Os cancelamentos unilaterais de contratos por parte das operadoras de saúde afetam principalmente os planos coletivos por adesão, destinados a grupos de uma mesma categoria profissional ou entidades de classe. Nos casos, geralmente, não há inadimplência do usuário ou descumprimento de alguma cláusula (contratual), o que, sim, poderia ocasionar a rescisão unilateral do convênio por parte dos planos.
Para a especialista em Saúde Suplementar da Funcional Health Tech, Italoema Sanglard, “a contratação por adesão se tornou uma “falsa contratação coletiva”, já que os dados mostram que o comportamento desses beneficiários se assemelha muito mais aos individuais, embora o contexto regulatório delimite com clareza quem são as pessoas elegíveis a se vincularem a esse tipo de plano”.
Para ela, o aumento nos cancelamentos desses contratos pelas operadoras, muitas vezes de forma unilateral, que tem gerado reclamações por parte dos beneficiários, sugere que “o modelo de contratação coletiva pode estar enfrentando desafios significativos no mercado de convênios”. (Veja no artigo completo abaixo).
A Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) investigou quase mil denúncias contra planos de saúde no estado desde 2023. Os cancelamentos unilaterais de contratos representam 36% das reclamações, com a Amil e a Unimed liderando as denúncias. Segundo a Comissão, operadoras de planos de saúde, principalmente a Central Nacional Unimed, vem rescindindo unilateralmente os convênios de centenas de beneficiários com TEA.
A Unimed e a FenaSaúde, entidade que representa as operadoras de saúde suplementar, afirmam que a rescisão unilateral dos contratos coletivos está prevista em contrato e nas normas da ANS. Mas não é isso que informa a ANS, que assim se manifestou: “Nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano em função da sua condição de saúde ou idade e também não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos”.
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No Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa (Alerj) abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)para investigar as denúncias de cancelamento unilateral de planos de saúde de pessoas com deficiência (PCDs), incluindo também pessoas com TEA, doenças raras e outras doenças crônicas.
As entidades que representam as operadoras de saúde têm prazo até dia 22 de julhi para prestar esclarecimentos. Representantes das empresas e também da ANS voltarão a prestar depoimento no dia 8 de agosto.
Em 2023, a Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pediu uma investigação da Promotoria de Justiça do Consumidor. Casos de rescisão unilateral desses convênios foram levados à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e ao Ministério da Saúde.
Ainda no ano passado, a Comissão ouviu representantes de associações de planos de saúde deem esclarecimentos sobre as denúncias de cancelamento de coberturas de planos de saúde para tratamento de pessoas autistas.
ANS deve garantir a qualidade e segurança dos planos de saúde
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a entidade responsável por supervisionar e regulamentar os planos de saúde no Brasil. A atuação da ANS é essencial para garantir a qualidade e a segurança dos serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde, bem como para proteger os direitos dos beneficiários.
Além disso, o Ministério Público desempenha um papel relevante na fiscalização, atuando como defensor dos direitos dos consumidores e investigando casos de descumprimento das normas e abusos por parte das operadoras.
Os beneficiários também podem contribuir na fiscalização, reportando denúncias e reclamações à ANS, que utiliza essas informações para identificar irregularidades e direcionar suas ações.
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Planos coletivos por adesão, uma falsa contratação coletiva
Por Italoema Sanglard*
O mercado de planos de saúde coletivos por adesão tem passado por mudanças significativas nos últimos anos. Inicialmente, a distinção entre contratos empresariais e por adesão era baseada na compulsoriedade da concordância dos funcionários ou associados. No entanto, desde a Resolução Normativa nº 195 de 2009 da ANS, essa diferenciação foi estabelecida de acordo com o vínculo empregatício (empresarial) ou associativo (adesão).
Essa distinção afeta as regras de reajuste e cancelamento dos contratos. Do mesmo modo que nos vínculos individuais, as alterações de valores são anuais definidas pela ANS e o cancelamento é decidido pelo beneficiário, nos coletivos, essas questões são negociadas entre a operadora e a pessoa jurídica contratante. Isso pode resultar em adequações e encerramentos desfavoráveis aos contratantes, especialmente se a primeira considerar os acordos financeiramente insustentáveis.
Os coletivos por adesão são onde as administradoras de benefícios têm maior atuação, conforme determinado pela ANS em 2009. No entanto, ao longo dos anos, houve uma mudança significativa no perfil etário, com um aumento da proporção de beneficiários mais velhos. Em 2008, 15% dos usuários deste tipo de seguro tinham 60 anos ou mais, enquanto a partir de 2020 esse percentual aumentou para 24%.
Segundo dados do ACPS – Anuário de Custos de Planos de Saúde da Funcional Health Tech, referente ao ano de 2023, a idade média do beneficiário em contrato coletivo por contratação é de 41 anos, e em plano individual é de 40 anos, e em coletivo empresarial é de 33 anos.
Os custos médios mensais para as operadoras também variam entre os diferentes tipos de convênios, sendo mais altos para os contratos coletivos por adesão. O ACPS 2024, mostra que o custo médio mensal das operadoras para manter esse tipo de beneficiário é de, aproximadamente, R$ 445, no plano individual o custo é de R$ 426, e no coletivo empresarial é de R$245.
Apesar disso, as corretoras continuam oferecendo esses planos a preços mais baixos do que os seguros-saúde individuais, o que tem levado a um desempenho financeiro insatisfatório. O ACPS 2024 estimou que a receita média mensal dos contratantes em coletivo era aproximadamente R$481, enquanto no plano individual foi R$498, e no coletivo empresarial é de R$290.
Esse cenário indica que a contratação por adesão se tornou uma “falsa contratação coletiva”, já que os dados mostram que o comportamento desses beneficiários se assemelha muito mais aos individuais, embora o contexto regulatório delimite com clareza quem são as pessoas elegíveis a se vincularem a esse tipo de plano.
Como resultado, em 2024, tem sido observado um aumento nos cancelamentos desses contratos pelas operadoras, muitas vezes de forma unilateral, o que tem gerado reclamações por parte dos beneficiários. Isso sugere que o modelo de contratação coletiva pode estar enfrentando desafios significativos no mercado de convênios.
Italoema Sanglard é gerente atuarial da Funcional Health Tech, sendo especialista em saúde suplementar, atuando há mais de 16 anos com consultoria e dentro das principais operadoras de saúde do Brasil. É formada em Ciências Atuariais pela UFMG e possui MBA em Gestão Empresarial pela FGV.
Com Assessorias