Tomar remédio sem prescrição médica, interromper o tratamento antes do prazo ou seguir orientações informais da internet. Estas atitudes, ainda comuns, estão entre os principais fatores que contribuem para um problema de saúde pública crescente: a resistência microbiana (RAM). Ela ocorre quando bactérias, vírus, fungos e parasitas deixam de responder aos medicamentos, tornando as infecções mais difíceis de tratar e aumentando o risco de complicações e morte.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a resistência antimicrobiana como uma das 10  maiores ameaças à saúde pública global. A previsão é que ocorram aproximadamente 136 milhões de casos anuais de infecções resistentes a antibióticos no mundo. A OMS projeta que, até 2050, que  poderá causar até 10 milhões de mortes por ano devido a infecções resistentes a medicamentos.

Em outubro, a OMS divulgou o Relatório Mundial de Vigilância da Resistência aos Antibióticos 2025, que reúne dados de mais de 100 países sobre o avanço da resistência bacteriana entre 2018 e 2023. O documento apresenta, pela primeira vez, estimativas globais da prevalência de resistência em 22 antibióticos usados no tratamento de infecções urinárias, gastrointestinais, sanguíneas e sexualmente transmissíveis.

O levantamento é parte do Sistema Mundial de Vigilância da Resistência aos Antimicrobianos e de seu Uso (GLASS) da OMS, que monitora o fenômeno em escala global, e serve de alerta sobre o impacto crescente da RAM em regiões com sistemas de saúde fragilizados. Na Região das Américas, o Brasil está entre os poucos países que participaram ativamente do sistema de vigilância.

A resistência antimicrobiana (RAM) é uma consequência direta do uso inadequado de antibióticos e da disseminação de infecções hospitalares. A previsão é que ocorram aproximadamente 136 milhões de casos anuais de infecções resistentes a antibióticos no mundo. O Brasil é um dos maiores consumidores de antibióticos do mundo, segundo a OMS, superando países como a Europa, Canadá e Japão

De 18 a 24 de novembro acontece a Semana Mundial de Conscientização da Resistência aos Antimicrobianos, iniciativa global liderada pela OMS para reforçar o uso responsável de antibióticos e outros agentes antimicrobianos. Em 2025, o tema da campanha “Aja Agora: Proteja o Nosso Presente, Garanta o Nosso Futuro.” chama a atenção para a necessidade imediata de conter a resistência microbiana, que já coloca em risco os avanços da medicina moderna e dos sistemas de saúde no mundo todo.

resistência antimicrobiana (RAM) é mais comum em locais onde faltam estrutura laboratorial, diagnóstico preciso e vigilância contínua. A OMS destaca que o combate à resistência antimicrobiana depende de uma abordagem integrada entre os setores de saúde humana, animal e ambiental, o conceito ‘Uma Só Saúde’, e requer investimentos contínuos em vigilância, diagnóstico e inovação.

Principais dados do relatório da OMS (2025):

  • Em 2023, uma em cada seis infecções bacterianas comuns mostrou-se resistente aos antibióticos.
  • Entre 2018 e 2023, a resistência a antibióticos aumentou mais de 40%, com crescimento médio anual entre 5% e 15%.
  • As bactérias Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae, frequentemente associadas a infecções urinárias, respiratórias e hospitalares graves, estão entre as principais causas de resistência, associadas a sepse e falência de órgãos.
  • Mais de 40% das infecções por E. coli e 55% por K. pneumoniae são resistentes às cefalosporinas de terceira geração, antibióticos de primeira linha usados em infecções graves.
  • Nas Américas, uma em cada sete infecções já é resistente, número ligeiramente inferior à média global.
  • No Brasil, mais da metade das cepas de Acinetobacter spp., bactéria comum em ambientes hospitalares e que causa pneumonias e infecções na corrente sanguínea, apresentam resistência ao antibiótico imipenem (52,8%), uma das taxas mais altas da região.

 

Mais da metade da população brasileira desconhece riscos

Uso incorreto de antibióticos pode contribuir para o surgimento de bactérias resistentes, o que dificulta tratamentos futuros e reduz as opções terapêuticas disponíveis

No Brasil, um levantamento da plataforma NewsLab, com base em dados da Sociedade Brasileira de Infectologia, mostra que 55,5% da população desconhece a relação entre o uso inadequado de antibióticos e a resistência bacteriana. Além disso, 24,5% dos brasileiros afirmaram ter feito uso desses medicamentos sem prescrição médica ao menos uma vez no último ano.

Quando os antibióticos são utilizados sem prescrição médica ou em doses inadequadas, as bactérias podem desenvolver mecanismos de defesa, tornando-se resistentes aos medicamentos disponíveis”, explica o médico infectologista Julio Onita, coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital IGESP. “Isso dificulta o tratamento de doenças comuns e aumenta o risco de complicações, internações prolongadas e até mortes”, acrescenta.

Especialistas alertam para os riscos associados ao uso indiscriminado de medicamentos, especialmente antibióticos. O uso incorreto de antibióticos é uma prática ainda comum em muitas partes do mundo, incluindo o Brasil. Medicamentos importantes no tratamento de infecções causadas por bactérias, os antibióticos, quando utilizados de maneira inadequada, podem perder sua eficácia ao longo do tempo.

Para  Filipe Piastrelli, infectologista e gerente médico do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o uso consciente de antibióticos é um dos pilares para evitar que essas taxas continuem a crescer.

A resistência bacteriana é um fenômeno natural, mas o uso inadequado e excessivo de antibióticos acelera esse processo. Prescrever ou usar esses medicamentos de forma responsável é fundamental para garantir que continuem eficazes no futuro. Isso envolve não interromper o tratamento antes do tempo recomendado, evitar a automedicação e seguir sempre a orientação médica”, afirma o especialista.

Entre os comportamentos mais frequentes no dia a dia da população estão: a automedicação, a interrupção do tratamento antes do período recomendado e o uso de antibióticos para tratar sintomas típicos de gripes e resfriados, que geralmente têm origem viral. Esse tipo de uso pode contribuir para o surgimento de bactérias resistentes, o que dificulta tratamentos futuros e reduz as opções terapêuticas disponíveis

Uso correto de antibióticos

O uso adequado de antibióticos envolve seguir a orientação de um profissional de saúde, que pode indicar o medicamento mais apropriado para cada situação. É importante respeitar a dosagem, os horários e o tempo de uso recomendado. Mesmo que os sintomas melhorem antes do fim do tratamento, a interrupção precoce pode comprometer a eficácia.

O ideal é não utilizar antibióticos por conta própria, não guardar sobras para uso futuro e não compartilhar o medicamento com outras pessoas. Essas práticas contribuem para preservar a eficácia dos antibióticos e reduzir os riscos associados ao uso inadequado”, finaliza o médico  Julio Onitta.

Leia mais

Um em cada 5 hospitais usa antibióticos na dosagem errada
Por que é tão importante usar antibióticos corretamente?
3 em 4 antibióticos do mundo são usados em animais

Automedicação: a decisão que parece inofensiva, mas põe vidas em risco

A importância de práticas conscientes e seguras com foco na saúde coletiva

A data, que vem ganhando força entre profissionais da saúde e instituições, reforça a urgência de combater a automedicação e o uso incorreto de antibióticos — atitudes que colocam em risco não apenas a saúde individual, mas também a segurança sanitária coletiva, ao favorecer o surgimento de microrganismos resistentes aos tratamentos disponíveis.

O uso inadequado de antibióticos — como o consumo sem receita ou a interrupção precoce do tratamento — contribui diretamente para o surgimento de cepas mais resistentes, que tornam os tratamentos menos eficazes. O problema ultrapassa os limites individuais. Quando alguém se automedica ou usa um remédio antigo por conta própria, está contribuindo para um risco coletivo. A saúde é uma responsabilidade compartilhada..

Para evitar o agravamento do problema, especialistas orientam medidas simples, porém fundamentais: utilizar medicamentos apenas com prescrição, seguir o tratamento completo conforme a recomendação médica e nunca compartilhar ou reaproveitar medicamentos.

O papel dos laboratórios para combater bactérias multirresistentes

A resistência microbiana acontece quando microrganismos como bactérias e vírus se tornam resistentes aos medicamentos que deveriam combatê-los. É um cenário perigoso, pois transforma infecções simples em ameaças reais à vida.

Existem poucos antimicrobianos disponíveis que podem ser utilizados contra as cepas bacterianas mais resistentes, e isso também representa um grande desafio em várias regiões da América do Sul, incluindo o Brasil”, alertou o especialista norueguês Christian Giske, na conferência magna “Antimicrobial Susceptibility Testing Challenges in a Global Antimicrobial Resistance Perspective”, um dos destaques do 57º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (CBPCML), realizado em setembro no Rio de Janeiro

Durante o evento, especialistas nacionais e internacionais do diagnóstico laboratorial discutiram soluções a um problema que afeta diretamente a segurança dos tratamentos médicos e o controle de surtos hospitalares.

Segundo o especialista, os laboratórios de diagnóstico ocupam uma posição-chave nesse combate; “Os laboratórios podem realizar esses testes de forma robusta e reprodutível”, disse, ao abordar problemas adicionais que ainda persistem com determinados medicamentos novos que são difíceis de testar;

O cenário é preocupante, já que cepas resistentes chegam a surgir antes mesmo da introdução de novos antimicrobianos no mercado. Para o Dr. Giske, isso exige atenção redobrada dos profissionais: entender quais antimicrobianos precisam ser testados e em quais situações pode determinar o sucesso ou fracasso de um tratamento.

Entre as bactérias mais críticas, estão Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii, hoje cada vez mais resistentes até mesmo aos antibióticos mais modernos. Por isso, destaca o especialista, o uso racional de antimicrobianos é um caminho indispensável para preservar sua eficácia e frear a escalada da resistência.

Com assessorias

 

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *