A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, Grupo Brasileiro de Imunodeficiências e a Jeffrey Modell Foundation Brasil – Centro São Paulo emitiram um posicionamento conjunto sobre Estamos vivendo uma pandemia causada por um novo coronavírus, um grupo de agentes virais que causa principalmente quadros respiratórios, em adultos e crianças. À doença causada por esse vírus damos o nome de COVID-19 (Coronavirus Disease, cuja disseminação iniciou no fim de 2019).
Os sintomas mais comuns, febre e tosse seca, acontecem na grande maioria dos indivíduos. Outros sintomas frequentes em adultos são mialgia, fadiga, falta de ar e secreção. Alguns pacientes evoluem para um quadro respiratório grave, que denominamos Síndrome Respiratória Aguda Grave (Severe Acute Respiratory Syndrome – SARS).
É semelhante ao causado por outro coronavírus que provocou uma epidemia nos anos de 2002/2003 (SARS- CoV) e outro que surgiu no Oriente Médio em 2012 (MERS-CoV). O agente etiológico que causa a COVID-19 e a pneumonia com graves repercussões pulmonares, é denominado SARS-CoV-2. Esses três coronavírus são zoonoses, ao contrário dos demais vírus do grupo que acometem seres humanos.
Os relatos provenientes dos primeiros países afetados, como da China e da Itália e mais recentemente Espanha e os EUA, têm apontado indivíduos de maior risco para quadros graves e morte: idosos (acima de 60 anos), cardiopatas (particularmente hipertensos), diabéticos, pessoas com doenças respiratórias crônicas (asma, atelectasias, bronquiectasias, tuberculose) ou com doenças/uso de medicamentos que afetem o sistema imunológico (imunossupressores para doenças autoimunes e quimioterápicos para o câncer), estes últimos independentes de idade.
Há controvérsias com relação ao uso crônico de medicamentos anti-hipertensivos que interfiram com a ECA-2, que funciona como receptor para entrada do COVID19 nas células. No entanto, até o presente momento, as sociedades de cardiologia recomendam que esses medicamentos não sejam suspensos, pois o descontrole das doenças cardiovasculares representa elevado risco.
Os Erros Inatos da Imunidade (EII) (ou Imunodeficiências Primárias) são representados por mais de 400 doenças monogênicas, diferentes entre si, acometendo em diferentes intensidades diversos setores do sistema imunológico. De uma maneira geral, pacientes com diagnóstico de alguma imunodeficiência primária apresentam o mesmo risco que todos as pessoas para se infectar pelo coronavírus, mas apresentam riscos diferentes para ter a doença respiratória grave por esse vírus, na dependência do tipo de defeito do sistema imunológico.
Ainda não há estudos ou relatos na literatura sobre o acometimento de pacientes com EII. No entanto, considerando o tipo de defeito no setor imunológico, podemos dividir os EII em três grupos de risco para a COVID-19: extremamente vulneráveis, moderadamente vulneráveis e de baixo risco (Ver Quadro 1). Pacientes com angioedema hereditário são considerados imunocompetentes e não apresentam risco maior do que o da população em geral.
Pacientes com imunodeficiência combinada são os de maior risco. Pacientes que foram recentemente transplantados e que usam medicamentos imunossupressores também apresentam risco significativo de ter quadros mais graves pelo coronavírus. Nesses casos, as medidas de isolamento social são fundamentais.
Pacientes com risco moderado são, principalmente, portadores de imunodeficiência comum variável, agamaglobulinemia congênita e doença granulomatosa crônica. Pacientes com deficiência seletiva de IgA e defeitos de anticorpos específicos sem doença pulmonar, são considerados de baixo risco.
Pacientes de risco moderado ou baixo, devem obedecer às mesmas recomendações que a população em geral. Entretanto, vale ressaltar que os pacientes que apresentam defeitos na produção de anticorpos, os EII mais comuns, a princípio, não apresentam risco maior de infecção pelo coronavírus, mas apresentam maior risco de evoluir para uma infecção viral grave, ou mesmo uma complicação bacteriana após a infecção viral, tal como pode ocorrer com muitas outras infecções virais.
Ressaltamos que esses pacientes não terão capacidade de responder adequadamente à infecção por COVID19, pois são incapazes de produzir anticorpos. Além disso, pacientes com defeitos na produção de anticorpos, principalmente na idade adulta, podem ter sequelas pulmonares, notadamente bronquiectasias e fibrose. Essas sequelas predispõem a um quadro pulmonar mais grave, caso venham a ter a COVID-19.
A imunoglobulina policlonal humana em uso não confere proteção contra o atual coronavírus, pois contêm anticorpos provenientes do plasma de doadores, coletado muito antes do início da pandemia. Não há indicação para usar imunoglobulina no tratamento da COVID-19. Entretanto, seu uso na pneumonia grave com finalidade de imunomodulação ainda está em estudos.
Somente no futuro, será possível fabricar imunoglobulinas a partir do plasma de indivíduos que foram infectados pelo COVID19 e que contenham anticorpos para este agente. Tais produtos serão extremamente necessários para os pacientes com deficiência de anticorpos, pois mesmo que surja uma vacina no futuro, esses pacientes não conseguirão desenvolver uma resposta anticórpica efetiva e, dependerão da terapia de reposição de imunoglobulinas, obtidas de doadores que sobreviveram a infecção ou que tenham recebido vacinas eficazes e seguras.
Pacientes com diagnóstico de um EII no qual não se indica a reposição de imunoglobulina, como é o caso da deficiência seletiva de IgA, também não tem indicação para receber imunoglobulina como forma de prevenção da COVID-19.
Até o momento, não há tratamento específico para o coronavírus, como é o caso de várias outras infecções virais. Alguns medicamentos vêm sendo testados para tratar a COVID-19: cloroquina/hidroxicloroquina, interferon alfa2B, antivirais usados para AIDS, oseltamivir e favipiravir (usados para influenza) e anti-IL6. No entanto, os resultados obtidos até o momento são incertos. Não há qualquer evidência de que vitamina C, vitamina D, medicamentos fitoterápicos ou homeopáticos tenham efeito na prevenção ou no tratamento do coronavírus. Há estudos em andamento com o uso de imunoglobulina hiperimune para o SARS-CoV-2, com resultados animadores5.
Medidas mais importantes em pacientes adultos com EII são:
Manter isolamento social, particularmente nas doenças com maior risco de COVID-19 grave e estendido a todos os indivíduos que moram na mesma casa;
Não suspender nenhum tratamento sem conversar com seu médico;
A aplicação de imunoglobulina deve ser mantida, mas mudanças no intervalo de aplicação, controle estrito do ambiente infusional (enfermagem especializada, acompanhamento médico, aplicações preferencialmente individuais, baixo fluxo de pessoas), ou aplicação domiciliar devem ser considerados;
Evitar a infusão de imunoglobulinas em hospitais de grande movimento;
Não usar qualquer medicamento novo sem conversar com seu médico;
Manter as medidas de higiene que estão sendo amplamente divulgadas na mídia e por nós, com especial atenção à lavagem frequente das mãos;
A vacina anti-influenza (vacina para gripe) está indicada, mesmo que não haja garantias de resposta de anticorpos. Havendo dúvidas sobre aplicação de vacinas, consulte seu médico;
Não procurar serviços de emergência, exceto em caso de febre alta e dificuldade respiratória, que são os sinais mais importantes de que possa estar se desenvolvendo um quadro respiratório de maior gravidade.
Consultar seu imunologista rotineiramente com os devidos cuidados, para manter sua condição clínica sob controle.