As gotinhas que salvam vidas e marcaram nossas infâncias estão com os dias contados. Pela última vez em 44 anos, o Brasil utiliza a VOP – vacina oral poliomielite (gota) durante a campanha nacional de vacinação contra a doença, que vai até 14 de junho. A gotinha que inspirou a criação do personagem icônico Zé Gotinha será substituída, a partir do segundo semestre de 2024, pela VIP – vacina inativada poliomielite (injetável).
De acordo com o Ministério da Saúde, a campanha deste ano é muito importante para o enfrentamento à poliomielite, pois o país está em fase de transição para substituir as duas doses para apenas um reforço. Ou seja, o esquema vacinal e a dose de reforço serão feitos exclusivamente com a VIP. Todos os estados e municípios receberão as normas e diretrizes dessa alteração.
Por isso, a vacinação é a única forma de prevenção da doença. No entanto, o índice de vacinação contra essa patologia vem caindo sistematicamente desde 2016, sendo que, nos últimos dois anos (2021 e 2022), ficou em torno de 70% de cobertura, bastante abaixo da meta estipulada pelas autoridades de saúde, que é 95% do público-alvo, abrangendo cerca de 13 milhões de crianças menores de cinco anos.
Conforme orientação do MS, crianças de 1 a 4 anos que estejam em dia com o esquema básico devem receber mais uma dose da VOP. A recomendação é que pais e responsáveis levem a caderneta de vacinação da criança para avaliação da situação vacinal pelas equipes de saúde. A expectativa da campanha é reduzir o número de crianças não vacinadas e o risco de reintrodução do poliovírus no Brasil, além de reforçar medidas para a erradicação da doença.
Em 2022, 77% das crianças com menos de um ano receberam a dose da VIP. Já em 2023, o número saltou para 84,63%, de acordo com dados premilinares. Neste ano, a porcentagem de doses aplicadas da VIP, neste momento, está em 85,42. No ano passado, os três estados com os melhores índices de vacinação foram o Ceará, com 93%, Piauí, com 92%, e Santa Catarina, com 90%.
A secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, destaca a importância da imunização. “Graças à vacinação, a poliomelite não faz mais parte do nosso cenário epidemiológico, tendo o último caso confirmado em 1989. Embora tenhamos eliminado a doença em nosso país, ela ainda existe no mundo e por isso é muito importante que os pais levem seus filhos para tomar a vacina e garantir a saúde das crianças”, declarou.
Alto risco para a reintrodução do poliovírus
O último caso de poliomielite em território nacional foi registrado em 1989 e a doença já é considerada erradicada no Brasil desde 1994, quando recebeu a certificação de área livre de circulação do poliovírus selvagem. No entanto, a doença – que deixou milhares de crianças brasileiras com problemas de mobilidade em décadas passadas – corre o risco de voltar a assombrar as famílias.
Com a queda da vacinação nos últimos anos, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) já considera muito alto o risco de reintrodução do poliovírus no país, segundo a Comissão Regional para a Certificação da Erradicação da Poliomielite na Região das Américas (RCC).
Essa categorização se deu a partir do desempenho das coberturas vacinais, dos indicadores de vigilância epidemiológica das paralisias flácidas agudas (PFA) e do status de contenção laboratorial dos poliovírus, por exemplo.
Para o diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunização (DPNI), Eder Gatti, o objetivo também é aumentar as coberturas vacinais e ampliar o acesso às vacinas poliomielite. “A vacinação é a única forma de prevenção contra a poliomielite, também chamada paralisia infantil. Por isso, pedimos aos pais ou responsáveis que levem as crianças ao posto mais próximo para que elas não sofram com as sequelas de doenças imunopreviníveis”, afirmou.
Campanha inspirada nos Jogos Olímpicos
Dentro do conceito “Vacinação contra a pólio. Cuide bem dos nossos futuros campeões”, a campanha tem como inspiração a participação do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris para lembrar pais e responsáveis de vacinar os seus futuros campeões. Nas imagens, crianças menores de cinco anos vestindo o uniforme verde e amarelo do Movimento Nacional Pela Vacinação, praticam as mais diversas modalidades de esportes olímpicos com incentivo e apoio do Zé Gotinha.
O filme principal da campanha conta com a narração e participação do Zé Gotinha, mascote histórico brasileiro, que foi criado em 1986, para divulgação da primeira campanha de vacinação contra a poliomielite. O público-alvo da campanha são pais, responsáveis e cuidadores de crianças com idade entre um e cinco anos, que podem buscar a imunização gratuitamente nas mais de 47 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS) distribuídas em todo o território nacional.
A ação também apresenta um segundo filme sobre o Dia D de Combate à Pólio, em 8 de junho, sábado, uma mobilização de incentivo à vacinação em todo o Brasil, que promove um dia mais flexível para os pais e responsáveis levarem as crianças à UBS mais próxima. No município, a meta é vacinar na campanha 237 mil crianças de 1 a 4 anos, o que corresponde a 95% da população alvo, que é de 248 mil indivíduos.
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Primeira a chegar ao SCCV com o filho Frederico, de 3 anos, a agente comunitária de saúde Thamires Rodrigues falou do dever e do amor: “Eu sei da importância da vacinação. Trouxe o Frederico bem cedo para tomar a gotinha e aproveitar as atividades do dia D.”
Para Bianca Chirlen de 26 anos, o dia D já estava na agenda para levar Benjamin, de 2 anos: “Assim que soube que teria dia D, marquei na agenda. É importante trazer as crianças. A caderneta dele tá sempre em dia.”
Brasil conseguiu reduzir número de crianças sem vacina de pólio
Novos dados analisados pelo Unicef mostram que o Brasil conseguiu retomar os avanços na imunização infantil, após anos de queda nas coberturas vacinais no País, que colocaram em risco a saúde de milhões de crianças. Mesmo com os avanços, ainda há crianças não vacinadas no Brasil, que precisam ser encontradas e imunizadas, em um esforço conjunto envolvendo Saúde, Educação e Assistência Social.
Em 2023, nasceram 2,42 milhões de crianças no Brasil e foram aplicadas 2,27 milhões de primeiras doses da Pólio Injetável, ficando faltando 152,5 mil crianças sem vacina. Esse número é menor do que em 2022, quando 243 mil crianças não receberam a primeira dose contra a pólio. O levantamento do Unicef Brasil mostra que, em 2022 nasceram 2,56 milhões de crianças no Brasil e foram aplicadas 2,32 milhões de primeiras doses da Pólio (VIP).
Divulgada em abril deste ano, durante a Semana Nacional de Imunização, a análise foi realizada com base em dados do Ministério da Saúde, cruzando o número de crianças nascidas vivas a cada ano disponíveis no painel de nascidos vivos e o número de primeiras doses das vacinas contra Pólio aplicadas no mesmo ano disponíveis no painel de vacinação do calendário nacional para 2023 e no Tabnet/DATASUS para 2022.
A retomada da imunização no Brasil é um avanço que merece ser comemorado, mostrando um esforço do País para cuidar da saúde de cada criança. Os desafios, no entanto, ainda existem e precisam ser adequadamente abordados. É urgente encontrar e imunizar cada menina e menino que não recebeu as vacinas”, defende Youssouf Abdel-Jelil, representante do Unicef no Brasil.
Unicef aposta na estratégia de Busca Ativa Vacinal
Para contribuir com esse esforço nacional, o Unicef no Brasil conta com a estratégia Busca Ativa Vacinal (BAV) para apoiar os municípios na garantia da imunização infantil. A BAV visa contribuir com os municípios na identificação de crianças menores de 5 anos com atraso vacinal ou não vacinadas; estabelecer estratégias para encaminhamento delas aos serviços de saúde e atualizações de vacinação; monitorar as coberturas vacinais; acompanhar a situação vacinal da população-alvo; e identificar e responder a vulnerabilidades que levam à não vacinação.
A estratégia incentiva a participação de diferentes áreas nessa busca ativa – como Educação, Saúde, Assistência Social, entre outras –, fortalecendo a rede de garantia de direitos. Para a BAV, o Unicef, conta com a parceria estratégica de Pfizer e Fundação José Luiz Egydio Setúbal.
Avanços nessa linha têm sido vistos no Brasil, como o recém-lançado “Movimento Nacional pela Vacinação na Comunidade Escolar”, levando a imunização para dentro das escolas públicas. O Unicef defende que esses mecanismos intersetoriais de imunização sejam cada vez mais ampliados, articulando também com a Assistência Social, por meio dos CRAS (Centros de Referência em Assistência Social), do Programa Criança Feliz e de tantas outras estratégias que alcançam as famílias em situação mais vulnerável.
Essa busca tem de ultrapassar os muros das unidades básicas de saúde e alcançar outros espaços em que crianças e famílias, muitas em situação de vulnerabilidade. É preciso levar a imunização para escolas, CRAS e outros locais e equipamentos públicos”, afirma Youssouf Abdel-Jelil.
Aumento na cobertura de 13 dos 16 principais imunizantes
Para a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o avanço das coberturas vacinais é resultado de um planejamento adotado desde o início da gestão, com a criação do Movimento Nacional pela Vacinação. Segundo ela, entre 2023 e 2024, foi registrado aumento nas coberturas vacinais de 13 dos 16 principais imunizantes do calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Ela ainda cita a estratégia de microplanejamento, inédita no país, respeitando a realidade de cada estado e município, para que, numa relação tripartite, se estabeleçam estratégias de vacinação de acordo com a realidade local, ampliando, assim, o alcance da imunização. “Sem contar a campanha contra a desinformação por meio do programa Saúde com Ciência“, destaca.
Para alcançar o objetivo da campanha de vacinação contra a poliomielite, o MS tem investido na atualização dos sistemas de informação e no registro de dados nominais, com qualificação dos registros de vacinação, uso e perdas de imunobiológicos e o monitoramento constante das ações e resultados. Além disso, são feitas atualizações das regras e implementação do painel “Vacinação do Calendário Nacional” e o planejamento de ações adaptadas à realidade de cada território.
O Ministério da Saúde autorizou, neste ano, um recurso adicional de R$ 150 milhões para a operacionalização da Estratégia de Vacinação nas Escolas, da Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite e para o Monitoramento das Estratégias de Vacinação (MEV) contra a poliomielite e o sarampo no Brasil.
Além disso, mais de R$ 6,5 bilhões foram investidos, no ano passado, para a compra de imunizantes e a previsão é que esses recursos alcancem R$ 10,9 bilhões em 2024. Também ocorrem de forma automática os repasses administrados pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) transferidos fundo a fundo.