Com o Carnaval chegando e milhares de pessoas planejando pegar estrada, todo cuidado é pouco. Especialistas em trânsito alertam para o alto consumo de drogas por motoristas profissionais, principalmente de veículos de carga e transporte de passageiros, o que pode levar a violentos acidentes, inclusive com vítimas fatais – entre elas, os próprios condutores.

“No mínimo 20% dos condutores são usuários de drogas. Isso deve assustar a sociedade”, disse Rodolfo Rizzotto, coordenador do Programa SOS Estradas e representante das vítimas de trânsito durante encontro realizado pelo Grupo Fleury que discutiu nesta quarta-feira (31) a importância do exame toxicológico em motoristas profissionais para a segurança nas estradas.

Estimativas do portal Estradas.com.br apontam que o número de condutores com exames toxicológicos periódicos vencidos possa chegar a até 4 milhões no Brasil. Já um levantamento divulgado pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), em 20 de janeiro, aponta que 1.214.903 motoristas das categorias C (caminhões), D (ônibus e vans) e E (carretas) ainda não fizeram o exame toxicológico.

Prazo para exame toxicológico obrigatório é prorrogado por 3 a 4 meses

Na última sexta-feira (26 de janeiro) a Deliberação Nº 272 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), publicada no Diário Oficial da União, prorrogou os prazos para a renovação do exame, como parte do processo de obtenção e renovação da carteira de motorista para motoristas de ônibus, carreta e caminhão.

A prorrogação vale para todos os casos em que o exame esteja vencido desde 2017. De acordo com a deliberação do Contran, condutores cuja Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tenha prazo de validade entre janeiro e junho têm até 31 de março deste ano, enquanto os que vencem entre julho e dezembro têm até 30 de abril. O prazo anterior era o dia 28 de dezembro de 2023.

A medida visa fortalecer a segurança nas estradas, assegurando que os condutores estejam livres do uso de substâncias ilícitas que possam comprometer a sua habilidade ao volante. A falta do exame é considerada infração grave e acarreta na perda de sete pontos na carteira de habilitação dos condutores das categorias C, D e E. D, além de multa de R$ 1.467,35.

‘Podem prorrogar prazos para o exame, mas não as mortes’

O Contran acredita que a extensão de prazo deve ajudar a reduzir a demanda de motoristas profissionais pelo exame. Para o coordenador do SOS Estradas, no entanto, esta é uma situação muito grave já que significa que pelo menos 1,2 milhão de condutores continuam rodando sem realizar o exame obrigatório, que identifica o uso frequente de drogas.

Esses condutores não compareceram para fazer o exame toxicológico por uma razão simples – não passam”, afirma Rodolfo Rizzotto. Ele lembra ainda que a maioria dos motoristas está em dia com a obrigação legal e aqueles que continuam com o exame pendente ainda terão o benefício de regularizar sua situação com os prazos prorrogados.

Podem prorrogar prazos para execução do exame, mas não prorrogar as mortes. Está na hora de dar um basta na tolerância e penalizar com o máximo rigor quem não cumpre a lei. Após essas datas, deve-se adotar a tolerância zero, inclusive em respeito à maioria que cumpre a lei”, enfatiza.

Impacto do exame na redução de acidentes chega a 45%

Segundo ele, em 2016, quando a exigência do exame toxicológico entrou em vigor, eram 15 milhões de motoristas nas categorias C, D e E. Hoje, são cerca de 11,4 milhões, número apurado em 2021 que se mantém estável, de acordo com as projeções do SOS Estradas.

“Houve uma queda expressiva nas categorias C, D e E. E eles não migraram para a categoria B, de veículos leves. Ou seja, muitos motoristas deixaram de trabalhar porque não conseguem passar no exame”, analisa.

Para ressaltar a importância do exame toxicológico, Rizzotto fala do impacto imediato causado pela exigência na segurança das estradas. Ao comparar o ano de 2015 com 2017, quando já valia a obrigatoriedade do exame, a redução foi de 34% de acidentes envolvendo vítimas fatais, mas o impacto nos veículos de carga foi muito maior e chegou a 45% com ônibus.

Desde 2016, quando a lei que exige o exame toxicológico para condutores das categorias C, D e E entrou em vigor, mais de 200 mil motoristas tiveram a sua concessão de habilitação profissional suspensa, em virtude do resultado positivo.

Segundo o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Rodoviária Federal, houve uma diminuição de 60% do consumo de substância psicoativas nas estradas e uma consequente redução de 34% dos acidentes graves, envolvendo vítimas fatais. Isso se traduz em dezenas de milhares de vidas salvas nas estradas.

‘Motoristas em situação análoga à escravidão’

A falta de cumprimento do exame toxicológico obrigatório, associada a aumento ilegal da carga de trabalho, é uma combinação explosiva que leva muitos motoristas a trafegarem até 16 ou 17 horas nas estradas, sob efeito de drogas. 

Motoristas vivem em situação análoga à escravidão, não usam drogas para se divertir, mas para sobreviver, se manter acordados. Com isso, tiram o serviço de quem não usa drogas, prejudicam transportadoras que respeitam a jornada de trabalho, em detrimento das que cumprem, e colocam vidas em risco nas estradas”, disse Rizzotto.

Segundo ele, para permitir uma produtividade maior, só se o motorista não dormir. “Aí ocorrem as tragédias, como a de terça-feira, 30, na Rodovia Régis Bittencourt, com um acidente envolvendo três carretas que parou o trânsito e prejudicou também a produtividade de outras pessoas. “Acidentes são um péssimo negócio, geram muitos prejuízos e são fruto desse regime de exploração análoga a escravidão”.

‘Não existe acidente, é um caso dramático de exploração’

Para ilustrar as irregularidades cometidas por veículos de transporte de carga nas estradas, ele citou o exemplo recente de um acidente no Espírito Santo, envolvendo um caminhão de granito e uma van que transportava pacientes. Ao todo, foram 23 mortos, sendo 22 carbonizados. Ao investigar mais a fundo o caso, o SOS Estradas descobriu diversas irregularidades.

“A empresa tinha termos de ajustamento de conduta por excesso de peso e de jornada de trabalho. O veículo estava em péssimas condições e o motorista, sob efeito de cocaína e anfetamina. Só foi possível constatar isso na necropsia porque o corpo dele foi o único que não estava carbonizado. Não existe acidente, esse é um caso dramático de exploração”, ressaltou.

O termo de ajustamento de conduta é um acordo que o Ministério Público celebra com o violador de determinado direito coletivo. Este instrumento tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.

Falta do exame toxicológico impede punição de culpados

Outro exemplo citado por Rizzotto foi de um acidente em que uma carreta esmagou o carro de uma professora e seu filho, há cerca de um ano.

“O dono da carga estava explorando a transportadora, que explorava o motorista. O caminhão estava com problemas nos pneus e o motorista estava devendo o exame toxicológico há dois anos. A falta do exame impedia a punição. E a tragédia poderia ter sido evitada se condutor estivesse com o exame em dia”.

Ainda segundo ele, muitos motoristas passam a fazer parte do crime organizado, ao esconder dentro da carga legalizada drogas, armas e contrabando. “Com motoristas de ônibus isso também ocorre, mas os passageiros não sabem”.

Para o coordenador do SOS Estradas, o Brasil ainda precisa avançar para reduzir de vez o número de acidentes nas rodovias, um problema bem mais complexo do que parece.

“É preciso adotar uma política pública para, de fato, reduzir os acidentes e mortes, combater a ilegalidade que pressiona motoristas a fazerem uso de substâncias ilegais, desestimular o uso de drogas, ajudar no combate à logística do crime organizado. Isso conta com apoio da opinião pública e não custa nada para o estado”, finalizou Rodolfo Rizotto.

Exigência do exame tira 3,5 milhões de motoristas das estradas

De acordo com dados do Mercado Toxicologia Forense (Serpro 2016 a 2023), o número de motoristas profissionais que deveriam se submeter ao exame, periodicamente, caiu de 15 milhões para cerca de 11,4 milhões. Até 2027, deverão ser 3,5 milhões de motoristas a menos nas estradas.

Para Renato Fernandez, head de negócios da Toxicologia Pardini do Grupo Fleury, a queda se deve à falta do exame toxicológico, que acabou tirando das estradas aqueles que usam drogas. disse que o número de carteiras C, D e E vem reduzindo enquanto o de A e B aumenta.

“Coincidentemente foi após a lei que exige o exame toxicológico, vai continuar principalmente com a multa se não refizer o exame após 2,5 anos – antes (das mudanças na lei que instituiu o exame) o prazo era de 10 a 15 anos”, comenta.

Operação Jornada Legal flagrou irregularidades

Outro tema abordado durante o encontro, pelo procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, foi a Operação Jornada Legal, realizada em 28 de novembro de 2023 com motoristas profissionais em algumas das principais rodovias, apontou os riscos de acidentes e a gravidade da situação para a segurança de todos que trafegam nas estradas do Brasil.

Equipes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com apoio de 40 agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), fiscalizaram quatro estados brasileiros (Rondônia, Bahia, Paraná e São Paulo) e no Distrito Federal, além da inspeção realizada na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp).

A ação integrada teve como finalidade de fiscalizar o tempo de direção e repouso de motoristas profissionais. Nestes locais, foram confirmadas irregularidades sobre jornada excessiva, descanso insuficiente e uso de substâncias químicas para suportar as exigências das empresas e cumprir os prazos de entrega, potencializando o risco de acidentes nas rodovias.

Para os auditores-fiscais do Trabalho (AFT) do MTE, a fadiga de motoristas é uma das principais causas de acidentes com veículos pesados. Isso porque eles enfrentam jornadas superiores a 10 horas diárias, muitas vezes chegando a ser superior a 12 horas de trabalho. Intervalos intrajornadas e interjornadas não são cumpridos, conforme a legislação vigente. Também foi constatada ausência de férias e do Descanso Semanal Remunerado (DSR) ou o usufruto de forma irregular, corroboram para esse grande número de acidentes.

Um em cada quatro condutores não respeita limite mínimo de repouso

Operação Jornada Legal autuou 36 dos 142 motoristas fiscalizados por descumprimento da Lei do Descanso (Foto: PRF)

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), na Operação Jornada Legal foi possível aproveitar o período da madrugada, quando há grande movimentação com a chegada de caminhões que realizam carga e descarga de produtos. Durante as verificações, as equipes participaram ativamente da abordagem a motoristas profissionais.

Dos 142 fiscalizados, 36 foram autuados por descumprimento da Lei do Descanso, ou seja, um em cada quatro condutores não respeitou o limite mínimo exigido para repouso dentro da jornada de trabalho. Além dos responsáveis pela direção, 188 veículos foram inspecionados e seis deles terminaram retidos por problemas nas condições exigidas para o prosseguimento da viagem.

Além da ação na Operação Jornada Legal, a PRF, de forma autônoma, realizou, em 2023, mais de dez mil comandos direcionados à averiguação do  descumprimento da Lei do Descanso. Apenas este ano, cerca de 90 mil veículos e 90 mil motoristas foram fiscalizados, tendo como resultado 32 mil condutores autuados, proporção ainda maior que a da operação, fato que demanda olhar cuidadoso sobre o tema.

Segundo dados da PRF, em 2023, foram registrados 2.303 desastres com caminhões e ônibus sem envolvimento de nenhum outro veículo. São colisões, saídas de pista e tombamentos em que o cansaço influencia em parte considerável das ocorrências. Nos últimos dois anos, o Ministério do Trabalho e Emprego registrou 625 óbitos de motoristas e efetuou 20.106 autos de infração, 28.496 comunicações de acidente de trabalho (CATs).

Mudanças na Lei do Caminhoneiro pelo STF garante direitos a motoristas

A fiscalização das irregularidades ganhOU ainda mais importância após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar inconstitucional trechos da Lei n. 13.103, de 2 de março de 2015 (Lei do Caminhoneiro) em relação à jornada de trabalho, horas extras, descanso diário e semanal. O STF validou, também, a exigência de exame toxicológico de motoristas profissionais, que já foi aplicada na Operação Jornada Legal.

O STF declarou a inconstitucionalidade de trechos da Lei e garantiu direitos à categoria. As alterações no texto trazem mais seguridade nas jornadas de trabalho. Pontos modificados, como o descanso, que após a decisão do STF deve ser semanal, preferencialmente aos domingos e os dias não podem ser acumulados, foram amplamente divulgados no correr da operação.

A decisão do STF também determinou que o tempo de espera deve integrar a jornada de trabalho. Após 8 horas de trabalho, o motorista tem direito a 150% do valor da hora e o descanso mínimo diário é de 11 horas, garantindo o descanso semanal regular, preferencialmente aos domingos. A jornada de trabalho é de 8 horas e só pode ser extrapolada esporadicamente.

Antes da decisão do STF, não havia limite de tempo de espera, o descanso diário na prática era de apenas 8 horas, enquanto o descanso semanal remunerado podia ser acumulado e fracionado. Também era possível, com autorização sindical, a realização de jornada de até 12 horas, todos os dias.

“Esse estado de coisas, claramente inconstitucional, permeado pelo caráter penoso da atividade do motorista, levou a Suprema Corte a dizer um basta. O STF resgatou a essência da lei do descanso estabelecendo o primado da dignidade humana e o interesse da coletividade num trânsito seguro”, disse Paulo Douglas Almeida de Moraes, procurador do Trabalho.

Veja as principais irregularidades

De acordo com o MTE, as maiores irregularidades encontradas na Operação Jornada Legal foram:

  • – excesso de jornada (acima de 2 horas extras),
  • – intervalo Interjornada (descanso para refeições),
  • – intervalo interjornada (descanso entre 2 jornadas consecutivas),
  • – falhas nos programas de gerenciamento de riscos (não identificação riscos como a exposição à radiação ionizante, riscos psicossociais, jornada e ergonomia),
  • – falhas nos procedimentos de respostas a emergências (pane, acidentes, roubos, assaltos),
  • – informalidade (falta de registro) e
  • – não fruição do descanso semanal remunerado e férias.

Efeitos das drogas no organismo dos motoristas

O encontro do Grupo Fleury abordou também como o consumo de substâncias psicoativas ilícitas e drogas sintéticas agem no cérebro, alterando as sensações, o estado emocional e o nível de consciência.

O uso contínuo dessas substâncias promove alterações no modo como o cérebro reproduz os sentimentos e as sensações ruins como ansiedade, irritabilidade e agressividade.

Isso significa que quando a pessoa não está usando a droga, pode apresentar alterações psíquicas e físicas, pois seu organismo demonstra sinais de desconforto fazendo-o buscar novamente a droga para aliviar esse mal-estar.

E assim, recomeça o círculo de “uso-abuso-dependência”. Ou seja,  a pessoa que consome passa a ter mais vontade de consumir a substância, perdendo o controle sobre o seu uso e tornando-se dependente. 

O médico toxicologista Alvaro Pulchinelli Jr,  diretor técnico na Toxicologia Forense do Grupo Fleury, falou sobre o uso de substâncias psicoativas ilícitas ou não e drogas sintéticas e seus efeitos e riscos para a saúde de motoristas – veja mais nesta sexta-feira (2/2).

Com informações do Grupo Fleury, MTE e PRF

 

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