A menopausa consiste em um período natural na vida das mulheres, marcado por uma série de alterações hormonais importantes e que geram impactos significativos no dia a dia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) até 2030 teremos 1 bilhão de pessoas com sintomas da menopausa. Atualmente, no Brasil, são cerca de 18 milhões de mulheres nessa condição.
É nesta fase que os ovários passam por uma queda abrupta na produção dos hormônios – este fenômeno recebe o nome de falência ovariana. É comum, neste período, o surgimento de sintomas amplamente conhecidos, como alterações menstruais, alterações de humor, ondas de calor (fogachos), insônia, depressão, entre outros.
Além disso, problemas cognitivos também podem afetar a qualidade de vida da mulher, a exemplo do “nevoeiro cerebral”, que tem ganhado crescente atenção. A expressão é bastante conhecida pela comunidade médica quando o assunto é menopausa e está relacionada à sensação de confusão mental, dificuldade de concentração e lapsos de memórias.
O nevoeiro cerebral, também conhecido como ‘brain fog’, é uma sensação de confusão mental, dificuldade de concentração, lapsos de memória e lentidão de raciocínio. Este sintoma pode ser preocupante para as mulheres na menopausa, afetando suas atividades diárias e qualidade de vida”, explica o ginecologista Igor Padovesi, membro da North American Menopause Society (NAMS) e da International Menopause Society (IMS).
Nesta fase da vida, as mulheres costumam se queixar desses sintomas, que podem levar, em alguns casos, a situação de diminuição da autoestima e impactar de maneira significativa na produtividade nas relações pessoais e de trabalho.
As causas do nevoeiro cerebral na menopausa estão associadas, principalmente, à queda dos níveis de estrogênio, um hormônio que desempenha um papel crucial na função cognitiva.
O estrogênio influencia a comunicação entre as células nervosas e tem um efeito protetor no cérebro. Quando seus níveis caem, o cérebro sofre alguns impactos, o que ocasiona dificuldades de concentração e memória.
É muito comum durante a menopausa as mulheres apresentarem inúmeros sintomas físicos e, também, questões associadas à mente. É preciso reconhecer os sintomas e indicar o tratamento adequado para garantir a melhor condição para cada paciente, revela o ginecologista Vinícius Carruego, diretor-médico da Clínica Elsimar Coutinho SP.
Nevoeiro cerebral: sintoma pode impactar produtividade, bem-estar e autoestima
Esquecer de compromissos ou ter dificuldades para encontrar palavras pode ser um sintoma da menopausa
Além desses sintomas, o nevoeiro cerebral pode manifestar-se através de uma dificuldade em encontrar palavras durante uma conversa, um esquecimento de compromissos ou tarefas importantes e uma sensação de estar sobrecarregada mentalmente: “Esse nevoeiro cerebral não só diminui a concentração, mas também pode prejudicar a tomada de decisões e a capacidade de resolver problemas”, enfatiza o ginecologista.
Segundo o especialista, essa condição pode interferir na aptidão em desempenhar tarefas profissionais e pessoais, impactando diretamente a produtividade e o bem-estar. “O impacto do nevoeiro cerebral vai além do aspecto profissional. Em casa, as mulheres podem sentir-se desorganizadas, o que pode causar estresse adicional. Muitas pacientes relatam sentir-se menos eficientes no trabalho e mais esquecidas em casa, o que gera frustração e ansiedade”, comenta o especialista, que acrescenta que a frustração decorrente desses lapsos de memória e da sensação de estar constantemente distraída pode levar a uma diminuição da autoestima e a um aumento da ansiedade.
E apesar de muitas pesquisas terem demonstrado que há um declínio natural da memória feminina devido ao envelhecimento, principalmente após a menopausa, o Dr. Igor Padovesi ressalta que a causa exata de nevoeiro cerebral permanece desconhecida.
É provável que esteja relacionado à oscilação hormonal inerente a essa fase da vida”, diz o médico. “Além da explicação biológica, é nessa fase que muitas mulheres vivenciam situações estressantes e emocionalmente fortes no casamento, no trabalho, com a saída dos filhos de casa e passam a ter dificuldades com o sono e alterações do humor, irritabilidade, angústia. Toda essa desordem psicológica também é danosa à memória e acaba contribuindo para a sensação de nevoeiro mental”, acrescenta.
O ginecologista reforça que esse é um sintoma muito comum em mulheres na faixa dos 40 aos 50 anos, mas pode surgir até antes em algumas mulheres. “É um sintoma característico da transição menopausal e dos primeiros anos da menopausa e tende a melhorar com o passar dos anos, não possuindo nenhuma relação com doenças como o Alzheimer. Porém, para as mulheres muito afetadas pelo nevoeiro cerebral, existem algumas estratégias que podem ajudar a lidar com o problema.
Como lidar com os sintomas?
Apesar de representar um problema temporário para muitas mulheres, é importante adotar algumas mudanças de comportamento a fim de amenizar possíveis desconfortos relacionados ao nevoeiro cerebral.
Buscar um tratamento individualizado pode fazer a diferença aos primeiros sinais de sintomas da menopausa. “A terapia hormonal é, comprovadamente, o melhor e mais seguro tratamento para lidar com os sintomas comuns da menopausa, incluindo o nevoeiro cerebral, assim melhorando a qualidade de vida das mulheres”, explica Dr. Igor Padovesi.
É fundamental neste momento, o acompanhamento com um médico da sua confiança, pois nestes casos, a terapia de reposição hormonal (TRH) pode ser a melhor opção para aliviar o nevoeiro cerebral, embora seus benefícios e riscos devam ser discutidos individualmente”, afirma o Dr Vinicius Carruego.
Os especialistas também reforçam a importância do estilo de vida saudável. com a prática de atividade física, exercícios de meditação, alimentação equilibrada e manter bons relacionamentos na vida pessoal podem fazer a diferença e colaborar para o equilíbrio físico e mental.
Cultivar uma alimentação equilibrada, praticar exercícios físicos regularmente, realizar atividades que desafiam o cérebro, como jogos de lógica, leitura e aprendizado, além de garantir noites de sono adequadas: esses são os principais aliados no envelhecimento saudável e na preservação da memória durante a menopausa”, finaliza o Dr Igor.
Leia mais
Como a menopausa afeta a saúde mental das mulheres
9 dicas para ajudar as mulheres a lidar com a sexualidade na pós-menopausa
Hipertensão afeta mulheres na menopausa e 15% das gestantes
Por que a autoestimulação é tão importante na menopausa?
Palavra de Especialista
Por que precisamos falar da menopausa e do declínio cognitivo?
Por Alessandra Rascovski*
Dor nas articulações, mudança de humor, ondas de calor, suores noturnos, insônia, metabolismo lento, esquecimento das coisas Normalmente, no período do climatério ou transição para menopausa, a sensação que se tem é “tem algo errado comigo, não estou me reconhecendo” e esses sintomas podem flutuar por bastante tempo, mas será que os profissionais de saúde estão preparados para nos atender nessa fase?
Muita gente acredita que a menopausa é um problema de ordem apenas ginecológica, já que nessa fase os ovários interrompem a produção dos hormônios. Mas o cérebro é rico em receptores para estrogênio, o que me leva a dizer que a menopausa também é um processo neurológico. Esses receptores se localizam especialmente em regiões que controlam memória, sono, humor e temperatura corporal. Muitos sintomas descritos acima se originam no cérebro, e não nos ovários.
É essencial prestar atenção nos sintomas e reconhecer quais deles podem estar ligados à menopausa, já que 50-85% das mulheres dizem que seus sintomas não foram tratados, segundo o The M Factor Menopause, primeiro documentário médico sobre o assunto.
Sou fã da Lisa Mosconi, professora de neurociência e diretora do Programa de Prevenção de Alzheimer no Centro Médico Weill Cornell, da Universidade de Cornell. Ela vem observando o comportamento cerebral das mulheres em fases como perimenopausa e anos após o início da menopausa. O estrógeno 17 beta estradiol é a forma de estrogênio mais biologicamente ativa do organismo e tem muito efeito nos receptores cerebrais.
Lisa Mosconi analisou várias tomografias feitas via emissão de pósitron – na qual a molécula do hormônio é marcada com flúor radioativo, que brilha quando se encaixa nos receptores do cérebro. Um dos principais achados é que na transição da menopausa os receptores aumentam de densidade, sinalizando a falta de estrogênio. Quanto maior a sua densidade, os sintomas cognitivos podem ser mais acentuados e isso sinaliza como se esse cérebro estivesse com “fome” de estrógeno.
Isso vem ao encontro do que a gente já observa na prática clínica e corrobora com os estudos que reconhecem que a reposição hormonal no início da menopausa é mais eficiente para prevenir demência. Já em cérebros de mulheres na menopausa há mais tempo que não realizaram a reposição hormonal, acontece o “shut down” desses receptores, ou seja, eles se fecham pela falta de “alimentação”. Isso também reforça a “janela de oportunidade” para que a reposição seja iniciada nos primeiros 10 anos da menopausa.
O diagnóstico mais assertivo é o clínico e estudos abrem novas perspectivas sobre possíveis biomarcadores de diagnóstico da menopausa. É fundamental espalharmos conhecimento, como já fazemos com o Projeto Cérebro em Ação, desde 2018. As mulheres merecem passar por essa fase com mais leveza e qualidade de vida. Cuidar de mulher é cuidar do futuro, é cuidar do cérebro , da família e da sociedade.
*Alessandra Rascovski é endocrinologista e diretora clínica da Atma Soma. Formada em Medicina pela Unisa, é doutora em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP. Além disso, detém certificado em medicina mente-corpo e gerenciamento de estresse pela Harvard Medical School/Mind Body Institute. Fundou o Ambulatório Clínico de Obesidade Mórbida do Hospital das Clínicas da FMUSP e é idealizadora do Instituto Rascovski e do Projeto Cérebro em Ação.