A recente decisão de Whindersson Nunes de se internar voluntariamente em uma clínica psiquiátrica reacende uma questão delicada e, muitas vezes, incompreendida: por que celebridades que possuem sucesso, dinheiro e milhões de fãs enfrentam crises severas de saúde mental?
A verdade é que a depressão não escolhe status, seguidores ou conta bancária, e, em muitos casos, a exposição excessiva e a pressão da fama se tornam gatilhos silenciosos para transtornos como ansiedade, burnout e depressão profunda.
Há tempos o humorista brasileiro compartilha abertamente sobre sua luta contra a depressão, ressaltando que mesmo em meio ao sucesso, a doença pode persistir. Assim como Whindersson Nunes, o Padre Fábio de Melo também comoveu a internet ao anunciar uma pausa na carreira para se tratar de uma depressão.
“Foi à beira do abismo que eu sempre andei”, diz o religioso, que recentemente declarou estar em uma nova crise depressiva, durante as celebrações dos 35 anos da Comunidade Católica Obra de Maria, na Arena Pernambuco. “Eu sei que o Senhor está aqui e sei que não vou desistir. Quero pedir que estendam os braços para aqueles que sofrem comigo”, disse o padre.
Vários outros famosos abriram o coração e compartilharam suas batalhas contra a depressão, ajudando a desmistificar a doença e incentivar outros a buscar ajuda. O cantor sertanejo Lucas Lucco, de 33 anos, também conhecido por sua luta contra a depressão, falou ao Podshape, em janeiro, sobre a pressão emocional que a fama impõe, especialmente quando o sucesso se torna difícil de manter.
Acho que tem muito a ver com a fama. Você conquista um espaço, mas tudo o que vem com isso é muito pesado: a pressão, a cobrança”.
Não é só no Brasil que celebridades vêm quebrando paradigmas e falando abertamente sobre as dificuldades que enfrentam em sua jornada com a saúde mental. O ator canadense-americano Jim Carrey revelou que sofre de depressão e utiliza terapias como a meditação para o tratamento. A cantora britânica Adele também enfrentou a depressão pós-parto e fez terapia para lidar com seu “lado muito escuro”.
A experiência dessas figuras públicas mostra que a depressão pode afetar qualquer pessoa, independentemente da idade, gênero ou status social”, afirma a psiquiatra Maria Fernanda Caliani.
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O colapso emocional do humorista alerta para cuidados com a saúde mental de pessoas famosas. Para a psicanalista Ana Lisboa, o caso do humorista Whindersson Nunes escancara um fenômeno psicológico que atinge muitas celebridades, que é a dissociação da própria identidade.
Quando alguém se torna uma figura pública, acaba criando uma nova personalidade para as redes sociais. O problema é que, com o tempo, a necessidade de sustentar esse personagem pode levar a um completo distanciamento de quem a pessoa realmente é. Isso gera um vazio existencial profundo, que muitos confundem com depressão ou ansiedade, mas que, na verdade, é um deslocamento da própria identidade”, explica.
A pressão para estar sempre disponível, manter um padrão de felicidade e lidar com a expectativa do público cria uma sobrecarga emocional implacável. “As pessoas acreditam que influenciadores e artistas não trabalham, mas, na realidade, eles vivem uma carga horária de 24 horas por dia. Não há desligamento, não há descanso da própria imagem. É uma exposição contínua, um turbilhão de cobranças, críticas e, em muitos casos, ameaças de morte, como a própria Luísa Sonza revelou que Whindersson enfrentava. Isso coloca toda a família dentro de uma narrativa de pressão insustentável”, complementa Ana Lisboa.
A especialista destaca que esse tipo de sofrimento não afeta apenas os famosos. Pessoas que se dedicam integralmente a um cargo ou função também podem viver esse tipo de dissociação. “Isso acontece até mesmo com profissionais que se vinculam mais ao seu papel do que à sua essência. Quando alguém se torna refém de uma identidade que precisa ser mantida a qualquer custo, o corpo responde. Ele pode adoecer fisicamente para tentar trazer a pessoa de volta à sua verdadeira identidade”, explica.
‘Ao invés de ser sinônimo de liberdade, fama se torna uma prisão invisível’
Foi exatamente o que aconteceu com a cantora Anitta, que no auge de sua carreira precisou resgatar sua essência como Larissa. O mesmo padrão se repetiu com Justin Bieber, Britney Spears e tantas outras celebridades. A fama, ao invés de ser sinônimo de liberdade, se torna uma prisão invisível, onde a necessidade de corresponder às expectativas externas anula a própria existência.
Para Ana Lisboa, a internação de Whindersson foi uma escolha acertada. “Esse é um movimento de retorno para si mesmo. De se reconectar com sua história, seu corpo, sua essência. A fama exige um nível de entrega que, muitas vezes, gera um senso de morte interna. O corpo reage para evitar que essa desconexão se torne definitiva. O tratamento psiquiátrico, nesse caso, não é apenas uma solução para um transtorno, mas um caminho para a reconstrução de uma identidade real e saudável”, conclui.
Psiquiatra esclarece sintomas da depressão
Segundo Maria Fernanda Caliani, a depressão é uma condição psiquiátrica que se manifesta principalmente através de uma tristeza persistente, perda de interesse ou prazer em atividades antes apreciadas, e uma sensação geral de desamparo.
Ao contrário do que muitos pensam, a depressão não é simplesmente estar triste, mas uma condição debilitante que pode afetar significativamente a vida cotidiana de uma pessoa”, destaca.
Os sintomas da depressão podem variar, mas alguns dos mais comuns incluem:
- Tristeza profunda: Sentimento constante de tristeza, vazio e desesperança.
- Falta de interesse: Perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas.
- Problemas de sono: Dificuldade para dormir ou dormir em excesso.
- Fadiga e falta de energia: Sensação constante de cansaço e falta de motivação.
- Alterações no apetite: Perda ou ganho significativo de peso sem motivo aparente.
- Pensamentos suicidas: Pensamentos frequentes sobre morte ou suicídio.
Tratamentos para a depressão
Em sua batalha contra a depressão, Padre Fábio de Melo destaca a importância de buscar tratamento e apoio, e reconheceu a necessidade de suporte químico e emocional para gerenciar a doença. O tratamento da depressão geralmente envolve uma combinação de medicamentos, psicoterapia e mudanças no estilo de vida, de acordo com a Dra. Maria Fernanda Caliani.
Aqui estão as principais abordagens:
- Medicamentos antidepressivos: Existem várias classes de antidepressivos, como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), antidepressivos tricíclicos e inibidores da monoamina oxidase (IMAO). Cada classe atua de forma diferente para equilibrar os neurotransmissores no cérebro.
- Psicoterapia: A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das abordagens mais eficazes, ajudando os pacientes a reestruturar pensamentos negativos e desenvolver estratégias de enfrentamento.
- Terapias integrativas: Técnicas como a meditação, exercícios físicos regulares e atividades de lazer podem apoiar o tratamento convencional e melhorar o bem-estar geral.
- Técnicas de neuromodulação: Em casos severos, tratamentos como a eletroconvulsoterapia (ECT) ou a estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) podem ser utilizados.
Ainda que muito difícil de lidar, é possível encontrar caminhos para superar a depressão com o suporte adequado. “Que histórias de pessoas famosas como o Padre Fábio de Melo sirvam de inspiração e lembrança de que buscar ajuda é um passo crucial para a recuperação”, comenta a psiquiatra.
Mas a pergunta que fica é até quando vamos, como sociedade, parar de romantizar a fama e entender que, por trás de milhões de curtidas, pode existir uma dor imensurável?”, finaliza Lisboa.
Brasil é o país com mais deprimidos da América Latina
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país latino com maior prevalência de depressão, com 5,8% da população acometida pela doença, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros. De acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência pode chegar a 15,5%, sendo 20% nas mulheres e 12% nos homens.
Quando incluímos o mercado de trabalho, os números também impressionam, dados do INSS registraram 421 benefícios em 2023 registrando um aumento de mais de 1.000% em relação a 2014. Boa parte dessa realidade se dá pelo fato de os brasileiros terem que trabalhar mais do que as outras nações para acessar serviços básicos não oferecidos pelo estado, essa sobrecarga acarreta transtornos de depressão e burnout.
Para as empresas, trazer ações preventivas deixou de ser um diferencial competitivo e passou a ser uma necessidade. “É preciso incentivar uma discussão ampla e acessível sobre saúde mental no ambiente de trabalho e oferecer informações úteis tanto para colaboradores. Tirar as ideias do papel e passar a implementá-las na prática”, diz a psicóloga Fátima Macedo.
Especializada em saúde-ocupacional e terapia cognitiva-comportamental, com mais de 20 anos de atuação em saúde mental no trabalho e do trabalhador, ela é diretora da Mental Clean e co-autora do livro do Caos à Cura.
Entenda o caso de Whindersson Nunes
O humorista e influenciador digital Whindersson Nunes, de 30 anos, se internou em uma clínica psiquiátrica no interior de São Paulo na semana passada. A informação só foi divulgada na noite de quinta-feira (20) pela Non Stop, empresa que gerencia sua carreira (veja na íntegra abaixo).
Ao longo dos anos, ele tem usado sua plataforma para falar sobre a importância de cuidar da saúde mental, incentivando outros a procurarem ajuda. O comediante já revelou em várias entrevistas que passou por momentos difíceis, incluindo crises de ansiedade e depressão profunda. A solidão e a pressão por estar sempre em alta nas redes sociais foram fatores que contribuíram para o seu estado emocional.
Em 2018, ele chegou a fazer uma pausa na carreira para se tratar e buscar apoio psicológico, compartilhando sua jornada com os fãs, o que ajudou a desmistificar a ideia de que pessoas famosas não enfrentam problemas emocionais.
Em maio de 2021, ele declarou publicamente a dor de ter perdido o filho, João Miguel, fruto da então união com a estudante de engenharia civil Maria Lina. O bebê nasceu prematuro de 22 semanas e passou dois dias internado na UTI. Nas redes sociais, ele falou que sofria com comentários maldosos sobre a criança nas redes sociais.
Filho, escrevi essa música no hospital, queria que você ouvisse na sua saída, atestando o maior milagre. E você saiu, não pra casa, mas pra melhor casa, ao lado do melhor. Desculpa as pessoas falarem de você, tão pequeno, sem nem poder se defender. Eu realmente tento entender (…) E eu tento não odiar quem desejou mal ao meu filho, mas eu sou humano, meu coração parece que vai sumir pra dentro e engolir meu peito”, declarou na ocasião.
‘Em breve, estará de volta aos palcos fazendo o que mais ama’
A Non Stop Produções Artísticas, escritório responsável pelo gerenciamento de carreira de Whindersson Nunes, informa que o humorista se internou, por decisão própria e com o devido acompanhamento médico, em uma clínica psiquiátrica no interior de São Paulo, na última semana.
O motivo da interação é o cuidado com sua saúde, buscando o tratamento adequado para seu bem-estar. Sempre preocupado com seus fãs e com o público, Whindersson tomou essa decisão visando o cuidado integral de sua saúde.
Ele está muito bem, feliz com sua evolução e, em breve, estará de volta aos palcos fazendo o que mais ama. Agradecemos a compreensão de todos e ressaltamos que a privacidade e o respeito são fundamentais neste momento.
Com Assessorias