leishmaniose visceral é uma infecção grave e endêmica que atinge animais e humanos em diversas regiões do Brasil, preocupando as autoridades sanitárias devido ao seu difícil controle. Globalmente, esta zoonose está entre as dez principais doenças tropicais negligenciadas, com mais de 12 milhões de pessoas infectadas, segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

A grande maioria (90%) dos casos está concentrada em cinco países, sendo o Brasil um deles: o país é responsável por 96% dos registros nas Américas. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 3.500 novos casos são registrados por ano no país, com uma taxa de letalidade em torno de 11%. A doença está presente em todo o território nacional, com uma concentração maior de casos nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. 

Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria Estadual de Saúde confirmou a segunda morte por leishmaniose visceral em 2025. Até o momento, o estado já contabiliza 26 casos da doença neste ano. Em 2024, foram registrados 45 casos confirmados — uma oscilação que, embora momentaneamente menor, ainda exige atenção contínua.

Os dados mais recentes mostram a urgência do tema: cerca de 386 animais infectados em 2024/2025 na cidade do Rio de Janeiro, com destaque para bairros como Méier, Lins, Maria da Graça e Engenho Novo. Entre 2012 e 2025, foram confirmados 52 casos humanos no município (a segunda doença zoonótica de maior prevalência), sendo 21 deles autóctones — ou seja, com transmissão ocorrida dentro da própria cidade, principalmente na Zona Norte.

Mudanças climáticas podem estar por trás do crescimento dos casos

Nesta semana, o Brasil celebra a Semana Nacional de Controle e Combate à Leishmaniose, data dedicada à conscientização, prevenção e mobilização contra a doença. A leishmaniose é uma doença infecciosa causada pelo protozoário Leishmania infantum e transmitida principalmente pela picada da fêmea do mosquito-palha (Lutzomyia spp.) infectado.

A doença possui prevalência em regiões tropicais e de menor infraestrutura sanitária.  Os impactos das mudanças climáticas, entre outros fatores associados a áreas de vulnerabilidade socioeconômica ambiental, tornam o cenário ainda mais preocupante.

Outros fatores são a presença do vetor Lutzomyia longipalpis, a urbanização do ciclo de transmissão, as novas evidências de transmissão vertical sexual entre animais de vida livre e a ausência de dados oficiais sobre a população de cães e gatos.

Os registros em humanos servem como alerta de que a infecção já está presente entre os cães da região e frequentemente de forma silenciosa. “Por isso, proteger os animais é essencial para interromper o ciclo de transmissão e preservar a saúde pública”, afirma.

Por que escolher o mês de agosto para a campanha?

O mês de agosto foi escolhido para a campanha por coincidir com o período de maior risco para a transmissão da doença, especialmente em regiões com temperaturas elevadas e maior volume de chuvas, que favorecem a proliferação do mosquito transmissor, que faz a postura de seus ovos em locais ricos em matéria orgânica, úmidos e com pouca luminosidade.

Esse cenário climático, aliado a fatores ambientais e sociais, tem contribuído para a expansão da leishmaniose em áreas anteriormente menos afetadas. Por isso, durante esse período, médicos-veterinários em diversas regiões do Brasil aproveitam para promover ações de conscientização sobre a leishmaniose, reforçando a importância da prevenção e do cuidado com os animais.

Após a infecção, alguns cães podem ser assintomáticos e outros podem apresentar manifestações clínicas que muitas vezes são confundidas com outras enfermidades. Se não tratadas, as formas cutânea e mucosa difusa da leishmaniose podem causar deformidade e desfiguração, e a forma visceral pode causar a morte em mais de 90% dos casos não tratados.

A leishmania pode afetar qualquer órgão, causando uma variedade de sinais clínicos, como febre, aumento dos linfonodos, perda de peso, crescimento exagerado das unhas, alterações de pele e, em estágios mais avançados, comprometimento renal – uma das principais causas de óbito”, explica a médica-veterinária Kathia Soares, da MSD Saúde Animal.

Doença silenciosa que não tem cura parasitológica

Além disso, é fundamental esclarecer que a leishmaniose canina, embora tratável, ainda não tem cura parasitológica. “Isso significa que, uma vez infectado, o cão continuará portando o parasita pelo resto da vida”. Por isso, a campanha reforça que a prevenção é a melhor opção, sendo o caminho mais seguro e responsável.

Ter um pet com leishmaniose não é uma sentença de que nada pode ser feito, mas não podemos cair na armadilha de achar que só porque há tratamento não precisamos focar na prevenção. A doença debilita muito o animal, os custos de tratamento são altos, e infelizmente muitos não resistem, mesmo com todos os cuidados”, complementa Soares.

Os tratamentos disponíveis hoje ajudam a controlar as manifestações clínicas, proporcionando mais qualidade de vida ao pet, mas vale lembrar que os custos são altos (medicamentos, visitas ao veterinários, exames de rotina) e ele pode ter recaídas e, em muitos casos, a doença pode evoluir para o óbito.

Durante o Agosto Verde, a mensagem é clara: a prevenção pode salvar vidas. Informar-se, adotar medidas preventivas e manter um olhar atento ao bem-estar dos animais são atitudes essenciais para construir ambientes mais seguros e saudáveis para todos.

Medidas de prevenção da leishmaniose visceral

A leishmaniose visceral acomete cães e humanos, provocando sintomas como febre persistente, emagrecimento, aumento do baço e do fígado. A doença é muito grave e infelizmente se não tratada, embora não exista cura, pode levar o cão a óbito. Trata-se de uma zoonose, ou seja, uma infecção capaz de ser transmitida entre animais e humanos, com os cães atuando como principais reservatórios domésticos do parasita em ambientes urbanos.

Os cães não transmitem diretamente a doença, mas atuam como principais reservatórios para o mosquito vetor. Por isso, a prevenção é fundamental, tanto para a saúde humana quanto animal, e deve incluir uso de repelentes específicos nos cães, controle da população de vetores e cuidados ambientais, como evitar o acúmulo de matéria orgânica onde o mosquito possa se reproduzir.  

Medidas simples podem ser adotadas no dia a dia como parte do controle estratégico da doença incluem:

  • restringir os passeios com os cães ao entardecer e anoitecer — período de maior atividade do mosquito transmissor,
  • instalar telas em canis e janelas,
  • manter os quintais limpos e livres de matéria orgânica acumulada e
  • garantir o acompanhamento veterinário regular do animal.

Uso de inseticidas tópicos com propriedade repelente

De acordo com as diretrizes do Brasileish (2018), a principal forma de prevenir a infecção por leishmania em cães é através do uso de inseticidas tópicos com propriedade repelente. As diretrizes citam ainda que os estudos em larga escala têm demonstrado a eficácia do uso de coleiras inseticidas na prevenção e no controle da leishmaniose, sendo essa uma importante medida de saúde pública no Brasil.

Um exemplo eficaz é uma coleira que oferece ação prolongada de até quatro meses, repelindo e eliminando o mosquito antes que ele se alimente do sangue do animal. O Sistema Único de Saúde (SUS) indica o uso da coleira como método profilático porque, entre as opções disponíveis, é a única que comprovou, por meio de estudos, que, quando utilizada de forma ampla pelos cães em uma determinada região, contribui diretamente para a redução dos casos de leishmaniose visceral em humanos. Ou seja, proteger os cães reflete diretamente na saúde das pessoas. 

Proteger os nossos pets é fundamental para que eles vivam mais e com muito mais qualidade, além claro, de contribuirmos com a saúde de toda a comunidade. A utilização de coleiras é uma medida eficaz e prática que ajuda a diminuir a transmissão, fazendo parte de um conjunto de ações que devemos adotar para garantir a saúde pública e o bem-estar dos animais”, reforça a médica-veterinária.

Estudo realizado no Rio propõe tratamento promissor

Pesquisa mostra que substância derivada da baunilha foi eficaz contra o parasita dentro das células humanas

Por isso, o diagnóstico é essencial para estabelecer o tratamento específico da  leishmaniose visceral, limitar a evolução da doença, aliviar os sinais e sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. No Brasil, existem sete espécies de leishmanias envolvidas nas ocorrências e, diante desse cenário, pesquisadores têm buscado opções para o tratamento da doença.

Um estudo colaborativo entre professores de diferentes instituições, inclusive docentes da Afya Unigranrio Barra, no Rio de Janeiro, identificou que um composto derivado da vanilina, substância natural responsável pelo aroma de baunilha, tem potencial para se tornar um novo tratamento contra a leishmaniose.

O composto não apresentou efeitos tóxicos para as células saudáveis, o que aumenta consideravelmente sua viabilidade para uso em tratamentos. Entre 22 substâncias analisadas, o destaque foi para o composto 4b, que se mostrou eficaz na eliminação do parasita Leishmania braziliensis, mesmo quando ele já estava alojado dentro das células humanas.

A pesquisa usou técnicas avançadas de modelagem molecular para entender como o composto age, e os resultados mostraram que ele interfere em uma enzima essencial para o parasita sem afetar as células humanas.

Um grande passo foi o fato de o composto atingir especificamente o parasita sem interferir em vias metabólicas humanas, o que é um diferencial importante em termos de segurança. Nosso objetivo é contribuir com alternativas que sejam mais eficazes, seguras e acessíveis para a população”, destaca Wallace Pacienza, coordenador do curso de Biomedicina da Afya Unigranrio Barra e coautor da pesquisa.

Rio monitora situação epidemiológica da doença

A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS Rio) diz que “mantém o monitoramento da situação epidemiológica da cidade do Rio de Janeiro e investe permanentemente na qualificação da rede de atenção à saúde para a notificação oportuna e atenção qualificada das doenças e agravos de notificação compulsória”.

Conforme a SMS, a leishmaniose visceral tem apresentando alterações importantes no seu padrão de transmissão. “Mais recentemente, casos da doença estão sendo identificados em áreas urbanas de médio e grande porte”, acrescentou.

De acordo com a secretaria, a principal fonte de infecção é o cão, por isso o diagnóstico precoce da doença no animal é uma medida essencial. A pasta esclareceu que em cães, os principais sintomas da doença são emagrecimento, aumento do abdômen e linfonodos (íngua), queda de pelos e crescimento exagerado das unhas. Já em humanos, o quadro clínico se caracteriza por febre de longa duração, perda de peso, fraqueza, adinamia, hepatoesplenomegalia e anemia, sendo as crianças e idosos os mais suscetíveis ao desenvolvimento da doença.

O tratamento é realizado na suspeita da doença com medicamentos fornecidos pelo Ministério da Saúde. Na presença dos sinais e sintomas descritos, buscar atendimento na unidade de saúde mais próxima da residência”, recomendou.

Agenda Positiva

Rio sedia fórum de zoonoses com foco no direito ao tratamento da Leishmaniose

Evento pioneiro une OAB-RJ, CRMV/RJ e especialistas de todo o Brasil na campanha Agosto Verde

Arya, cadela do tenista João Fonseca, é a mascote da Abraesca (Foto: Reprodução de internet)

No dia 20 de agosto, o Rio de Janeiro será palco do 1º Fórum Transacional de Zoonoses – Direito ao Tratamento realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), em parceria com a Associação Brasileira de Saúde e Causa Animal (Abraesca) e apoio do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (CRMV-RJ). Esta iniciativa inédita, com foco na Leishmaniose, integra a campanha Agosto Verde, que marca o mês nacional de conscientização sobre essa grave zoonose e seu impacto na saúde pública e no bem-estar animal.

O fórum reunirá representantes da Anvisa, Ivisa, secretarias de saúde, médicos veterinários, pesquisadores, Ministério Público e lideranças do setor para discutir caminhos mais eficazes, inclusivos e éticos no enfrentamento à doença, com ênfase no direito ao tratamento e à vida dos animais acometidos.

Serão debatidos protocolos terapêuticos atualizados, estratégias de prevenção e os principais desafios no diagnóstico e tratamento da doença. Participam ainda especialistas de todo o Brasil, ampliando o debate em uma perspectiva transnacional e multidisciplinar.

Essa é uma mobilização histórica pela valorização da ciência, da empatia e da saúde única — que considera o ser humano, os animais e o meio ambiente como partes interdependentes. Queremos promover políticas públicas mais justas e sustentáveis, que garantam o acesso ao tratamento e combatam a eutanásia como única alternativa”, afirma Tifanny Barbara Cotta Pinheiro Pires, presidente da Abraesca.

Segundo ela, dados mostram que a doença existe em diversos países da Europa e em todos eles, a leishmaniose é tratada. “Atualmente, há outras opções de tratamento que podem contribuir para a diminuição do número de casos, e principalmente discutir estratégias de tratamento público no Brasil.”

Apesar de jovem, a associação já se destaca pelo protagonismo e por importantes apoios institucionais. A mascote oficial da entidade é a Arya, cadela do tenista João Fonseca, reforçando o engajamento com a causa animal por meio de vozes influentes e da construção de uma rede de responsabilidade social.

O Fórum conta com patrocínio dos laboratórios Ceva, Vetoquinol, Mouragro ( MSD, Virbac e Alere) , Ourofino e Vet Fórmula. Outras informações, a programação completa e a inscrição gratuita estão disponíveis em simposio.abraesca.com.br

Com assessorias e Agência Brasil

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