Lugar de mulher é onde ela quiser. Inclusive no samba, um meio historicamente dominado pelos homens. E nem importa a idade. Que o diga Clementina de Jesus, ex-empregada doméstica que virou cantora aos 62 anos – ela morreu em 1987, aos 86, deixando um legado importante para o mundo do samba no Brasil. Já Áldima Pereira dos Santos começou há 52 anos, como crooner de orquestras de bailes da Zona Oeste carioca, e adotou o nome artístico de Áurea Martins.

Apesar do enorme talento, Áurea se tornou mais conhecida somente há duas décadas. Hoje, aos 84, celebra o reconhecimento da crítica e do público como a ‘Senhora das Folhas’ – referência a uma música de sua autoria que celebra a ancestralidade e a cultura popular das rezadeiras. O apelido dá nome ao show que Áurea realizou nesta sexta (29), no Teatro Rival Petrobras, um tributo ao poder feminino curador e às raízes ancestrais brasileiras.

Assim como Clementina (in memorian), a octogenária Áurea será homenageada e ainda vai cantar durante a sétima edição do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, que acontece simultaneamente no Rio de Janeiro neste sábado (30), às vésperas do Dia Nacional do Samba (2 de dezembro), com transmissão online simultânea pelo perfil do Instagram @coletivotemmulhernarodadesamba.

Não sou só eu a homenageada, mas sim, todas as mulheres que lutaram e lutam pela conquista desse lugar de destaque no mundo do samba. Ninguém quer duelar com as rodas dos homens, só queremos somar, pra juntos defendermos esse patrimônio que é o samba. Simples assim”, diz Áurea. Para ela, as homenagens são sempre muito especiais para quem recebe e mostram um sinal de que alguma coisa na trajetória chamou atenção de forma positiva.

O maior evento de samba feminino do mundo

O convite para a homenagem foi feito por Dorina, cantora, compositora e apresentadora, que criou em 2017 o encontro que já é considerado o maior evento de samba feminino do mundo. Como sempre, o projeto homenageia uma cantora e foi assim com Beth Carvalho, Elza Soares, Alcione, Teresa Cristina, Leci Brandão e Tia Surica. Este ano, serão duas as homenageadas. Clementina de Jesusin memoriam, e Áurea Martins.

Uma homenagem dessa, com mulheres especiais que estão aí nas rodas, tocando, compondo e valorizando o legado deixado desde Tia Ciata, passa por Elza Soares, Clara Nunes, Beth Carvalho, Dona Ivone, Jovelina, e a minha madrinha Elizeth Cardoso, que mostrou com o icônico álbum ‘Elizeth sobe o Morro’, o valor da voz feminina no mundo do samba, estou muito feliz com essa conexão”, comentou à Agência Brasil.

Conhecido como reduto da resistência negra no Rio de Janeiro, o Renascença Clube, no bairro do Andaraí, zona norte carioca, receberá a sétima edição do evento. Com programação prevista para durar seis horas, a roda de samba vai contar com 30 mulheres, entre cantoras e instrumentistas, que vão espalhar suas vozes e sons por mais 31 cidades, incluindo algumas fora do Brasil, no mesmo dia, horário e com as mesmas músicas.

Tenho certeza que]outras homenageadas] se sentiram como eu me sinto agora, presenteadas por mulheres que nunca vimos pessoalmente, de repente você descobre que sua voz teve eco no Brasil e em outros países. Aí se forma uma grande roda atravessando fronteiras, isso é energia pura pairando no ar. Acredito muito nisso”, completou.

Conheça a trajetória de Áurea Martins

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato da cantora Áurea Martins, homenageada da 7ª edição do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Áurea Martins diz que quer somar aos homens, para juntos defenderem os samba (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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‘Não é só música, é um estilo de vida’, diz Dorina

Aos 65 anos, Dorina, cria de roda de samba, vê que este ritmo sempre foi de conquistas e de resistência. “Não é só um tipo de música; É também uma filosofia de vida que abastece as energias de quem está na roda. Achei que seria uma ótima cama para fazer esse projeto”, revelou em entrevista à Agência Brasil.

O mais importante é que elas não abraçaram só o samba, mas a filosofia que o samba traz, que é essa coisa de se trabalhar junto, estar junto. Prevalece a história contra o racismo, contra a misoginia, contra a xenofobia. A gente trata disso tudo para poder fazer uma corrente por um mundo melhor, não para a gente chegar ao poder, de ser mais que o homem no samba. Não é isso. A gente quer participar e passar essa coisa de afeto mesmo, com segurança”, apontou.

Além da grande homenageada do encontro e de Dorina, estarão presentes Ana Costa, Nina Rosa, Dayse do Banjo, Renata Jambeiro, Nina Wirtti, Lazir Sinval, Tia Surica, os grupos Herdeiras do Samba e Mulheres da Pequena África, sob a direção musical de Ana Paula Cruz e Roberta Nistra. Fora do Brasil, mulheres de várias cidades como Toronto, Canadá, Portugal, Uruguai e Argentina vão participar.

O projeto foi abraçado por todas as mulheres, tanto que a gente começou com 11 cidades, já chegou a 43 e este ano estamos com 32. Possibilitou muitas mulheres a se conectarem com elas mesmas, se conectarem com a nossa história, que a gente não é só isso que falam, mas muito mais”.

Flores em vida e homenagem a quem já fez a passagem

Dorina, criadora do encontro, e Vera, neta de Clementina de Jesus, que recebe homenagem póstuma (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

Dorina reforça a importância de receber homenagens enquanto vivo.  “Quando surgiu essa ideia [de fazer as homenagens no Encontro] queria dar flores em vida para as que estavam aí”, comentou Dorina, em alusão ao samba Quando eu me chamar saudade, em que o compositor Nélson Cavaquinho, escreveu os versos Me dê as flores em vida/O carinho, a mão amiga/Para aliviar meus ais”.

Com Clementina – que faleceu em 1987, aos 86 anos – será a primeira vez que o Encontro faz homenagem a quem já fez a passagem. A ex-empregada doméstica, que trabalhava como cozinheira em festas na zona sul e se celebrizou como intérprete de samba aos 63 anos, foi descoberta cantando na Taberna da Glória, passou a se apresentar no Teatro Jovem, em Botafogo, e depois nas noitadas do Teatro Opinião, em Copacabana.

No Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, Clementina será representada pela neta Vera de Jesus, também cantora. Ela destacou ainda a felicidade pelo papel que a avó tem no samba e na música, especialmente na época em que a Bossa Nova estava no auge. “Era um movimento muito forte e ela chega com aquela voz dela, singular”, observou.

Ancestralidade no samba: a influência das mais velhas

Rio de Janeiro (RJ) 27/11/2024 – Retrato das cantoras Dorina, idealizadora do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, e Vera de Jesus, neta de Clementina de Jesus, homenageada in memoriam da 7ª edição do evento. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Dorina, idealizadora do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, e Vera de Jesus, neta de Clementina de Jesus, homenageada in memoriam no Encontro (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Desde pequena, Vera se encantava quando a avó ficava cantando enquanto trabalhava e depois. “Sempre ouvia ela cantando e achava aquilo muito bonito. Algumas vezes eu ia lá acompanhando e a via cantando. Aí que me apaixonei de verdade mesmo. Aquilo entrou no meu sangue e não saiu mais. Ela me influenciou demais. Ela é minha musa inspiradora”, diz Vera.

Eu estou muito feliz e muito grata, primeiro que o projeto da Dorina é uma coisa linda e ela homenageia várias mulheres. Agora é a vez da vovó e da Áurea Martins, em vida. A vovó tem tudo a ver com esse movimento, porque quando ela surgiu teve um protagonismo feminino, trouxe isso com ela em uma época que era dominada pelos homens. Ela chegou, chegando mesmo e desde lá já tinha essa visão de estar desbravando o lugar da mulher no samba”, disse Vera.

Conheça a trajetória de Clementina de Jesus

Com tanta admiração foi natural ter se tornado cantora por influência de Clementina. Hoje, além de cantora, Vera é compositora da escola de samba Portela e integra há três anos o grupo Matriarcas do Samba, na companhia de Nilcemar Nogueira, neta de Cartola e Selma Candeia, filha do mestre Candeia. Um grupo que representa uma ancestralidade no samba.

Costumo falar isso. Estamos nessa empreitada para continuar levando o legado dos nossos às gerações futuras. Esse projeto nosso é para isso. Para mostrar o trabalho de Clementina, de Cartola e de Candeia”, comentou.

Quanta responsabilidade para as herdeiras de grandes nomes do samba no Rio de Janeiro. Ainda na estrada de transmitir o legado do samba, Vera integrou o projeto Samba Miudinho, que levou apresentações, no segundo semestre deste ano, a alunos das escolas da rede pública municipal do Rio. “As Matriarcas levaram a história do samba e de Clementina, Cartola e Candeia”, disse.

O grupo também faz muito trabalho no Museu do Samba, criado para guardar a memória deste tipo de música que encanta muita gente. O Museu fica aos pés do Morro da Mangueira, perto da quadra da escola, na zona norte do Rio, e tem entre os fundadores Nilcemar Nogueira, quando ainda era Centro Cultural Cartola, fundado em 2001.

Mulheres de Chico e Mulheres do Zeca (o Pagodinho)

Dorina conta que o projeto segue a linha de outros que já desenvolveu para ampliar o conhecimento do samba. “As minhas ideias surgem sempre para movimentar, para que as coisas melhorem. Foi assim com Suburbanistas que comecei a cantar o subúrbio carioca junto com Luiz Carlos da Vila e Mauro Diniz, foi com Mulheres de Zeca, já existia o Mulheres de Chico, e fizemos Mulheres de Zeca [Bloco carnavalesco e espetáculo musical em homenagem ao cantor e compositor Zeca Pagodinho] no subúrbio.

Assim foi também o Encontro de Mulheres, que avançou e conquistou várias cidades que a gente nem esperava conquistar. Tem em Goiânia, tem Belém, três cidades do interior da Bahia e tem no Acre”, relata Dorina.

Hoje em dia, com a internet e o Whatsapp, a gente vai costurando, fazendo workshop através de YouTube para elas, que participam também de reuniões por meating. Durante o ano, continuam fazendo atividades. A gente está sempre em contato e também para a gente trocar experiências.

Ela diz que o governo uruguaio estabeleceu o Dia das Mulheres no Samba, que é o dia do encontro criado pelas sambistas aqui no Brasil. “Elas conseguiram através do nosso movimento. Aqui no Brasil a gente não conseguiu”, comparou, lembrando que mesmo durante a pandemia foi possível realizar o projeto virtualmente.

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Desfiles das escolas de samba do Rio com entrada solidária

Cidade do Samba recebe as agremiações do Grupo Especial e grandes sambistas para comemorar o Dia Nacional do Samba

Rio de Janeiro. 13/02/2024. Carnaval 2024 Sambódromo da Marquês de Sapucaí, desfile da Portela. Foto: Alex Ferro | Riotur

Você mora no Rio de Janeiro tem muita vontade assistir os desfiles das escolas de samba, mas não tem dinheiro para pagar o valor elevado dos ingressos na Sapucaí? A oportunidade pode ser essa. O Dia Nacional do Samba, comemorado em 2 de dezembro, vai ser homenageado no Rio de Janeiro com três dias de desfile das escolas de samba do Grupo Especial.

As apresentações começam nesta sexta-feira (29) e prosseguem até domingo (1°) na Cidade do Samba, na Gamboa, região portuária do Rio. Em todos os dias, os portões serão abertos às 19h.  Esta será a quarta vez que o desfile neste formato ocorre no espaço, mas é a primeira que comemora o Dia Nacional do Samba por três dias e com entrada solidária – 1 kg de alimento não perecivel.

Nesta sexta (29), vão desfilar as escolas que passarão pelo Sambódromo no primeiro dia do Grupo Especial no Carnaval 2025. O desfile será aberto pela Unidos de Padre Miguel, que venceu na Série Ouro em 2024, e com isso, conquistou o direito de integrar o Grupo Especial, considerado a elite do carnaval. Na sequência, entram a Imperatriz Leopoldinense, Viradouro, atual campeã do Especial, e a Mangueira. A abertura ficará por conta do tradicional bloco carnavalesco Cacique de Ramos e o encerramento com o cantor Belo.

No sábado (30), o público vai assistir a Unidos da Tijuca, a Beija-Flor, o Salgueiro e a Vila Isabel. Neste dia, a abertura será com o Terreiro de Crioulo e o encerramento com o grupo Samba da Volta. No domingo, último dia, desfilam a Mocidade Independente, a Paraíso do Tuiuti, a Grande Rio e a Portela. A confraternização conta também com apresentação do cantor e compositor Jorge Aragão.

De acordo coma  Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa), que organiza a festa e também os desfiles oficiais na Sapucaí, todas as agremiações desfilarão com os principais segmentos das escolas. Cada escola vai ter 40 minutos para desfilar, cantando seu samba enredo do ano e levando segmentos como comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira, bateria, passistas, algumas alas da comunidade, as baianas, a velha guarda.

“Basicamente os principais artistas estarão presentes em um desfile reduzido, se comparado ao desfile principal”, disse à Agência Brasil o presidente da, Gabriel David. “O Dia Nacional do Samba, um dia tão importante para nós, sambistas, com muita representatividade para todo mundo que vive carnaval o ano inteiro, que trabalha com o carnaval, para todos os sambistas como um todo. O evento é fundamental para que tenhamos, de fato, uma comemoração da importância de ser sambista”, completou.

Com informações da Agência Brasil

 

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