mês da história em que o Brasil registra mais mortes do nascimentos, o que pode se repetir em abril ou maio, com indicadores ainda piores. “Em janeiro, soltamos uma previsão dizendo que, se não entrássemos em lockdown nacional e ampliássemos a vacinação, nós teríamos em março o que estamos vendo. A preocupação é grande porque não conseguimos ver sinal de alívio”, afirmou.
Isso quer dizer que, se o número de mortes por Covid-19 e outras causas continuar a subir, o Brasil pode viver o primeiro momento de sua história em que as mortes superaram os nascimentos de novos cidadãos. Tal tendência ilustra a magnitude profundamente épica do impacto da covid-19 no país”, escreve o médico.
Caos sanitário, social, econômico e político
Em seu podcast ‘Diário do Front’, no Youtube, ele fez um alerta catastrófico para o país, relembrando um alerta que está sendo feito há semanas: o do colapso funerário: “[O colapso] pode levar a uma eclosão secundária de infecções bacterianas, contaminações de solo e do lençol freático por falta de manejo dos corpos das vítimas”. Contaminações também em alimentos
Depois do dia mais letal, da semana mais mortífera, do mês que mais matou brasileiros e brasileiras, o Brasil se encontra em uma bifurcação histórica. Nesse momento, todo o país vive uma pandemia em crescimento exponencial, fora de controle, em meio a um colapso hospitalar jamais visto na nossa História”, comenta.
Todas as regiões brasileiras se encontram virtualmente com uma a quatro semanas, com listas de espera por um leito de UTI, de 6 a 8 mil pessoas em listas de espera por leitos de UTI que não existem mais. Uma pandemia que colocou todo o sistema de saúde de joelhos”. O futuro que nos espera pode ser ainda mais dantesco.
O ‘ponto do não retorno’
Nesta sexta-feira (2), Miguel Nicolelis afirmou à Globonews que o Brasil está se aproximando de um “ponto de não retorno”, quando há um colapso no sistema de saúde e no sistema funerário. Segundo o especialista, nesse cenário, o Brasil pode demorar anos para solucionar a pandemia do novo coronavírus.
Apesar do sistema público de saúde distribuído, de termos dobrado o número de UTIs e aumentado o número de médicos, tivemos um colapso nacional. Evoluímos rapidamente para uma situação que chamo de ‘não retorno’. É quando colapsam os hospitais e começa a não ter como enterrar seus mortos, a questão para solucionar a pandemia passa de meses para anos”, explicou ele.
O médico neurocientista compara a pandemia a “uma tempestade perfeita”. “Você vê uma confluência de parâmetros que fazem o seu modelo de gestão sair de qualquer controle possível”, destaca. Nicolelis ainda lembrou que o Brasil se aproxima do inverno. “Vamos ter pico de outras viroses respiratórias, que vai colocar ainda mais pressão no sistema de saúde.”
Força-tarefa de salvação nacional
Segundo ele, a solução é uma força-tarefa de salvação nacional formada por representantes da sociedade civil, comunidade científica, fórum de governadores, associação de prefeitos e outras instituições “dispostas a entrar em operação para tomar uma decisão nacional em conjunto”. Nicolelis também criticou a comissão anticovid criada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Não adianta só comissão com políticos pra inglês ver. Tem que ter corpo científico que já lidou com pandemia, que sabe o que fazer pra tomar decisões em questão de horas. Não pode ficar nesse lero lero político do Brasil. Isso joga para o lado do vírus”, declarou.
Para Nicolelis, “dentro deste festival de horrores”, existe o consenso nos meios científicos de que o Brasil precisa tomar três medidas urgentes para tentar conter a crise sanitária. Primeiro, um lockdown nacional. Segundo, reduzir o trânsito de pessoas em trens, ônibus e aviões. Terceiro, vacinar entre 2 milhões e 3 milhões de pessoas por dia. Nada disso, porém, está no radar até agora.
Nicolelis também citou contaminações que podem acontecer na cadeia alimentar. Ele acrescenta que, sem um lockdown nacional e aumento da vacinação, os próximos meses da pandemia serão piores em relação ao número de casos, internações e mortes.
O governo pode espernear, mas sem lockdown de 21 a 40 dias, não vamos segurar a onda só com 1 milhão de doses de vacina por dia”. Segundo ele, a vacinação em massa, mesmo bem-feita, não coíbe a taxa de transmissão do vírus. A analogia que eu faço é que o adulto da casa tem que tomar decisões, mas tem que achar o adulto primeiro”, disse.
Entenda os cálculos de nascimentos x óbitos
Em entrevista à CNN nesta quinta-feira (1º), Nicolelis disse que havia por volta de 200 a 230 mil nascimentos por mês no Brasil, e por volta de 90 a 100 mil óbitos antes da pandemia. “A gente seguiu esses dados ao longo do ano passado e o que vimos é que a diferença entre os óbitos e os nascimentos está ficando cada vez menor”, comparou.
Nicolelis explicou que desde o início do ano, a diferença entre nascimentos e mortes vem caindo no país. Em fevereiro, foram registrados 125 mil contra 121 mil óbitos. “Essa diferença, que era de 100 mil em favor de mais nascimentos do que óbitos por mês, caiu para menos de 4 mil”, adverte.
Em março, essa diferença caiu pela metade em relação ao ano passado e dois terços em relação a 2019. Em 2020 foram 200.034 nascimentos e 121.559 óbitos (por Covid-19 e outras causas), resultando em uma diferença de 78.475 habitantes acrescentados à população. No mesmo período deste ano, foram 220.302 nascimentos e 173.255 mortes, uma diferença de 47.047. “O número de mortos cresce tanto que está chegando numa diferença de só 50 mil. É um efeito demográfico”.
Covid-19 em grávidas e crianças
Ainda à CNN, Miguel Nicolelis comentou os impactos da pandemia em gestantes e crianças. “Estamos vendo uma pandemia silenciosa de gestantes tendo partos premauros devido a complicações da Covid, como a trombose placentária”, disse.
De acordo com o médico, Santa Catarina e o Distrito Federal também registram crescimento da taxa de ocupação de UTIs neonatais por bebês que já nascem infectados com o coronavíris.
Uma das possibilidades é que as novas variantes possam ter ação numa faixa etária menor. O Brasil, infelizmente, já é campeão no número de gestantes infectadas e óbitos de crianças abaixo dos cinco anos.”
Com CNN, Uol, G1 e Correio Braziliense (atualizado em 4/4/21)