O caso de uma passageira impedida de usar o banheiro adaptado durante um voo e que precisou trocar a fralda na área da cozinha da aeronave tem repercutido nas últimas semanas, acendendo o alerta para uma doença degenerativa ainda pouco conhecida, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Silenciosa e devastadora, essa doença rara atinge os neurônios motores, responsáveis pelos movimentos do corpo.

Como os primeiros sinais são discretos, o diagnóstico geralmente acontece tarde demais, quando o paciente já perdeu parte da capacidade de se mover, falar ou até respirar. O alerta acontece no mês em que é celebrado o Dia Mundial para Conscientização da ELA (21/6).

A doença, que afeta de 1 a 2 pessoas a cada 100 mil por ano, é progressiva, sem cura e irreversível.  Estudos apontam fatores que aumentam o risco de desenvolver a ELA, como genética, hereditariedade, sexo e idade. Isso porque a maioria dos casos ocorre entre os 40 e 70 anos, sendo ligeiramente mais comum em homens. No entanto, em grande parte dos casos, a causa ainda é desconhecida.

Uma doença que paralisa o corpo aos poucos

“A ELA compromete a rotina e a independência do paciente. Quanto antes for detectada, melhor o resultado das terapias e tratamentos que ajudam a conter seu avanço”, afirma o neurologista William A. dos Santos, do Hospital São Luiz Anália Franco, da Rede D’Or.

Em estágios avançados, a ELA pode levar à paralisia total, comprometendo a respiração e exigindo cuidados intensivos. “A interação entre cérebro e músculos vai sendo perdida aos poucos. É uma jornada difícil, mas com diagnóstico precoce e apoio contínuo, é possível preservar a qualidade de vida”, afirma Santos.

De acordo com o especialista, é possível observar que a conscientização tem crescido desde 2014, quando a Campanha do “Balde de Gelo” viralizou nas redes sociais, chamando atenção para a doença. Ainda assim, a subnotificação continua sendo um dos maiores desafios.

Muitos casos não chegam aos sistemas de saúde ou são confundidos com outras condições. Isso atrasa o tratamento e diminui as chances de controle”, alerta o médico.

Os sinais de alerta mais comuns da ELA

Os sintomas iniciais costumam ser confundidos com outras condições e, por isso, são facilmente ignorados. Os sinais de alerta mais comuns são:

•       Fraqueza muscular, principalmente em braços ou pernas;

•       Câimbras frequentes;

•       Espasmos ou contrações involuntárias;

•       Perda de coordenação motora;

•      Dificuldade para realizar tarefas simples e rotineiras, como andar, levantar, falar ou engolir;

•      Perda de peso;

•      Dificuldades respiratórias (em estágios mais avançados).

 

Não tem cura, mas tem tratamento 

Apesar dos avanços na medicina, o tratamento da esclerose lateral amiotrófica ainda se baseia no controle dos sintomas. Técnicas como fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e o uso de medicamentos modernos ajudam a desacelerar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida.

Hoje temos novos medicamentos que conseguem retardar em até 33% o avanço da ELA em fases iniciais, por isso, é tão importante o diagnóstico precoce. Isso representa mais tempo de vida e com mais autonomia para o paciente”, explica o neurologista.

Um exemplo é o Edavarona, aprovado recentemente pela Anvisa, que promove ações antioxidantes e neuroprotetoras no organismo, ajudando a diminuir o trauma oxidativo, maior vetor de progressão da condição.

O neurologista destaca que, mesmo sem cura, o enfrentamento da ELA deve ser feito com suporte multidisciplinar, tecnologia assistiva e acolhimento. “Com um plano de cuidado individualizado, apoio familiar e um bom atendimento, conseguimos proporcionar mais conforto, autoestima e dignidade ao paciente”, finaliza o médico.

Passageira com ELA obrigada a trocar fralda na cozinha do avião pode processar companhia aérea

Caso expõe falhas no atendimento a pessoas com deficiência e reforça o direito à reparação por danos morais

O caso da passageira relatado nas redes sociais e com ampla repercussão, levanta questionamentos sobre o cumprimento das normas de acessibilidade pelas companhias aéreas. De acordo com o advogado especializado em Direito dos Passageiros Aéreos, Rodrigo Alvim, a conduta pode configurar violação grave de direitos e ensejar indenização. “É um caso extremamente vexatório para ela. Uma ação por danos morais contra a companhia é totalmente cabível”, afirma.

Segundo Alvim, mesmo que a companhia alegue ter tomado providências no momento do ocorrido, isso não exime a responsabilidade por manter o banheiro adaptado em condições de uso. “A passageira teria direito de usar o banheiro com acessibilidade. É um direito que os passageiros com necessidades especiais têm. Até por isso que esse banheiro existe e ele deveria estar em condições de ser aberto”, pontua.

O advogado destaca ainda que, conforme o relato da passageira, houve constrangimento público e falha no dever de assistência. “Ela teve que se trocar na cozinha, uma ação extremamente desagradável para ela. Então, nasce para o direito a uma ação com reparação por danos morais contra a companhia. Uma situação extremamente desagradável para ela e vexatória”, diz. O especialista reforça ainda: “A companhia tem que oferecer para passageiros, portadores de necessidades especiais toda a assistência necessária. É o mínimo”.

Palavra de Especialista

ELA: a luta invisível por sobrevivência e dignidade

Por Vaniele Pailczuk*

Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma daquelas doenças que não poupam nem o corpo nem a dignidade. Silenciosa, progressiva e fatal, ela vai, aos poucos, aprisionando a pessoa em seu próprio corpo. No Dia Nacional de Luta Contra a ELA, celebrado em 21 de junho e instituído pela Lei nº 13.471/2017, mais do que lembrar, precisamos lutar por visibilidade, acesso e cuidado digno.

A ELA é uma doença neurológica rara que afeta os neurônios motores, responsáveis pelos movimentos voluntários. O paciente perde gradualmente a capacidade de falar, engolir, se mover e, por fim, respirar. A mente, no entanto, permanece intacta. Trata-se de uma condição cruel, pois mantém a consciência ativa enquanto o corpo definha.

Apesar de conhecida por nomes como Stephen Hawking e o “desafio do balde de gelo”, a realidade da maioria dos pacientes brasileiros com ELA é muito distante dos holofotes. Faltam políticas públicas eficazes, acesso a medicamentos, profissionais especializados e, principalmente, assistência contínua.

Em muitos casos, a família torna-se o único suporte possível, arcando com cuidados intensivos e custos altíssimos. Em regiões mais pobres do país, receber o diagnóstico já é, por si só, um desafio.                                                  

O SUS oferece suporte limitado. A burocracia para conseguir um respirador, cadeira de rodas adaptada ou medicamentos podem demorar mais do que a progressão da própria doença. O tempo, para quem vive com ELA, é um recurso raro e frágil, superficial e precioso, a essência que sustenta cada instante.

Como enfermeira, já acompanhei pacientes com ELA que lutaram não apenas contra a doença, mas contra o abandono institucional. Lutaram para garantir a própria voz por meio de tecnologias assistivas. Lutaram para conseguir o básico: uma sonda, uma internação, o direito de viver com dignidade até o fim.       

O Dia Nacional de Luta Contra a ELA deve ser um marco não apenas de solidariedade, mas de ação, e essa ação precisa ser agora, hoje, enquanto ainda há tempo. É urgente capacitar os profissionais de saúde para reconhecer os sinais da ELA com rapidez, clareza e humanidade, unindo ciência e afeto no cuidado desde o início. É fundamental criar protocolos clínicos e garantir o fornecimento dos insumos necessários, sem atrasos.

Acima de tudo, é preciso ouvir as pessoas com ELA e suas famílias. Suas vozes, mesmo enfraquecidas, carregam verdades urgentes. Lutar contra a ELA é lutar por humanidade, por compaixão e por políticas públicas que façam sentido. A doença talvez seja rara, mas a responsabilidade de acolher quem dela padece não pode ser exceção.

*Vaniele Pailczuk é enfermeira, especialista em UTI/ Urgência e Emergência, professora e tutora de cursos de pós-graduação na área da saúde no Centro Universitário Internacional Uninter.

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