Entre 2023 e 2025, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) projeta que cerca de 704 mil novos casos de câncer serão diagnosticados no Brasil, abrangendo uma ampla gama de especialidades. Entre os tipos de câncer mais comuns, destacam-se o câncer de mama e o de pulmão, com aproximadamente 74 mil e 40 mil novos casos, respectivamente, durante o mesmo período.
Por outro lado, novas tecnologias para controle e tratamento da doença têm contribuído para que um número cada vez maior de pacientes alcance a remissão de tumores. Apesar dos avanços terapêuticos, muitos pacientes ainda enfrentam a recidiva da doença, mesmo após completarem o tratamento clínico.
Foi o caso de Preta Gil, que recentemente mobilizou os fãs ao anunciar a recidiva do câncer colorretal (conhecido como câncer de intestino) em outras partes do corpo. Especialistas Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) aproveitam a repercussão do caso da cantora para também chamar a atenção para os casos de recidiva de outros tipos de câncer. Da mesma forma que Preta, pacientes de câncer de mama também correm o risco de voltar a ter a doença após o tratamento.
Cada tumor, de mama, pulmão, gastrointestinal, tem perfil diferente. Mas é importante que as pacientes com histórico de câncer de mama, o mais frequente entre as brasileiras, saibam que a possibilidade de recidiva também existe e é maior nos casos de tumores mais agressivos e com o estadiamento mais avançado da doença”, afirma o mastologista André Mattar, membro da SBM.
Entre todos os tipos de câncer, o de mama é o mais incidente entre as mulheres brasileiras. Até 2025, o Inca estima 74 mil novos casos no País. No câncer de mama também há a possibilidade de recidivas.
Diante de um diagnóstico, avaliamos alguns fatores como o subtipo tumoral e o comprometimento dos linfonodos. Também levamos em consideração o estadiamento, que varia de zero, para um tumor in situ, até o estádio IV, o mais avançado da doença”, explica Mattar.
Chances de recidiva maiores em alguns subtipos de câncer de mama
Dentre os subtipos de câncer de mama, o mastologista destaca os tumores hormonais, também chamados luminais – que representam cerca de 70% dos casos da doença; os HER2 positivos – que representam aproximadamente 17% dos casos e para os quais já há tratamento específico, como as medicações trastuzumabe e pertuzumabe; e o triplo-negativo, considerado bastante agressivo, que responde por 13% dos casos e pode ser tratável com imunoterapia.
Nos cânceres de mama luminais, tumores com forte expressão de receptores de estrogênio e progesterona, o tratamento começa, habitualmente, com cirurgia e avaliações posteriores sobre a necessidade de quimioterapia, radioterapia e até um tratamento específico com os anti-hormônios como tamoxifeno, anastrozol, entre outros.
Predominantes em números de casos, os luminais, segundo o mastologista, são os que têm maior chance de apresentar, eventualmente, uma recidiva no futuro. “Neste subtipo, há o risco de volta durante toda a vida da paciente”, afirma o médico. A recidiva nos luminais pode ocorrer na própria mama, na região embaixo do braço ou até em outros locais.
Nos tumores HER2 e triplo-negativo, os maiores riscos de recidiva são observados nos primeiros dois anos após o tratamento. “Com o passar do tempo, a probabilidade vai diminuindo. Se os tumores não voltarem no período de cinco anos, a chance de recidiva é muito pequena, quase zero.”
André Mattar chama a atenção, ainda, para a recidiva sistêmica, que é a metástase. “A metástase se apresenta quando o tumor que estava na mama volta no fígado, no pulmão e em outros locais. Essas recidivas são mais comuns em subtipos mais agressivos, como os HER2 e os triplo-negativos, e eventualmente nos luminais”, diz o especialista.
Acompanhamento deve durar 5 anos, independente do subtipo do tumor
De acordo com o especialista, seja qual for o subtipo do tumor, o acompanhamento das pacientes é feito durante cinco anos, justamente pela maior possibilidade de recidiva. Neste período, afirma Mattar, em pessoas assintomáticas o exame físico completo, a mamografia e, eventualmente, o ultrassom são rotina. O mastologista alerta para a não necessidade de um grande número de exames, incluindo PET-Scan e tomografias, quando não há queixa da paciente.
Estudos demonstram que os exames de rotina são suficientes e exames feitos de forma aleatória não fazem sentido, ainda mais por provocarem ansiedade e estresse. Evidentemente, quando houver algum indicativo à realização dos procedimentos para diagnósticos, eles devem ser feitos”, reforça.
Para André Mattar, é fundamental que entre mulheres que passaram por tratamento de câncer de mama as avaliações sejam periódicas. “A recidiva é um risco real e a preocupação do especialista é prolongar, com qualidade, a vida da paciente”, conclui o membro da SBM.
Diante de cada quadro, ressalta o especialista da SBM, os tratamentos são variáveis “e importantes para definir as chances de recidiva dos tumores”. “Hoje em dia, dependendo do risco apresentado por cada pessoa, realizamos o tratamento anti-hormônio por um tempo maior. Inicialmente, era feito por cinco anos. Atualmente, em algumas situações, estendemos por dez anos”, completa.
Como prevenir as recidivas após o tratamento de câncer de mama
Alimentação balanceada, exercícios físicos regulares, apoio psicológico e monitoramento a partir de exames para prevenir complicações são algumas recomendações
De acordo com a mastologista Livia Conz, membro da SBM, a expectativa no pós-tratamento de câncer é que as mulheres sejam capazes de realizar todas as suas atividades diárias com qualidade de vida. Para isso, ela destaca a importância de seguir as orientações médicas para prevenir complicações e identificar qualquer sinal de recorrência. Os cuidadoscomeçam por alimentação e exercícios físicos devem ser colocados em prática.
Após o tratamento do câncer de mama é essencial que a paciente mantenha uma rotina de exames de acompanhamento, alimentação saudável, prática regular de exercícios físicos e cuidados com a saúde mental”, afirma Livia Conz.
Uma dieta balanceada, com frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras, segundo a especialista, é benéfica para o sistema imune e, consequentemente, para o controle de neoplasias. A mastologista da SBM destaca que não existem alimentos comprovadamente associados à recidiva de tumores.
Mesmo o açúcar, considerado por muitos um ‘vilão’ do câncer, não apresenta uma ligação direta com risco da doença. A ingestão de álcool e o tabagismo, sim, estão associados à probabilidade de desenvolver câncer de mama”, afirma.
Manter o peso saudável é fundamental, pois a obesidade, segundo ela, pode aumentar as chances de recorrência. Neste sentido, a combinação desejável é alimentação e prática regular de exercícios físicos.
Yoga, natação, pilates e fortalecimento muscular são ótimas opções, pois ajudam a melhorar a mobilidade, aliviar o cansaço e manter o peso”, diz Livia Conz, que recomenda ainda 30 minutos de caminhada por dia em intensidade “mais forte” para diminuir o risco de desenvolvimento da doença.
Monitoramento deve ser feito regularmente
O monitoramento de possíveis recidivas é realizado com mamografias regulares (em geral anuais), exames de imagem complementares, como ultrassom das mamas ou ressonância magnética em determinadas situações e consultas periódicas com o mastologista e oncologista. O acompanhamento pode variar de acordo com o tipo de tratamento e as recomendações médicas.
Tomografias e exames de cintilografia óssea podem ser solicitados como forma de rastreamento de metástases para casos de alto risco de recidivas, mas esta medida não é consenso de acordo com a maior parte dos guidelines”, pontua.
Fadiga, dores nas articulações, neuropatia e alterações hormonais podem persistir após o tratamento de câncer de mama. Nestas situações, a especialista indica fisioterapia, tratamentos complementares, drogas antidepressivas em situações específicas.
“Uma boa comunicação com a equipe médica também pode ajudar a minimizar esses sintomas”, reforça. Medicamentos, a exemplo dos SERMs, inibidores seletivos dos receptores de estrogênio, assim como os inibidores de aromatases, em geral são prescritos por cinco anos.
Vitaminas não estão relacionadas à recorrência do câncer
Da mesma forma que as medicações, o uso de suplementos ou vitaminas deve ter orientação médica. Livia Conz ressalta que não há estudos suficientes que associem determinada vitamina ao menor risco de recorrência. “A vitamina D, por exemplo, pode ser recomendada em casos de deficiência, principalmente quando se faz uso dos inibidores da aromatase, que diminuem a chance de recidiva do câncer, porém aumentam o risco de osteoporose.”
A paciente que passou por tratamento de câncer também deve estar atenta para identificar alterações precoces. Novos nódulos, inchaço, vermelhidão, dor persistente ou alterações na pele devem ser relatados ao médico. Outros sinais gerais, como perda inexplicada de peso, fadiga extrema requerem investigação.
O impacto emocional após o tratamento de câncer de mama pode ser profundo. “O apoio psicológico é essencial para lidar com ansiedade, depressão ou medo de recorrência. Terapia, grupos de apoio e atividades que promovam o bem-estar mental podem ser benéficos”, afirma a mastologista.
Ela destaca também a importância de uma rede de apoio formada por familiares, amigos ou mulheres que já tiveram a doença. “Ao mesmo tempo em que o apoio social contribui para a redução do estresse, pode motivar a adoção de hábitos saudáveis que são tão necessários no pós-tratamento”, conclui Livia Conz.
Estudo descobre mecanismo que evolui para metástase, mesmo após tratamento bem-sucedido
Pesquisa do Reino Unido também atesta eficácia sobre medicamento para a doença. Descobertas apontam novos caminhos para prevenção e tratamento
Um estudo publicado em 2023 na Nature Cancer, uma das principais revistas científicas do mundo, revela uma descoberta relevante sobre o câncer de mama. Em experimentos realizados em laboratório, pesquisadores do Institute of Cancer Research, do Reino Unido, mostram que células de câncer de mama, mesmo após um tratamento bem-sucedido, ficam “adormecidas” no organismo por um período de 5 a 20 anos e ao “acordarem” evoluem para metástase no pulmão. A mesma equipe conseguiu bloquear, com sucesso, a evolução dessa recidiva, utilizando um medicamento para tratar leucemia mieloide crônica.
Como toda pesquisa séria, este estudo é uma luz no tratamento de uma doença importante como o câncer de mama”, afirma mastologista Rosemar Rahal, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). “Tão significativo quanto descobrir mecanismos, como os que foram demonstrados pelos cientistas do Reino Unido, é evitar que a doença comece”, ressalta.
De acordo com o estudo recém-publicado na Nature Cancer, pacientes diagnosticadas com o tipo mais comum de câncer de mama, o tumor receptor de hormônio positivo (RH+), mesmo com o sucesso de um tratamento, podem desenvolver metástase anos após as intervenções iniciais.
Um grande questionamento que fazemos é por que razão estes tumores RH+, mesmo descobertos precocemente, em fase muito inicial, e tratados, ainda representam um risco para a volta da doença após 5 a 20 anos, chegando a um índice de ocorrências de até 17%”, destaca a médica Rosemar Rahal, da SBM. No Brasil, há cerca de 65 mil casos de câncer de mama ER+ a cada ano.
O estudo pré-clínico, realizado com camundongos pelos pesquisadores do Institute of Cancer Research, revelam que à medida que o organismo humano envelhece há o aumento de uma proteína nos pulmões chamada PDGF-C. De acordo com os cientistas, esta proteína determina se as células inativas do câncer de mama permanecem “adormecidas” ou “despertam”, evoluindo para um quadro de metástase.
Para a mastologista Rosemar Rahal, as investigações sobre o microambiente e as condições favoráveis para que os tumores “acordem” após um longo intervalo entre a detecção e o tratamento bem-sucedido do câncer de mama constituem revelações fundamentais para procedimentos e desenvolvimento de novas drogas.
Como estratégia para bloquear o aumento da proteína PDGF-C e evitar o processo de proliferação de células cancerígenas, os cientistas do Reino Unido aplicaram o medicamento imatinib nos camundongos, utilizado no tratamento de pacientes com leucemia mieloide crônica. Embora os resultados demonstrem sucesso, a médica destaca uma vez mais que, por se tratar de um estudo pré-clínico, ainda há muito a pesquisar sobre o mecanismo que resulta na metástase nos pulmões e também a respeito do medicamento. “Para chegarmos a uma droga usada com segurança e eficácia, há muito trabalho pela frente. Estamos falando de algo que não estará disponível no mercado em curto prazo”, afirma.
Além da utilização de drogas para o câncer, a médica ressalta que a pesquisa, especialmente no que se refere ao microambiente onde os tumores se desenvolvem após um longo período de dormência, indica caminhos para outros tipos de tratamento. “Temos, por exemplo, a imunoterapia, que constitui um grande avanço nos casos de câncer de mama e consideramos utilizar o próprio sistema imune do paciente neste microambiente como estratégia de combate da doença.”
Tão importante quanto as descobertas apresentadas pela ciência, segundo a mastologista, é evitar que o câncer de mama comece, com reforço de medidas de grande impacto na qualidade de vida, como alimentação, atividade física e controle de peso. “Estas atitudes no dia a dia também se refletem em sobrevida de pacientes tratadas por câncer de mama”, afirma.
Rosemar Rahal destaca ainda outro ponto importante. “No Brasil, há uma grande divergência sobre o acesso ao tratamento”, enfatiza. “Seja no sistema privado ou público, a Sociedade Brasileira de Mastologia entende que todas as mulheres, indistintamente, têm o direito ao diagnóstico precoce e a todo o tratamento disponível nas redes de saúde do País”, conclui.
Com informações da SBM