Médicos são contra uso da expressão
O Ministério alega que o despacho atendeu ao “apelo de entidades médicas”, o que é em si preocupante, já que não é exatamente isso o que deveria pautar documentos, ações e políticas públicas. “Essa discussão fez muitos médicos repensarem procedimentos para não serem processados”, afirma a obstetra Débora Rosa, professora da UFRJ’”, no Uol.
O Conselho Federal de Medicina já havia recomendado o fim do uso da expressão “violência obstétrica” num documento segundo o qual ela teria “se voltado em desfavor da nossa especialidade, impregnada de uma agressividade que beira a histeria”.
No parecer 32/2018, o CFM afirmou: “A expressão ‘violência obstétrica’ é uma agressão contra a medicina e especialidade de ginecologia e obstetrícia, contrariando conhecimentos científicos consagrados, reduzindo a segurança e a eficiência de uma boa prática assistencial e ética.”
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Membros da comunidade médica se sentem ofendidos, especialmente, por movimentos que defendem alternativas à assistência obstétrica provida por médicos. Recentemente o Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) proibiu os profissionais do estado de aderirem ao plano de parto das gestantes.
“Os médicos entendem que a autonomia da mulher deve ter limites, principalmente quando existem fatores que possam colocar tanto a mãe quanto a criança em risco se o parto vaginal for escolhido, e em local que não seja o hospital”, diz o parecer do CFM.
Preocupada com a crescente polêmica em torno do tema, em janeiro deste ano a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) divulgou recomendações sobre as práticas na assistência ao parto, para evitar acusações de violência obstétrica (veja abaixo).
“O entendimento é de que a comunicação clara, o diálogo e o vínculo entre parturiente, família e equipe de assistência ao nascimento é o caminho natural e mais seguro para evitar situações percebidas como violentas, lembrando que algumas ações passam a ser entendidas como Violência Obstétrica quando utilizadas inadvertidamente”, diz a entidade, em nota emitida em janeiro.
Com o intuito de qualificar dia a dia a assistência ao parto, de assegurar ininterruptamente que o respeito à autonomia da mulher seja a tônica da relação médico-paciente, a Federação também divulgou um posicionamento oficial sobre Violência Obstétrica.
“Investir na formação profissional dos médicos que assistem o parto é uma de nossas obrigações”, comentou à época o presidente da Febrasgo, César Eduardo Fernandes. “Algumas práticas obstétricas que eram plenamente aceitáveis e indicadas décadas atrás não são mais recomendadas nos dias de hoje. Há uma tendência a ser menos intervencionista na assistência ao parto”, diz o texto.
Em contrapartida, a Federação aponta falhas sistémicas serem solucionadas com urgência, como as condições inadequadas para atender à paciente, a falta de leito para interná-la e medicamentos nas prateleiras. “Um cenário que representa truculência não só contra a paciente, mas também contra os tocoginecologistas e demais profissionais da saúde”.
Sobre o parto cesárea, esclarece ser considerado pelas principais sociedades médicas do mundo como fator essencial para salvar vidas de mães e crianças. “Todas as mulheres têm o direito e devem conversar com os seus médicos sobre as vias e formas de parto, vantagens e desvantagens, quando cada procedimento é indicado. O diálogo é sempre fundamental, assim como o respeito à decisão da paciente”, diz Carlos Henrique Mascarenhas da Silva, membro da Comissão de Defesa Profissional e presidente da Sogimig(Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais).
Em 2018, Ministério da Saúde previa o termo
De acordo com despacho da pasta, assinado por dois homens e uma mulher – a coordenadora-geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, o termo “violência obstétrica” se refere ao uso intencional da força e, portanto, não é aplicável a todos os incidentes que ocorrem durante a gestação, parto ou puerpério.
O Ministério da Saúde alega que este é um termo que “tem conotação inadequada” e “prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério”. Para a pasta, a expressão é “imprópria” porque “tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.
O ministério afirma, ainda, que tem buscado “qualificar a atenção ao parto e nascimento” em suas estratégias. Segundo o documento, “a expressão ‘violência obstétrica’ não agrega valor e, portanto, estratégias têm sido fortalecidas para a abolição do seu uso com foco na ética e na produção de cuidados em saúde qualificada”.
Para o Ministério da Saúde, o termo “violência obstétrica” não deve ser usado de maneira indiscriminada, “principalmente se associado a procedimentos técnicos indispensáveis para resolução urgente de situações críticas à vida do binômio mãe-bebê relacionados ao momento do parto”.
Entretanto, em suas diretrizes de atenção à saúde das mulheres com deficiência e mobilidade reduzida, de janeiro de 2018, o ministério citava artigos acadêmicos ao definir a violência obstétrica como “a violência institucional na atenção obstétrica promovida pela organização do serviço e pelos profissionais de saúde contra a mulher grávida durante a assistência ao pré-natal, parto, pós-parto, cesárea e abortamento”.
Como exemplos desse tipo de violência, o documento menciona:
negação do direito à maternidade;
negação de sua sexualidade;
julgamentos, chacotas e piadas;
falas infantilizadas para se referir à mulher;
desrespeito do direito à acessibilidade da informação durante o acompanhamento pré-natal, parto e aborto;
restrição da participação da mulher no parto;
cesáreas desnecessárias e indesejadas;
laqueadura sem consentimento;
quebra de sigilo e da confidencialidade;
descaso nas situações de violência física, psicológica e sexual;
descaso sobre o direito ao planejamento reprodutivo e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis, vírus da imunodeficiência humana (IST/HIV/Aids);
barreiras físicas para o acesso ao serviço de saúde;
falta de acessibilidade para marcação de consultas e realização de exames.
Conheça as recomendações da Febrasgo para evisar acusação de violência obstétrica
Ressalta-se que a questão central para não promover ações violentas na assistência ao Parto é o respeito a autonomia da mulher, assegurando também a beneficência e a não-maleficência nesse processo.
Nesse sentindo, a comunicação clara, o diálogo e o vínculo entre parturiente, família e equipe de assistência ao nascimento é o caminho natural e mais seguro para que se evitem situações percebidas como violentas, lembrando que algumas ações passam a ser entendidas como Violência Obstétrica quando utilizadas inadvertidamente, de forma imposta ou ferindo às evidências, desconsiderando a condição de sujeito da parturiente.
São recomendadas pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), pela Organização Mundial da Saúde (13), pela Comissão Nacional de Incorporação das Tecnologias no SUS (14) como boas práticas de assistência ao trabalho de parto e parto:
Individualidade
– Converse e oriente as parturientes chamando-a pelo seu nome. Jamais utilize de apelidos ou abreviações, exceto quando solicitado pela paciente.
Momento de internação na maternidade
– Sempre que possível, internar a gestante para assistência ao parto quando esta estiver na fase ativa de trabalho de parto.
Acompanhantes
– Estimule e facilite a presença do/a acompanhante, de livre escolha da parturiente, no ambiente de assistência ao trabalho de parto e parto, sem restrição de trânsito. Quando possível, deixe que a família da gestante frequente o local em que a gestante está em trabalho de parto. Além disso, inclua os acompanhantes na discussão e informação do que está sendo feito na assistência.
Dietas
– Liberdade para ingestão de líquidos claros durante o trabalho de parto ativo para gestantes de Risco Obstétrico Habitual.
Preparo para o parto
– Pergunte a mulher o que ela deseja quanto a tricotomia e enemas;
– Não realize tricotomia compulsoriamente;
– Não realizar enema ou laxativos como rotina.
Monitorização fetal
– Manter ausculta fetal intermitente nas pacientes de baixo risco (a cada 30 minutos na fase ativa do trabalho de parto, e a cada 5 minutos no período expulsivo), preferencialmente permitindo que a parturiente e acompanhantes também possam ouvir os batimentos cardíacos fetais.
Parto
– Discuta e respeite a liberdade de escolha da gestante ao escolher a posição mais confortável para o parto, estimulando as posições verticalizadas;
– Ofereça métodos não farmacológicos de alivio da dor, incluindo o apoio contínuo durante o trabalho de parto;
– Deixe que a gestante/parturiente escolha o momento de ter a analgesia farmacológica do parto, informando a ela que isso é uma escolha dela e que não irá prejudicar a evolução do parto;
– Não realizar episiotomia de rotina, e quando houver a percepção de que há necessidade da mesma, informe, explique e justifique esta necessidade para a parturiente e acompanhante, realizando-se após seu consentimento que virá naturalmente quando mostramos a ela que a estamos respeitando;
– Imediatamente após o nascimento, estimule e promova o contato pele a pele da mãe e seu filho, independentemente se for parto vaginal ou parto cesárea. Peça diretamente, quando necessário, que o pediatra promova e facilite este contato;
– Promova medidas de redução de hemorragia no 4º período do parto. (uso sistemático de ocitocina intramuscular).
Veja a nota do Ministério da Saúde
“As orientações sobre o uso do termo ‘violência obstétrica’ foram publicadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em outubro de 2018, pelo parecer CFM 32/2018. A entidade é responsável pela regulamentação da atividade médica no país. Acompanhando a instrução e atendendo ao apelo de entidades médicas, o Ministério da Saúde publicou despacho no qual orienta que o termo “violência obstétrica” não deve ser usado de maneira indiscriminada, principalmente se associado a procedimentos técnicos indispensáveis para resolução urgente de situações críticas à vida do binômio mãe-bebê relacionados ao momento do parto.
É importante ressaltar que o Ministério da Saúde pauta todas suas recomendações pela melhor evidência cientifica disponível, guiadas pelos princípios legais, pelos princípios éticos fundamentais de cada categoria profissional, pela humanização do cuidado e pelos princípios conceituais e organizacionais do Sistema Único de Saúde. As estratégias adotadas visam reforçar o compromisso de fortalecer e qualificar o cuidado humanizado no país.”
Veja a nota da Andef na íntegra
POSICIONAMENTO OFICIAL FEBRASGO SOBRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Embora a expressão “Violência Obstétrica” tenha ganhado repercussão nos últimos anos, o debate acerca da violência institucional contra a mulher em trabalho de parto não é recente, como nos mostra artigo publicado no Lancet em 2002 (1). A intensificação do debate, contudo, coincide com a emergência de uma nova construção legal que engloba elementos da qualidade da assistência obstétrica e maus tratos às mulheres durante o parto (2).
Deste modo, o termo consagrado na literatura científica internacional – “violência obstétrica” – é um construto legal que inclui o tratamento desrespeitoso e abusivo que as mulheres podem experienciar durante a assistência à gravidez, parto e puerpério (3-5), bem como outros elementos de cuidado de má qualidade, como a não aderência às melhores práticas baseadas em evidências científicas (3, 5-7).
Há evidências sólidas e crescentes de uma série de práticas desrespeitosas e violentas que as mulheres experimentam em instalações de atendimento obstétrico, particularmente durante o parto, sendo este um ponto sem grandes divergências na literatura (1, 2, 3). É mister reconhecer, contudo, que, conquanto as evidências comprovem a violência obstétrica como uma realidade, não há consenso em nível global sobre como essas ocorrências são definidas e medidas (1, 2).
Neste sentido, vale destacar que as atitudes e ações agrupadas na expressão violência obstétrica não se restringem aos atos dos profissionais de saúde, embora os inclua. A literatura revela que a violência pode decorrer de falhas sistêmicas nos diferentes níveis de atenção dos sistemas de saúde (2, 3, 4) e inclui uma variedade de atos intencionais ou inadvertidos que possam vir a causar sofrimento ou ferir autonomia da paciente (1, 4-10).
Deste modo, inclui atos intencionais de violência emocional, verbal e sexual, além de uma miríade de práticas obstétricas, sem respaldo pelas evidências e potencialmente prejudiciais como episiotomia desnecessária, abandono ou recusa em ajudar as mulheres durante o parto, falta de empatia do provedor e falta de informação, discussão e consentimento da mulher para as intervenções obstétricas que podem ser necessárias durante a assistência (1, 3-8).
É crucial, contudo, destacar que reconhecer a violência obstétrica como uma realidade, não significa culpabilizar nenhuma categoria profissional específica, posta que esta se consolida em termos estruturais (11). A violência obstétrica é uma expressão de violência durante a prestação de cuidados de saúde, que ocorre em um ambiente social e em sistemas de saúde cujos fundamentos políticos e econômicos fomentam o desenvolvimento de relações de poder (1, 12). Assumir a violência obstétrica como uma realidade a ser enfrentada não enfraquece os obstetras como categoria profissional. Ao contrário, a fortalece, uma vez que os profissionais de saúde também estão expostos a prejuízos oriundos da mesma estrutura que sustenta a institucionalização de práticas violentas contra as mulheres (12).
Deste modo, a busca constante por uma assistência materno-infantil de qualidade passa pelo enfrentamento da violência obstétrica (1,2) e reconhecer que a estrutura dos serviços é violenta contra os profissionais reforça a necessidade de enfrentamento à violência obstétrica, sendo também a recíproca verdadeira (12).
Como médicos Obstetras temos uma grande oportunidade em mostrar as mulheres que estamos ao lado delas na busca por uma assistência obstétrica de qualidade, que respeite sempre e acima de tudo cada gestante na sua individualidade e nos seus desejos para o seu parto.
Da Redação, com Agências e assessorias