Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o câncer de mama é o tipo mais incidente nas mulheres do país após o câncer de pele não melanoma. Foram estimados para 2023 73.610 casos novos, o que representa incidência de 41,89 casos por 100.000 mulheres. Um dos principais desafios é garantir a fertilidade em pacientes ainda jovens. Mas uma decisão recente da Justiça acende um sinal de esperança para aquelas que desejam engravidar após a doença, mas não têm condições de pagar um congelamento de óvulos de forma particular.

Em uma decisão por unanimidade neste mês de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que uma operadora de plano de saúde precisa custear o congelamento de óvulos de uma paciente com câncer de mama, de 24 anos, como medida preventiva contra a infertilidade. A ministra Nancy Andrighi argumentou, e foi seguida pelos colegas, que se o plano cobre o procedimento de quimioterapia, também deve cobrir procedimentos em relação à prevenção da infertilidade, que é um dos efeitos colaterais do tratamento.

Segundo a decisão, foi entendido pelo tribunal de que o procedimento faz parte do “planejamento familiar” que, pela Lei dos Planos de Saúde, faz parte da cobertura, levando em conta o caso da jovem. Segundo o STJ, a cobertura será obrigatória até o término do tratamento e, após a alta, cabe à paciente arcar com o armazenamento os óvulos.

Apesar de a decisão ser inicialmente apenas para esse caso, o assunto pode abrir possibilidades para inúmeras pessoas ao redor do país que também sofrem desse problema e poderiam ter a mesma oportunidade. Especialistas em reprodução humana comemoraram a decisão.

“É uma grande vitória. Infelizmente, o congelamento de óvulos ainda é um procedimento que acaba se tornando inacessível para parte da população brasileira por conta dos altos custos de medicação, exames e procedimentos”, afirma Nilo Frantz, da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva, em São Paulo.

Segundo ele, essa decisão contribui para preservar a fertilidade feminina que pode ser afetada pelo tratamento oncológico, trazendo à paciente o sentimento de poder optar ou não pela maternidade no futuro e também a acessibilidade para esse procedimento tão importante e que deve ser cada vez mais disseminado.

Frantz explica que o tratamento oncológico é complexo e que a quimioterapia, uma das principais formas de tratamento de diversos cânceres, pode interferir em 40 a 80% na fertilidade feminina, causando uma menopausa precoce.

“Felizmente, hoje já existem técnicas para preservar a fertilidade feminina em pacientes oncológicas, como o congelamento de óvulos. Uma vez que os óvulos são retirados antes do início do tratamento e criopreservados, podendo ser utilizados futuramente, quando a paciente já estiver tratada e apta a engravidar”, explica Nilo Frantz.

Por que o tratamento oncológico afeta a fertilidade

Especialista em reprodução humana e diretor clínico da Clínica Mater Prime, em São Paulo, Rodrigo Rosa explica que o diagnóstico do câncer é acompanhado de muito medo e apreensão por parte do paciente, afinal, a doença, além de ser cercada de grandes estigmas, ainda afeta uma série de setores da vida, incluindo o familiar, o social e o psicológico.

Np caso das mulheres que ainda desejam ter filhos, outro fator importante também deve ser levado em consideração: a fertilidade, que pode ser prejudicada pelas terapias para tratamento do câncer, como a quimio e a radioterapia. “Isso porque uma das maiores complicações desses tratamentos é a perda da função das gônadas, como os ovários, o que, consequentemente, causa infertilidade, seja ela permanente ou temporária”, explica o Dr. Rodrigo Rosa.

Essa questão, para muitos, pode parecer trivial em meio a um tratamento oncológico, mas, após a cura da doença, a fertilidade pode se tornar uma questão importante para a mulher, segundo o Dr. Rodrigo.

“O problema é que é muito difícil prever quais as chances de a mulher sofrer com infertilidade após a cura da doença, pois o impacto do tratamento oncológico sobre os ovários vai depender de uma série de fatores, como a gravidade do câncer, o tipo de quimio ou radioterapia utilizada e a idade da paciente”, diz o médico.

Congelamento de óvulos não é um procedimento barato

“O congelamento de óvulos não é um procedimento barato. Os valores podem variar de clínica para clínica, mas é preciso colocar no planejamento os custos de todo o processo, incluindo as medicações, o procedimento em si, o armazenamento dos óvulos e, claro, a fertilização in vitro para quando a mulher estiver finalmente pronta para engravidar”, diz o Dr. Rodrigo.

O congelamento dos óvulos é a técnica padrão ouro para garantir que pacientes que correm risco de lesão dos ovários devido ao tratamento oncológico possam engravidar futuramente.

“A criopreservação é uma técnica que consiste na conservação dos óvulos em nitrogênio líquido. Na temperatura de -196ºC, essas células mantêm seu metabolismo completamente inativado, mas preservando seu potencial e viabilidade, o que permite que sejam utilizadas posteriormente para a fertilização”, explica o médico.

No entanto, para que os óvulos ou embriões sejam coletados para serem congelados, é necessário um período de estimulação farmacológica dos ovários, o que pode causar certa preocupação em mulheres com câncer devido à necessidade de adiamento do início do tratamento oncológico. Mas, ao contrário do que muitas mulheres imaginam, o tempo necessário para a estimulação ovariana é curto, durando, em média, apenas 10 a 15 dias.

No geral, o ciclo de congelamento de óvulos inicia-se com o uso de pílulas anticoncepcionais por uma ou duas semanas para desativar temporariamente os hormônios naturais. “Mas, em casos de urgência, como antes da terapia contra o câncer, ignoramos essa etapa e seguimos para o processo de estimulação hormonal dos ovários e amadurecimento dos óvulos, o que leva cerca de dez dias”, diz Dr Rodrigo.

Após amadurecem adequadamente, os óvulos são removidos com uma agulha colocada na vagina sob orientação de ultrassom, o que é feito com sedação intravenosa, e são congelados imediatamente.

“Ou seja, quando a mulher é rapidamente encaminhada a um centro de reprodução humana, a criopreservação dos óvulos não retarda significativamente o início do tratamento do câncer, sendo assim uma opção válida e segura que não possui grande impacto sobre as chances de cura da doença”, afirma o especialista em reprodução humana.

Em seguida, a mulher pode seguir com o tratamento oncológico normalmente. “Com o câncer tratado e a paciente pronta para tentar a gravidez, os óvulos são descongelados, injetados com um único espermatozoide para obter a fertilização e transferidos para o útero como embriões”, conta o Dr. Rodrigo Rosa. E a fertilização não precisa ser realizada logo após o tratamento do câncer ser finalizado.

“Na verdade, para mulheres que sofreram com câncer, o recomendado é aguardar no mínimo dois anos antes de tentar engravidar para que se exclua o risco de recidivas da doença. Mas os óvulos podem permanecer congelados por muito mais tempo. Com base em evidências científicas, estamos confiantes de que o armazenamento de longo prazo de óvulos congelados não resulta em nenhuma diminuição da qualidade. Em um caso, o embrião foi mantido congelado por 27 anos e ainda assim gerou uma gravidez bem-sucedida”, explica o médico.

Taxa de sucesso no congelamento pode chegar a 75%

O congelamento de óvulos possui grandes taxas de sucesso. “Taxas de descongelamento de óvulos e de fertilização bem-sucedida de 75% são esperadas em mulheres de até 38 anos de idade. Dessa forma, para 10 óvulos congelados, espera-se que sete sobrevivam ao degelo e cinco ou seis fertilizem e se tornem embriões”, destaca o médico.

Normalmente, de três a quatro embriões são transferidos em mulheres de até 38 anos de idade. Portanto, recomendamos que 10 ovos sejam armazenados para cada tentativa de gravidez. A maioria das mulheres com 38 anos de idade ou menos pode esperar colher de 10 a 20 óvulos por ciclo. Além disso, ressalta, a criopreservação é um procedimento muito seguro, tanto para a mãe, quanto para o bebê.

“O maior estudo publicado sobre o assunto, com mais de 900 bebês de óvulos congelados, não mostrou aumento na taxa de defeitos congênitos quando comparado à população em geral. Além disso, os resultados de um estudo não mostraram taxas aumentadas de defeitos cromossômicos entre embriões derivados de óvulos congelados em comparação com embriões derivados de óvulos frescos”.

Em 2014, um novo estudo mostrou que as complicações na gravidez não aumentaram após o congelamento dos óvulos. Também conforme o médico, houve mais de 300 mil crianças nascidas em todo o mundo de embriões congelados usando principalmente técnicas de criopreservação de congelamento lento, sem um aumento de defeitos congênitos.

Por fim, o Dr. Rodrigo ressalta que, ao ser diagnosticada com câncer, o mais importante é que a mulher converse com seu oncologista e um especialista em reprodução humana. “Os médicos poderão direcionar a mulher da melhor forma possível para que o congelamento de óvulos e, consequentemente, a preservação da fertilidade sejam realizados sem prejudicar o tratamento oncológico ou colocar sua saúde em risco”, finaliza.

Congelamento de ovários x congelamento de óvulos

O congelamento de óvulos já é uma técnica amplamente conhecida, que também pode ser utilizada por mulheres em tratamento oncológico, mas que colabora principalmente com mulheres que buscam postergar a maternidade sem precisar se preocupar mais com o relógio biológico.

Mas a ciência vem evoluindo a cada dia trazendo novas técnicas e alternativas de tratamentos de reprodução assistida que podem contribuir para uma futura maternidade, uma das novidades, ainda considerada uma técnica experimental, é o congelamento do tecido ovariano. O procedimento já existe na medicina, mas ainda não é feito com frequência no Brasil.

“Ainda temos poucos resultados divulgados, mas estima-se que 1/3 das pacientes tenham sua capacidade reprodutiva restabelecida, enquanto 2/3 o restabelecimento da função hormonal, com reversão da menopausa”, afirma Simone Mattiello, especialista em reprodução humana da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva.

De acordo com a especialista, no congelamento do tecido ovariano é necessário retirar todo ou parte do ovário. “O processo é feito por cirurgia videolaparoscópica sob anestesia geral e exigindo internação hospitalar. Dessa forma, a paciente deve ser preparada e estar em condições para a realização do procedimento”, explica a especialista.

Segundo ela, após a retirada do ovário ou de parte dele, o que foi coletado será congelado, de forma com que as suas principais funções sejam mantidas, como produzir hormônios e conter os óvulos. “Quando indicado, o ovário poderá ser enxertado de volta na paciente e assim ela possa gestar com seus próprios óvulos e retorne a função hormonal”, afirma.

A especialista diz que o procedimento teria como foco principal crianças e adolescentes que ainda não atingiram a puberdade, mas tiveram diagnóstico de câncer e serão submetidas a tratamento quimio e radioterápicos com riscos de obterem falência ovariana.

Para ambos os tratamentos é necessário a avaliação e acompanhamento de um médico especializado em reprodução humana que possa indicar por meio de exames e investigações o que é mais adequado em cada situação.

Com Assessorias

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!
Shares:

Related Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *