Quem nunca ficou com aquela dor de cabeça depois de uma noite inteira na balada, com algumas doses a mais? Essa cefaleia pontual não chega a causar grandes transtornos: nada que o sono regularizado, muito líquido e alimentação saudável não ajudem a superar em até 24 horas. Mas aquela dor intensa que tira a pessoa do prumo e até a impossibilita de sair de casa é uma realidade para muitos brasileiros. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a enxaqueca é considerada a quarta doença crônica mais incapacitante do mundo, além de um problema que atinge mais de 90% da população brasileira, como aponta a Sociedade Brasileira de Cefaleia.
Segundo a neurologista Vanessa Müller, existem mais de 250 tipos de dores de cabeça e, muitas vezes, os fatores de gatilho que podem iniciar uma crise, além de curiosos e inusitados, são desconhecidos da maioria das vítimas, que não chegarão a ter um diagnóstico do problema durante toda a vida. O verão é um desses gatilhos. Luciana de Azevedo, de 36 anos, sofre com fortes crises de enxaqueca toda vez que começa a estação mais quente do ano. “É uma sensação horrível, principalmente quando me exponho ao sol, na praia ou na piscina”, conta ela.
Esta razão sazonal tem uma explicação científica. “A maior incidência de luz solar modifica a espessura dos vasos sanguíneos e, durante a estação. muitas pessoas alteram sua rotina de sono, assim como a alimentação, permitindo-se excessos com gordura e bebidas alcoólicas”, explica Vanessa. Segundo ela, a desidratação, a vasodilatação e possivelmente a luminosidade podem ser fatores que propiciam uma maior incidência da enxaqueca. “Além do calor, nosso ciclo de sono, assim como os hábitos alimentares são alterados no verão, e isso tudo pode piorar as dores”, conta ela.
Até o uso de óculos de natação e o consumo de sorvetes podem aumentar a cefaleia. Minha filha, Maria Clara, de 11 anos, por exemplo, relata sentir forte dor de cabeça na hora em que toma um sorvete. Diretora-médica da VTM Neurodiagnóstico, a neurologista listou os fatores mais curiosos que podem iniciar uma crise de dor de cabeça, e que estão relacionados principalmente à estação mais quente do ano.
Cefaleia dos óculos de natação
Muitos esportistas sentem uma incômoda dor de cabeça ao usar viseiras, bonés, óculos escuros ou óculos de natação. Trata-se da dor de cabeça por compressão externa, comum nos adeptos dos acessórios de cabeça – inclusive mulheres, ao usarem tiaras, arcos, presilhas e rabos de cavalo –, e que pode desencadear, até mesmo, uma crise de enxaqueca em quem sofre da doença. A dor por compressão externa é provocada pela pressão de ramos cutâneos por quaisquer artefatos que apertem a cabeça, explica Vanessa.
“A melhor maneira de evitar a dor é parar de usar ou procurar acessórios mais largos e melhor adaptáveis. Se isso não for possível, é importante pelo menos retirar a cada tempo de uso, dando, por exemplo, um intervalo de 15 minutos a cada 45 minutos de uso. Já nas pessoas em que o acessório inicia uma crise de enxaqueca, é preciso tratar a crise especificamente com medicamentos”. A especialista ainda chama atenção para o fato de se tratar de uma dor muito comum, mas ainda pouco reconhecida pelos médicos, que costumam confundi-la com crises de enxaqueca tradicionais.
Cefaleia do sorvete
Sentir a cabeça “gelar” enquanto toma um sorvete em pleno verão é uma experiência bastante desagradável – e mais comum do que se pensa, principalmente em pessoas que já sofrem de enxaqueca. A chamada “dor de cabeça do sorvete” é relacionada a uma súbita e intensa contração, seguida da dilatação dos vasos sanguíneos no interior da cabeça, quando uma substância gelada toca o céu da boca. Apesar de não trazer consequências mais sérias, a dor pode provocar uma verdadeira aversão à ingestão de substâncias geladas. De acordo com a neurologista, não há um tratamento específico, já que sua duração é bastante efêmera, de aproximadamente 10 minutos. “Mas, uma forma simples de evitá-la, é ingerir o alimento ou líquido de forma lenta e em pequenas quantidades”.
Cefaleia do avião
Como se não bastasse o medo de voar, alguns viajantes ainda têm uma preocupação a mais: fortes crises de dor de cabeça. Além de fatores como o estresse e a altitude desencadearem enxaqueca em quem já apresenta tendência para o problema, pesquisas recentes apontam a existência de outro tipo de dor de cabeça deflagrado pelas viagens de avião. Geralmente acompanhada do sentimento de pressão em um dos lados do crânio, a “dor de cabeça do avião” é resultado da variação da pressurização na cabine e pode atingir até mesmo quem nunca apresentou sinais de cefaleia antes.
O resultado dessas alterações é uma dor de cabeça pulsátil e intensa, piorando na decolagem e no pouso e, muitas vezes, acompanhada por alterações na permeabilidade das vias aéreas e sensação de entupimento no ouvido, na testa e nas maçãs do rosto. Felizmente, deixar de voar não é a única solução para quem sofre com a dor de cabeça dos viajantes. “Para quem tem a alteração nas cavidades da cabeça e sente dor só quando voa, duas opções de tratamento são o uso de drogas vasoconstrictoras e antialérgicas ou, em último caso, as cirurgias de raspagem da mucosa dos seios paranasais”, diz Dra. Vanessa, lembrando que, como se trata de um tipo de dor que vem sendo estudado há relativamente pouco tempo, ainda não há um consenso sobre o tratamento mais adequado para o problema ou mesmo sua denominação.
Cefaleia do final de semana
A relação não é tão direta, mas esse tipo de dor ocorre em pacientes que ingerem várias xícaras de café (ou outras bebidas à base de cafeína) durante a semana de trabalho, e reduzem a quantidade nos finais de semana. De acordo com a Sociedade Internacional de Cefaleia, é classificada como uma das dores de cabeça induzidas pela retirada de substâncias usadas cronicamente. Costuma aparecer algumas horas após a pessoa ingerir a sua última dose de cafeína. No entanto, embora incomode bastante, não chega a incapacitar o paciente para as atividades diárias. Para evitá-la, o recomendado é restringir a ingestão de café durante a semana, impedindo, assim, a súbita abstinência. Quando ocorre a melhora, o consumo em pequenas quantidades volta a ser liberado, já que não será suficiente para manter um estado crônico de intoxicação.
Cefaleia da ressaca
Esse tipo de cefaleia pode não ser o mais curioso, mas, sem dúvida, é bastante conhecido por muita gente. A dor de cabeça provocada pela ressaca tem início com a digestão do álcool pelo organismo, podendo durar várias horas e ser agravada por qualquer esforço físico. “Ela acontece devido ao fato de as bebidas alcoólicas conterem substâncias que dilatam os vasos sanguíneos, provocando a dor”, explica Vanessa. Ela acrescenta que o problema é agravado pela diminuição dos níveis de glicose e a desidratação provocada pelo álcool, razão pela qual é preciso ter muita atenção com a alimentação e a ingestão de água antes e durante as bebedeiras, procurando tomar de um a dois copos entre cada dose de bebida alcoólica ingerida. Outro ponto com o qual a especialista recomenda cuidado é a mistura de vários tipos de bebidas alcoólicas. Essa precaução é essencial principalmente no caso das pessoas que já sofrem de enxaqueca, uma vez que elas são mais sensíveis aos radicais presentes nas bebidas fermentadas, como a cerveja e, principalmente, o vinho tinto, que pode desencadear crises intensas de dor de cabeça.
Fonte: Vanessa Muller – Neurologista e diretora médica da VTM Neurodiagnóstico (RJ)