Fernando Aranha, 45 anos, é um atleta do triathlon. Já Roger Gross Jacintho, 24, compete no atletismo. Os dois vivem e treinam na Grande São Paulo e fazem parte de um grupo de 3,6 milhões de moradores do estado que possuem algum tipo de deficiência – física ou intelectual. Isso representa 7,85% do total de paulistas.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada em julho de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), na Região Metropolitana da capital, são 1,4 milhão de pessoas com deficiência, o que significa 6,73% dos moradores.

Apesar dos avanços, ainda há muitos desafios a serem enfrentados. No Dia Mundial da Pessoa com Deficiência, celebrado neste domingo (3), os dois paratletas comentam sobre suas conquistas, a luta por mais inclusão e contra o capacitismo, e o que faz a diferença para que eles sejam competidores em alto nível em suas modalidades.

Fernando Aranha, do triathlon, teve poliomielite na infância e usa cadeira de rodas (Foto: Reprodução/Instagram)

Sequelas da poliomielite e má formação nas pernas

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com algum tipo de deficiência. Parte desta população possui algum tipo de dificuldade na mobilidade, como é o caso de Fernando, que utiliza uma cadeira de rodas devido às consequências da poliomielite.

Entre a adolescência e o início da vida adulta, ele começou a praticar basquete e, desde então, não saiu mais dos esportes. Mudou de modalidade, devido a rotinas de trabalho e estudo, e optou por migrar para competições individuais até escolher o triathlon. “Esse é o esporte que me deu mais realização e satisfação para representar o Brasil nas competições”, diz o atleta, que já competiu dentro e fora do país, e conquistou títulos no Campeonato Brasileiros de Triathlon.

Roger é natural de Porto Alegre (RS), mas mudou-se para São Paulo antes mesmo da pandemia de Covid-19 para praticar esportes. Ele precisou retornar para a capital gaúcha com a chegada do coronavírus ao país, mas retornou em 2022 para São Paulo. Com isso, no ano passado, conquistou o título de campeão brasileiro de paratletismo na classe T62.

O atleta nasceu com uma má formação nas pernas, e por isso necessita utilizar uma prótese em cada membro para o seu calendário de duros treinos diários. “A gente tem que cuidar da alimentação, do sono, é preciso ter uma rotina de atividades de segunda-feira a sábado, com treinos em dois períodos por dia. Não tem essa história de descansar”, afirma.

Dificuldades e preconceito

Ainda que os dois atletas tenham dias puxados de exercícios com foco nas competições, com toda a assistência necessária, os dois reconhecem que a população nestas condições ainda enfrenta muitas barreiras, mesmo com alguns avanços conquistados. Roger menciona a questão do capacitismo, o preconceito contra pessoas com deficiência, que ainda está presente na sociedade.

“Dificuldade existe para todo mundo, e cada um tem a sua. Mas não é porque eu não tenho as duas pernas que o que eu faço é uma superação. Acho melhor tirarmos essa imagem de coitadinho e mostrar mais a motivação que isso pode gerar para as pessoas“, comenta o atleta.

Roger Gross Jacintho, do paratletismo, usa próteses por conta de uma má formação nas pernas quando nasceu (Foto: Lucas Kendi/Instagram)

Fernando fala sobre a importância das pessoas com deficiência se mostrarem mais para a sociedade com suas demandas. “O nosso entorno só vai melhorar quando a gente se expor, mostrar demandas necessárias, e com isso o poder público e a sociedade não precisam nos tratar como um prato de porcelana. O ser humano é apto, como também tem necessidade de se sentir produtivo”, comenta o atleta.

O atleta ainda acredita na necessidade de inclusão de forma mais ampla, quando menciona os problemas que os deficientes enfrentam em grandes cidades, como São Paulo.

“Quando penso nisso é de uma maneira mais universal de olhar uma cidade para todos. Se uma calçada pode ser ideal para um deficiente, também vai ser o lugar de bom acesso para uma mulher com um carrinho de bebê, por exemplo. Se existe um poste no meio da calçada e não tiver o recuo para uma cadeira de rodas, uma pessoa com bicicleta também terá dificuldades”, avalia.

Tecnologia como aliada para mais independência e autonomia

Os equipamentos utilizados pelos dois atletas – com tecnologias desenvolvidas pela empresa alemã Ottobock – permitem que eles alcancem índices satisfatórios para a participação em competições de alto nível, e não apenas para o cotidiano fora dos treinos.

Fernando acredita que os equipamentos de ponta para os atletas e pessoas comuns, conforme suas necessidades diárias, garantem melhores condições para os deficientes. A cadeira que o atleta utiliza permite que ele faça ajustes em questões como altura e centro de gravidade para o conforto e ergonomia, o que é uma vantagem para sua competição.

“A partir do momento que eu tenho uma cadeira confiável, robusta, ajustável, me permite estar em uma condição ideal de igualdade”. conta o paratleta.

Roger, que utiliza dois tipos de próteses (sendo que uma delas é uma lâmina específica para corridas), comenta que o suporte técnico e profissional é necessário para um atleta progredir em seus treinos e ter segurança para as competições.

“Isso é importante porque faz com que a gente tenha uma dinâmica muito melhor para evoluir e ter mais conforto no uso das próteses”, analisa.

O CEO da Ottobock na América Latina, Marcelo Cuscuna, destaca a importância do tratamento multiprofissional e técnico para garantir a autonomia dessas pessoas.

 “A tecnologia, por si só, não é o suficiente se os pacientes não tiverem à disposição profissionais e estruturas focadas em fisioterapia, terapia ocupacional e assistência técnica para seus equipamentos. A cadeira de rodas e as próteses são essenciais para essas pessoas e precisam estar perfeitas e adaptadas para uso”, explica.

Segundo ele, a luta contra o capacitismo e por autonomia também precisa envolver a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia de ponta para deficientes.

“A tecnologia tem uma finalidade: beneficiar a população. Com isso, precisamos mostrar o que podemos oferecer para esse público com deficiência. Atletas com próteses ou cadeira de rodas para os treinos podem incentivar outras pessoas a seguirem no mesmo caminho”, afirma.

Autodefensoria: grupo discute direitos dos PCDs

Comemorado no dia 3 de dezembro, o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência marca a luta pelos direitos e por mais inclusão desse público na sociedade, por meio da equidade.

Para garantir esses direitos, o Instituto Jô Clemente (IJC), referência nacional e internacional na inclusão de pessoas com deficiência intelectual, doenças raras e Transtorno do Espectro Autista (TEA), possui um grupo de Autodefensoria.

Composto por jovens, adolescentes e até idosos, ele tem como objetivo discutir os direitos das pessoas com deficiência e até mesmo atividades cotidianas e bem-estar, tais como casamento, namoro, paternidade, educação e inclusão profissional.

“Nós, pessoas com deficiência, temos nossos direitos. As pessoas tem que saber. Antes, eu sofria preconceito na escola e o grupo me ajudou a crescer meu pensamento e minha mentalidade e, cada vez mais, reconhecer as leis, além da importância de tratar as pessoas com deficiência como uma pessoa normal e não alguém com mentalidade baixa”, destaca Lucas Bueno de Camargo, que possui deficiência intelectual e é atuante no grupo de Autodefensoria do IJC.

Mesmo com o avanço nas discussões, Lucas afirma que o preconceito contra as pessoas com deficiência ainda está presente. “As pessoas minimizam quem tem deficiência e falam: ‘olha, que coitadinho’. Mas não é assim. Nós temos capacidade para lutar pelos nossos direitos”, reforça Lucas, revelando também o desejo de ingressar na política e, um dia, se tornar deputado.

O grupo de Autodefensoria faz parte do serviço de Defesa e Garantia de Direitos do IJC. Criado em 2004, ele visa promover, proteger, defender e colocar em prática os direitos das pessoas com deficiência intelectual por meio da prestação de serviços voltados ao enfrentamento das desigualdades sociais, sempre em conjunto com os órgãos públicos e outras organizações sociais.

O serviço é reconhecido internacionalmente. Por meio da área de Defesa e Garantia de Direitos, o Instituto participou da 16ª Conferência da ONU sobre direitos das pessoas com deficiência, em Nova York (EUA), integrou a reunião do Civil20, grupo de engajamento oficial do G20, em Nova Delhi (Índia).

Também venceu o Prêmio de Contribuições Significativas, da Rehabilitation International, em evento na China, com o Programa de Autodefensoria. Quem teve lugar de fala em ambos os palanques foi o Roni Novaes, funcionário do IJC que tem deficiência intelectual: “nada de nós sem nós”.

“O trabalho realizado pela área de Autodefensoria do IJC garante que as pessoas com deficiência compreendam e lutem seus direitos, podendo participar de diversas esferas da sociedade”, completa Ronie Novaes, autodefensor do IJC.

Com Assessorias

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