O Brasil é o terceiro do mundo em número de animais domésticos, como vimos esta semana. Não dá para negar a importância que os pets ganharam em nossas vidas, principalmente nas últimas décadas. Mas é bom ter cuidado. Esses bichinhos tão afetuosos podem, muitas vezes, transmitir doenças sérias para os humanos – e vice-versa. A essas enfermidades, chamamos de zoonoses.
Em 2020, um vírus até então desconhecido pela Ciência levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a decretar uma pandemia, que durou três anos e matou mai de 60 milhões de pessoas. Só no Brasil foram 38,8 milhões de casos confirmados e 712.537 mortes, segundo o Ministério da Saúde. Os estudos apontam que o causador da covid-19 foi um morcego, classificando o vírus como umazoonose.
Causadas por diversos agentes como vírus, bactérias, fungos e outros microrganismos. 60% das doenças infecciosas humanas e 75% das novas doenças emergentes têm origem animal, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo dados da OMS existem mais de 200 tipos de zoonoses ativas, causadas, principalmente, por animais presentes no nosso dia a dia, como cachorros, gatos, roedores e aves.
A proximidade cada vez maior entre humanos e animais é extremamente positiva e grande parte das famílias atualmente são multiespécies, quando o vínculo afetivo é forte e os pets são considerados membros da família. A convivência íntima e os ambientes compartilhados, no entanto, requerem um cuidado maior para garantir a manutenção da saúde dos humanos e dos animais”, comenta o médico-veterinário Henry Berger, diretor geral da VetFamily no Brasil.
O conceito de uma só saúde
As zoonoses podem ser classificadas em dois tipos principais: antropozoonose, doenças transmitidas de animais para pessoas e zooantroponose, doenças transmitidas de pessoas para animais. Essas doenças podem ser transmitidas de forma direta, através do contato com secreções, mordeduras, picadas ou arranhaduras, e indireta, por meio de vetores como insetos e ectoparasitas. A transmissão pode ocorrer também por consumo de carne mal cozida e ingestão de água ou comida contaminados por fezes, urina ou saliva do animal infectado.
Desde 1885 o dia 6 de julho é marcado como o Dia Mundial das Zoonoses, data criada pela para enfatizar a discussão acerca das doenças infecciosas transmitidas entre animais e humanos. A data faz referência ao dia em que foi aplicada a primeira vacina antirrábica com sucesso pelo francês Louis Pasteur. Embora seja uma data antiga, a necessidade de debater acerca dos perigos das zoonoses nunca foi tão atual.
A data evidencia a ligação entre as saúdes humana, animal e ambiental – conceito de Saúde Única, ou One Health ou Uma Só Saúde, abordagem promovida pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Essa abordagem que reconhece a interconexão entre saúde humana, animal, vegetal e ambiental e desempenha um papel fundamental na prevenção, detecção e controle dessas doenças.
Conheça algumas das principais zoonoses
Prevenida por meio de vacinação, a raiva está entre as mais graves e temidas zoonoses e é transmitida através da mordida de um animal infectado, como cães, gatos ou morcegos.
No caso de outra conhecida zoonose, a leptospirose, além da vacinação é necessário garantir higiene adequada da casa e quintal, evitar deixar lixo e alimentos dos animais expostos a fim de não atrair roedores e fazer o controle periódico de pulgas e carrapatos, pois esses parasitas podem servir como hospedeiros intermediários.
Os carrapatos também são potenciais transmissores de doenças que afetam humanos e animais, porém com sinais clínicos e níveis de gravidade diferentes e não transmissíveis de forma direta entre eles, como a febre maculosa, a erliquiose e a doença de Lyme.
As pulgas também transmitem a dipilidiose, se ingeridas acidentalmente, o que pode acontecer facilmente com animais e crianças que convivem bem próximas a eles.
O controle de endoparasitas também é essencial, pois transmitem doenças como a toxocaríase, quando crianças pequenas ou mesmo adultos ingerem terra ou areia contaminada por excrementos com ovos de Toxocara canis. O parasita também pode estar presente na água ou vísceras e carnes inadequadamente cozidas.
A ancilostomíase é uma infecção intestinal causada pelo contato com fezes contaminadas com vermes do gênero Ancylostoma, o nematódeo mais frequente em cães no Brasil.
Já a toxoplasmose, causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, é adquirida principalmente pela ingestão de água, frutas, verduras e carnes cruas ou malpassadas contaminadas. Porém, o parasita também pode estar presente nas fezes de gatos infectados e, por isso, medidas preventivas devem ser tomadas e o contato direto com as fezes evitado.
Os tutores devem seguir sempre a recomendação do médico-veterinário quanto às formas de prevenção e a periodicidade do uso de antipulgas, carrapaticidas e vermífugos. Hoje é possível encontrar alternativas de fácil administração e segurança, como tabletes palatáveis que previnem endo e ectoparasitas em uma única administração”, comenta Berger.
Ele lembra ainda da importância do uso de repelentes e cuidados com o ambiente para evitar picadas de insetos como o mosquito-palha, transmissor da leishmaniose. Cães e gatos não são transmissores diretos da doença para humanos, porém podem ser vetores para contaminação de novos mosquitos.
O cuidado com o ambiente e evitar o acesso dos felinos às ruas são as principais medidas de prevenção da esporotricose, micose causada por fungos presentes no solo, vegetais em decomposição, espinhos e madeira, que pode ser transmitida diretamente pelo contato com o meio contaminado ou por arranhaduras, mordeduras e contato com lesões.
A bordetelose é uma infecção bacteriana altamente contagiosa que afeta o sistema respiratório dos cães e pode ser transmitida para os seres humanos pelo contato direto da boca e/ou focinho e também por contato com secreções contaminadas. Apesar de ter um baixo risco de contaminação, essa zoonose pode afetar imunossuprimidos e idosos com comorbidades.
Prevenção
A vigilância de doenças em animais e humanos, a educação sobre práticas seguras de convivência com animais de estimação, a gestão adequada de resíduos e o desenvolvimento de vacinas e de tratamentos eficazes são fundamentais para o combate a zoonoses e uma responsabilidade pública.
Porém, as famílias também têm papel fundamental na prevenção por meio de cuidados e hábitos rotineiros, como a higiene pessoal, dos pets, dos quintais e locais onde vivem os animais; controle de endo e ectoparasitas; vacinação regular conforme orientação do médico-veterinário e oferta de uma dieta balanceada e segura para os animais de estimação.
É importante que os tutores compreendam a importância de levar seus pets para consultas veterinárias preventivas regularmente, ao menos uma vez ao ano, ou nos primeiros sinais clínicos que o animal apresentar, como forma de detectar precocemente doenças que podem afetar pets e humanos, e também para receber orientações atualizadas sobre formas de prevenção e tratamentos”, alerta Berger.
Dicas de como se prevenir de zoonoses
O professor Alexandre Pina, da Unigranrio-Afya, lembra que crianças, idosos, gestantes e pessoas com sistema imunológico enfraquecido são mais vulneráveis a infecções por zoonoses e por isso precisam de atenção especial.
Por isso, é necessário manter o cartão de vacinação sempre atualizado, inclusive de animais de estimação, pois a prevenção é sempre a melhor forma de se proteger contra as zoonoses.
Ele ainda dá algumas dicas de como se prevenir das infecções por zoonoses:
• Mantenha o ambiente sempre limpo, alimentos em recipientes fechados e descarte o lixo adequadamente para evitar a proliferação de pragas como ratos, baratas e moscas;
• Tenha cuidado com os animais, evite ter contato com a saliva dos bichinhos através de lambidas no rosto, compartilhamento de brinquedos e alimentos;
• Lave as mãos com frequência, principalmente após ter contato com animais;
• Lave e cozinhe os alimentos adequadamente para eliminar parasitas e bactérias;
• Ao ar livre utilize repelentes e não toque ou alimente animais selvagens.
Combate a zoonoses no Brasil
O controle de zoonoses ultrapassa fronteiras. O cenário é ampliado pelo aumento das cadeias de agricultura e abastecimento alimentar, facilitando a transmissão entre espécies e impactando diretamente na saúde pública global.
Conhecido por sua biodiversidade, o Brasil enfrenta um desafio contínuo no controle das zoonoses. O país registra casos de febre amarela, leishmaniose, leptospirose, entre outras doenças, cenário que mobiliza a implementação de campanhas de vacinação, programas de controle e iniciativas de conscientização.
Essas ações promovidas por meio de uma abordagem integrada e multidisciplinar de profissionais da área da Saúde, entre os quais se destacam médicos-veterinários e zootecnistas. Independentemente da gravidade, as zoonoses precisam ser foco de atenção e prevenção para médicos, médicos-veterinários e tutores.
O controle das zoonoses ocorre pela conexão de diversas áreas da saúde. No caso dos médicos-veterinários, os profissionais atuam em todas as fases de vigilância e na prevenção e controle, desde a inspeção de produtos de origem animal até a saúde ambiental, com conhecimentos em profilaxia, diagnóstico clínico e laboratorial, epidemiologia, inspeção, vigilância, educação, prevenção e promoção à saúde.
Os zootecnistas contribuem oferecendo orientações quanto ao manejo de rebanhos e resíduos e às boas práticas para prevenção e controle de doenças, planejamento e gestão de planos de biossegurança, educação e capacitação de produtores rurais e trabalhadores.
A atuação dos médicos-veterinários e zootecnistas não se limita aos animais, e se estende à proteção da saúde das pessoas e do meio ambiente. Em um mundo cada vez mais interligado, reconhecer e fortalecer esse papel é fundamental para enfrentar desafios emergentes e garantir um futuro mais saudável para todas as espécies”, destaca Ana Elisa Almeida, presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).
Como atuam médicos-veterinários e zootecnistas no controle de zoonoses
Papel do médico-veterinário
+ Diagnóstico e tratamento de doenças em animais: realizam exames clínicos, laboratoriais e epidemiológicos para detectar zoonoses;
+ Pesquisas para entender melhor as zoonoses, desenvolvendo novas vacinas, tratamentos e estratégias de controle;
+ Educação e conscientização para a comunidade sobre a prevenção de zoonoses, destacando a importância de práticas adequadas de higiene, manejo e vacinação;
+ Inspeção e vigilância de alimentos de origem animal, garantindo que estejam livres de patógenos que possam ser transmitidos aos humanos.
Papel do zootecnista
+ Manejo de rebanhos: implementam práticas de manejo que reduzem o risco de transmissão de doenças entre animais e de animais para humanos;
+ Planejamento e gestão: desenvolvem planos de biossegurança em propriedades rurais e fazendas, minimizando o risco de surtos de doenças;
+ Genética e reprodução: trabalham na seleção genética de animais mais resistentes a determinadas doenças;
+ Educação e capacitação de produtores rurais e trabalhadores sobre práticas seguras de manejo animal e medidas preventivas para evitar a disseminação de doenças zoonóticas.
Com Assessorias