Na Semana das Mães, uma nova polêmica atinge diretamente o sagrado direito da mulher de dar à luz em ambiente tranquilo, seguro e com respeito. Na sexta-feira passada (3 de maio), o Ministério da Saúde recomendou que seja evitado e até abolido em documentos de políticas públicas o termo “violência obstétrica”.
A expressão é usada no mundo inteiro e também por aqui para definir casos de violência física ou psicológica contra mulheres e recém-nascidos na gestação ou na hora do parto, que vão desde insultos verbais até procedimentos dolorosos desnecessários e más indicações de cesariana nas maternidades. E não são poucos os casos.
A pesquisa Nascer no Brasil, da Fiocruz, mostrou que 53,5% das entrevistadas que tiveram parto normal passaram por episiotomia, um corte entre a vagina e o ânus feito desnecessária e indiscriminadamente). Outras 36% passaram por manobra de Kristeller, quando o profissional de saúde empurra a barriga para fazer o bebê sair, o que é totalmente contraindicado e ainda pode causar danos graves, como a quebra de costelas.
“A cinco dias do Dia das Mães, é inquestionável o retrocesso nos direitos das mulheres promovido pelo Ministério da Saúde com a medida, que está na contramão do trabalho realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pautado na redução da mortalidade materna, em muitos casos provocada pela violência obstétrica”, diz nota da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) que repudia a nova orientação.
A Andef considera a extinção do termo “um verdadeiro preciosismo político, visto que a justificativa do Governo Federal foi associá-lo ao viés ideológico”. A ideia seria um contraponto aos avanços do movimento em favor do parto humanizado, que foi abraçado em campanhas do próprio Ministério da Saúde nos governos do PT (veja ao final a íntegra da nota). 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) adota o termo e o define como “a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida”.

Médicos são contra uso da expressão

O Ministério alega que o despacho atendeu ao “apelo de entidades médicas”, o que é em si preocupante, já que não é exatamente isso o que deveria pautar documentos, ações e políticas públicas.  “Essa discussão fez muitos médicos repensarem procedimentos para não serem processados”, afirma a obstetra Débora Rosa, professora da UFRJ’”, no Uol.

A classe médica vem há anos assumindo uma posição de enfrentamento a esses movimentos, mesmo após muitos dados revelarem que, em gestações de baixo risco, os partos realizados fora do ambiente hospitalar, em locais como centros de parto normal, e acompanhados por outros profissionais, como enfermeiras, são mais recomendados.

Conselho Federal de Medicina já havia recomendado o fim do uso da expressão “violência obstétrica” num documento segundo o qual ela teria “se voltado em desfavor da nossa especialidade, impregnada de uma agressividade que beira a histeria”.

No parecer 32/2018, o CFM afirmou: “A expressão ‘violência obstétrica’ é uma agressão contra a medicina e especialidade de ginecologia e obstetrícia, contrariando conhecimentos científicos consagrados, reduzindo a segurança e a eficiência de uma boa prática assistencial e ética.”

  • Membros da comunidade médica se sentem ofendidos, especialmente, por movimentos que defendem alternativas à assistência obstétrica provida por médicos. Recentemente o Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) proibiu os profissionais do estado de aderirem ao plano de parto das gestantes.

    “Os médicos entendem que a autonomia da mulher deve ter limites, principalmente quando existem fatores que possam colocar tanto a mãe quanto a criança em risco se o parto vaginal for escolhido, e em local que não seja o hospital”, diz o parecer do CFM.

    Preocupada com a crescente polêmica em torno do tema, em janeiro deste ano a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) divulgou recomendações sobre as práticas na assistência ao parto, para evitar acusações de violência obstétrica (veja abaixo).

    “O entendimento é de que a comunicação clara, o diálogo e o vínculo entre parturiente, família e equipe de assistência ao nascimento é o caminho natural e mais seguro para evitar situações percebidas como violentas, lembrando que algumas ações passam a ser entendidas como Violência Obstétrica quando utilizadas inadvertidamente”, diz a entidade, em nota emitida em janeiro.

    Com o intuito de qualificar dia a dia a assistência ao parto, de assegurar ininterruptamente que o respeito à autonomia da mulher seja a tônica da relação médico-paciente, a Federação também divulgou um posicionamento oficial sobre Violência Obstétrica.

    “Investir na formação profissional dos médicos que assistem o parto é uma de nossas obrigações”, comentou à época o presidente da Febrasgo, César Eduardo Fernandes. “Algumas práticas obstétricas que eram plenamente aceitáveis e indicadas décadas atrás não são mais recomendadas nos dias de hoje. Há uma tendência a ser menos intervencionista na assistência ao parto”, diz o texto.

    Em contrapartida, a Federação aponta falhas sistémicas serem solucionadas com urgência, como as condições inadequadas para atender à paciente, a falta de leito para interná-la e medicamentos nas prateleiras. “Um cenário que representa truculência não só contra a paciente, mas também contra os tocoginecologistas e demais profissionais da saúde”.

    Sobre o parto cesárea, esclarece ser considerado pelas principais sociedades médicas do mundo como fator essencial para salvar vidas de mães e crianças. “Todas as mulheres têm o direito e devem conversar com os seus médicos sobre as vias e formas de parto, vantagens e desvantagens, quando cada procedimento é indicado. O diálogo é sempre fundamental, assim como o respeito à decisão da paciente”, diz Carlos Henrique Mascarenhas da Silva, membro da Comissão de Defesa Profissional e presidente da Sogimig(Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais). 

Em 2018, Ministério da Saúde previa o termo

De acordo com despacho da pasta, assinado por dois homens e uma mulher – a coordenadora-geral de Saúde das Mulheres, Mônica Almeida Neri, o termo “violência obstétrica” se refere ao uso intencional da força e, portanto, não é aplicável a todos os incidentes que ocorrem durante a gestação, parto ou puerpério.

O Ministério da Saúde alega que este é um termo que “tem conotação inadequada” e “prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério”. Para a pasta, a expressão é “imprópria” porque “tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.

O ministério afirma, ainda, que tem buscado “qualificar a atenção ao parto e nascimento” em suas estratégias. Segundo o documento, “a expressão ‘violência obstétrica’ não agrega valor e, portanto, estratégias têm sido fortalecidas para a abolição do seu uso com foco na ética e na produção de cuidados em saúde qualificada”.

Para o Ministério da Saúde, o termo “violência obstétrica” não deve ser usado de maneira indiscriminada, “principalmente se associado a procedimentos técnicos indispensáveis para resolução urgente de situações críticas à vida do binômio mãe-bebê relacionados ao momento do parto”.

Entretanto, em suas diretrizes de atenção à saúde das mulheres com deficiência e mobilidade reduzida, de janeiro de 2018, o ministério citava artigos acadêmicos ao definir a violência obstétrica como “a violência institucional na atenção obstétrica promovida pela organização do serviço e pelos profissionais de saúde contra a mulher grávida durante a assistência ao pré-natal, parto, pós-parto, cesárea e abortamento”.

Como exemplos desse tipo de violência, o documento menciona:

negação do direito à maternidade;

negação de sua sexualidade;

julgamentos, chacotas e piadas;

falas infantilizadas para se referir à mulher;

desrespeito do direito à acessibilidade da informação durante o acompanhamento pré-natal, parto e aborto;

restrição da participação da mulher no parto;

cesáreas desnecessárias e indesejadas;

laqueadura sem consentimento;

quebra de sigilo e da confidencialidade;

descaso nas situações de violência física, psicológica e sexual;

descaso sobre o direito ao planejamento reprodutivo e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis, vírus da imunodeficiência humana (IST/HIV/Aids);

barreiras físicas para o acesso ao serviço de saúde;

falta de acessibilidade para marcação de consultas e realização de exames.

Conheça as recomendações da Febrasgo para evisar acusação de violência obstétrica 

Ressalta-se que a questão central para não promover ações violentas na assistência ao Parto é o respeito a autonomia da mulher, assegurando também a beneficência e a não-maleficência nesse processo.

Nesse sentindo, a comunicação clara, o diálogo e o vínculo entre parturiente, família e equipe de assistência ao nascimento é o caminho natural e mais seguro para que se evitem situações percebidas como violentas, lembrando que algumas ações passam a ser entendidas como Violência Obstétrica quando utilizadas inadvertidamente, de forma imposta ou ferindo às evidências, desconsiderando a condição de sujeito da parturiente.

São recomendadas pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), pela Organização Mundial da Saúde (13), pela Comissão Nacional de Incorporação das Tecnologias no SUS (14) como boas práticas de assistência ao trabalho de parto e parto:

Individualidade

– Converse e oriente as parturientes chamando-a pelo seu nome. Jamais utilize de apelidos ou abreviações, exceto quando solicitado pela paciente.

Momento de internação na maternidade

– Sempre que possível, internar a gestante para assistência ao parto quando esta estiver na fase ativa de trabalho de parto.

Acompanhantes

– Estimule e facilite a presença do/a acompanhante, de livre escolha da parturiente, no ambiente de assistência ao trabalho de parto e parto, sem restrição de trânsito. Quando possível, deixe que a família da gestante frequente o local em que a gestante está em trabalho de parto. Além disso, inclua os acompanhantes na discussão e informação do que está sendo feito na assistência.

Dietas

– Liberdade para ingestão de líquidos claros durante o trabalho de parto ativo para gestantes de Risco Obstétrico Habitual.

Preparo para o parto

– Pergunte a mulher o que ela deseja quanto a tricotomia e enemas;
– Não realize tricotomia compulsoriamente;
– Não realizar enema ou laxativos como rotina.

Monitorização fetal

– Manter ausculta fetal intermitente nas pacientes de baixo risco (a cada 30 minutos na fase ativa do trabalho de parto, e a cada 5 minutos no período expulsivo), preferencialmente permitindo que a parturiente e acompanhantes também possam ouvir os batimentos cardíacos fetais.

Parto

– Discuta e respeite a liberdade de escolha da gestante ao escolher a posição mais confortável para o parto, estimulando as posições verticalizadas;
– Ofereça métodos não farmacológicos de alivio da dor, incluindo o apoio contínuo durante o trabalho de parto;
– Deixe que a gestante/parturiente escolha o momento de ter a analgesia farmacológica do parto, informando a ela que isso é uma escolha dela e que não irá prejudicar a evolução do parto;
– Não realizar episiotomia de rotina, e quando houver a percepção de que há necessidade da mesma, informe, explique e justifique esta necessidade para a parturiente e acompanhante, realizando-se após seu consentimento que virá naturalmente quando mostramos a ela que a estamos respeitando;
– Imediatamente após o nascimento, estimule e promova o contato pele a pele da mãe e seu filho, independentemente se for parto vaginal ou parto cesárea. Peça diretamente, quando necessário, que o pediatra promova e facilite este contato;
– Promova medidas de redução de hemorragia no 4º período do parto. (uso sistemático de ocitocina intramuscular).

Veja a nota do Ministério da Saúde

“As orientações sobre o uso do termo ‘violência obstétrica’ foram publicadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em outubro de 2018, pelo parecer CFM 32/2018. A entidade é responsável pela regulamentação da atividade médica no país. Acompanhando a instrução e atendendo ao apelo de entidades médicas, o Ministério da Saúde publicou despacho no qual orienta que o termo “violência obstétrica” não deve ser usado de maneira indiscriminada, principalmente se associado a procedimentos técnicos indispensáveis para resolução urgente de situações críticas à vida do binômio mãe-bebê relacionados ao momento do parto.

É importante ressaltar que o Ministério da Saúde pauta todas suas recomendações pela melhor evidência cientifica disponível, guiadas pelos princípios legais, pelos princípios éticos fundamentais de cada categoria profissional, pela humanização do cuidado e pelos princípios conceituais e organizacionais do Sistema Único de Saúde. As estratégias adotadas visam reforçar o compromisso de fortalecer e qualificar o cuidado humanizado no país.”

Veja a nota da Andef na íntegra

A Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef) repudia com veemência o despacho do Ministério da Saúde que abole o termo “violência obstetríca”, usado para definir casos de violência física ou psicológica contra mulheres e recém-nascidos na gestação ou na hora do parto. 
A Anadef julga a extinção do termo um verdadeiro preciosismo político, visto que a justificativa do Governo Federal foi associá-lo ao viés ideológico. A cinco dias do Dia das Mães, é inquestionável o retrocesso nos direitos das mulheres promovido pelo Ministério da Saúde com a medida, que está na contramão do trabalho realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pautado na redução da mortalidade materna, em muitos casos provocada pela violência obstétrica
Para os defensores e defensoras federais, a violência obstétrica continua sendo qualquer ato de irresponsabilidade ou agressão praticado contra gestantes e o bebê durante o atendimento nas maternidades. A Anadef se solidariza com todas as mães do Brasil e reafirma a sua luta contra qualquer violência à mulher, seja ela física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual.
Veja o posicionamento oficial da Febrasgo sobre violência obstétrica

POSICIONAMENTO OFICIAL FEBRASGO SOBRE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Embora a expressão “Violência Obstétrica” tenha ganhado repercussão nos últimos anos, o debate acerca da violência institucional contra a mulher em trabalho de parto não é recente, como nos mostra artigo publicado no Lancet em 2002 (1). A intensificação do debate, contudo, coincide com a emergência de uma nova construção legal que engloba elementos da qualidade da assistência obstétrica e maus tratos às mulheres durante o parto (2).

Deste modo, o termo consagrado na literatura científica internacional – “violência obstétrica” – é um construto legal que inclui o tratamento desrespeitoso e abusivo que as mulheres podem experienciar durante a assistência à gravidez, parto e puerpério (3-5), bem como outros elementos de cuidado de má qualidade, como a não aderência às melhores práticas baseadas em evidências científicas (3, 5-7).

Há evidências sólidas e crescentes de uma série de práticas desrespeitosas e violentas que as mulheres experimentam em instalações de atendimento obstétrico, particularmente durante o parto, sendo este um ponto sem grandes divergências na literatura (1, 2, 3). É mister reconhecer, contudo, que, conquanto as evidências comprovem a violência obstétrica como uma realidade, não há consenso em nível global sobre como essas ocorrências são definidas e medidas (1, 2).

Neste sentido, vale destacar que as atitudes e ações agrupadas na expressão violência obstétrica não se restringem aos atos dos profissionais de saúde, embora os inclua. A literatura revela que a violência pode decorrer de falhas sistêmicas nos diferentes níveis de atenção dos sistemas de saúde (2, 3, 4) e inclui uma variedade de atos intencionais ou inadvertidos que possam vir a causar sofrimento ou ferir autonomia da paciente (1, 4-10).

Deste modo, inclui atos intencionais de violência emocional, verbal e sexual, além de uma miríade de práticas obstétricas, sem respaldo pelas evidências e potencialmente prejudiciais como episiotomia desnecessária, abandono ou recusa em ajudar as mulheres durante o parto, falta de empatia do provedor e falta de informação, discussão e consentimento da mulher para as intervenções obstétricas que podem ser necessárias durante a assistência (1, 3-8).

É crucial, contudo, destacar que reconhecer a violência obstétrica como uma realidade, não significa culpabilizar nenhuma categoria profissional específica, posta que esta se consolida em termos estruturais (11). A violência obstétrica é uma expressão de violência durante a prestação de cuidados de saúde, que ocorre em um ambiente social e em sistemas de saúde cujos fundamentos políticos e econômicos fomentam o desenvolvimento de relações de poder (1, 12). Assumir a violência obstétrica como uma realidade a ser enfrentada não enfraquece os obstetras como categoria profissional. Ao contrário, a fortalece, uma vez que os profissionais de saúde também estão expostos a prejuízos oriundos da mesma estrutura que sustenta a institucionalização de práticas violentas contra as mulheres (12).

Deste modo, a busca constante por uma assistência materno-infantil de qualidade passa pelo enfrentamento da violência obstétrica (1,2) e reconhecer que a estrutura dos serviços é violenta contra os profissionais reforça a necessidade de enfrentamento à violência obstétrica, sendo também a recíproca verdadeira (12).

Como médicos Obstetras temos uma grande oportunidade em mostrar as mulheres que estamos ao lado delas na busca por uma assistência obstétrica de qualidade, que respeite sempre e acima de tudo cada gestante na sua individualidade e nos seus desejos para o seu parto.

Da Redação, com Agências e assessorias

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