Agosto é conhecido como o mês de conscientização pelo fim da violência contra as mulheres, situação preocupante e crescente em todo o país. Segundo o Anuário da Segurança Pública, houve crescimento em 2022 de todas formas de violência contra a mulher no Brasil. Os números representam mais casos de feminicídio, lesões, ataques físicos e também psicológicos, como ameaças. O Brasil bateu recorde de feminicídio no ano de 2022. Os casos sofreram aumento de 6,1%, com 1.437 vítimas.
Ainda neste contexto, a situação se torna mais grave em muitas cidades da Região Nordeste, onde falta uma rede de apoio à mulher vítima de violência. É o que mostra um estudo da Agência Tatu que revelou que seis estados do Nordeste – Alagoas, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe – registraram um aumento de 22% nos casos de violência contra a mulher no primeiro semestre de 2023.
Os casos incluem lesão corporal, ameaça, vias de fato, injúria, violência doméstica, estupro, perseguição, difamação, entre outros agrupamentos que são feitos de forma diferenciada pelo setor responsável de cada estado. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Agência Tatu, que solicitou para as nove unidades federativas da Região Nordeste, mas só recebeu as informações de seis.
Bahia, Piauí e Paraíba não responderam o pedido conforme o solicitado via LAI. Enquanto a Bahia sequer enviou os dados, o Piauí enviou os dados equivocados e a Paraíba enviou somente as informações de 2022, sob o argumento de que “os dados referentes ao ano de
Revitimização na Justiça: juiz ofende mulheres no Ceará
Dentre os estados analisados, Ceará registrou o maior aumento percentual dos casos de violência contra a mulher enquadrados na Lei Maria da Penha (nº 11.340), com 29,4%, de janeiro a junho de 2023, quando comparados com o mesmo período de 2022. Em seguida, Alagoas teve 25,78% mais casos, somente no primeiro semestre.
Não bastasse o alto índice de agressões praticados, em sua maioria, por maridos e companheiros violentos, muitas mulheres ainda são alvo de revitimização dentro dos órgãos de justiça. Foi o que ocorreu no último dia 26 de julho, no Fórum de Juazeiro do Norte, Interior do Ceará, quando 10 mulheres participaram da audiência da ação cível com pedido de indenização a partir dos crimes sexuais cometidos por um médico após um ano e meio de espera.
Das 9h às 13h, as mulheres estiveram na presença do juiz Francisco José Mazza Siqueira. O que elas não esperavam era, naquele momento de ‘vulnerabilidade’, ser revitimizadas, desta vez, segundo denunciantes, pelo próprio magistrado. A sessão se tornou um “circo de horrores”, como definiu o advogado das vítimas sobre o ocorrido.
“Quem acha que é mulher é tudo boazinha, tão tudo enganado, viu. Eita bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta nas partes baixas, são as mulheres”, disse o juiz.
Casos de violência contra a mulher no primeiro semestre de 2023 em seis estados do Nordeste:
Mais denúncias pelas vítimas, mais conscientes de seus direitos
Segundo a advogada Paula Lopes, especialista em Direitos Humanos e em Proteção às Mulheres Vítimas de Violência, esse aumento no número de casos de violência não está relacionado somente ao maior número de violências cometidas, mas também pode significar que há um maior número de denúncias feitas pelas vítimas, que cada vez mais estão sendo conscientizadas de seus direitos.
“Passamos por seis anos de uma política de desestabilização e também de enfraquecimento da rede de proteção às mulheres. Houve cortes, a gente presenciou também muitas situações de machismo na esfera política e um desmonte das políticas públicas, sobretudo para as mulheres. Então isso ainda é consequência”, explica a especialista.
Ainda segundo ela, hoje existe um movimento de mulheres muito forte e articulado, fazendo um movimento popular, dizendo para as mulheres o tempo todo que ‘denuncie, corra atrás dos seus direitos, existe lei, e é preciso ter uma rede maior’, e com isso as mulheres se sentem confiantes, por entenderem que existem mais mulheres lutando por elas”.
Idade média das vítimas de violência
Com os dados obtidos via LAI também é possível observar que a média de idade mais comum entre as vítimas varia de 34 a 37 anos nesses estados. A média foi realizada com dados de 2022 a junho de 2023.
Localidade das violências
Com os dados recebidos via LAI também foi possível perceber que as capitais apresentam mais casos do que a soma de todos os demais municípios de cada um dos seis estados.
Um dos fatores que pode explicar essa situação é o acesso a mecanismos de denúncias e à rede de proteção à mulher, que é mais escasso em municípios do interior.
O estado que apresenta maior discrepância entre capital e interior é o Rio Grande do Norte, seguido de Sergipe e Alagoas. Confira os casos nas capitais e demais municípios (dados de janeiro a junho de 2023 proporcionais a 100 mil habitantes).
Mulher é morta na frente dos filhos em Maceió
Ainda de acordo com a advogada, existe uma falta de assistência às mulheres residentes em periferias da capital e mais ainda em regiões de interior, distantes da capital, o que termina ocasionando em um isolamento dessas mulheres que precisam de uma assistência especializada por parte do Estado.
“Não é uma rede que chega a todas as mulheres, como por exemplo, às mulheres que moram no interior. Elas têm muito menos acessos, porque na maioria das cidades do interior não existem os OPMs, que são os Organismos de Proteção às Mulheres. São os serviços como as salas lilás, os CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], são as organizações de mulheres que ali acolhem, protegem e encaminham para o serviço público, para que ela saia de vez da situação de violência. Então a gente precisa ampliar isso”, afirma a especialista.
Paula Lopes menciona um caso recente de feminicídio que ocorreu em um bairro periférico de Maceió, em que Fabiana Cassimiro da Silva, de 37 anos, morreu esfaqueada na frente dos filhos por não querer reatar o relacionamento.
“O feminicídio da Fabiana revela uma situação de isolamento em que as periferias de Maceió ainda vivem. Lá nas periferias não tem organismo de proteção. Tem uma delegacia que é bem distante das comunidades e a gente tá falando de bairros como o Tabuleiro do Martins e o Benedito Bentes que são imensos, super habitados, porque tem muitas casas, tem barracos de lona, tem estruturas de favela e tem poucos acessos básicos democráticos”, relata Lopes.
A advogada com perspectiva de gênero, mentora de Feminismo e Inclusão e líder de empoderamento Mayra Cardozo especialista em Direitos Humanos e Penal. Ela fala sobre diversos temas que envolvem as mulheres e questões de violência.
Existe solução para o problema da violência?
A campanha nacional Agosto Lilás divulga e reforça as medidas de enfrentamento à violência contra mulher. O Instituto Maria da Penha, que estimula o combate à violência contra a mulher, já ajudou mais de 127 mil mulheres, com a participação de 108,6 mil profissionais de todas as unidades administrativas.
Para a especialista, “não existe uma sequência mágica que faça acabar com a violência contra a mulher”. No entanto, existem estatísticas que demonstram as falhas no atendimento da rede de proteção à mulher e formas de melhorar esse serviço, que é de extrema importância, especialmente para as mulheres em situação de vulnerabilidade social.
Paula Lopes também explica que o combate à violência contra a mulher não pode vir de forma isolada, mas sim de várias formas.
“A violência contra mulher, diferente de outros tipos de violência, ela é combatida com política pública, com amparo, com educação, com cesta básica, para que as mulheres e seus familiares possam ser mantidos, com política de habitação, para que essa mulher saia de casa e tenha uma outra casa para morar, e com muita proteção, porque não adianta a gente falar ‘denuncie!” se no final das contas a gente não garantir a essa mulher a proteção contra o agressor”, conclui.
Como denunciar
Mulheres em situação de violência podem buscar atendimento pela Central de Atendimento à Mulher – Disque 180, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Também é possível denunciar ou buscar ajuda ligando para o 190 da Polícia Militar.