O administrador de empresa Chen Cheng, de 66 anos, levou 15 anos até conseguir iniciar o tratamento para a  amiloidose hereditária, uma doença rara genética, degenerativa e progressiva que afeta o sistema nervoso periférico e causa perda de sensibilidade, fraqueza e atrofia. Se não tratada corretamente, essa doença, ainda pouco conhecida, pode levar à morte em até 10 anos, após o início dos sintomas, sendo menos de cinco para os que possuem acometimento cardíaco.

A luta de Cheng só terminou após entrar com um processo judicial contra seu plano de saúde. Recentemente, ele conseguiu ter acesso a um novo medicamento para a segunda fase da doença. “Se eu tivesse começado a tomar esse medicamento antes, eu estaria bem melhor. Não teria chegado ao nível que eu cheguei”, conta o empresário.

Hoje, para ir à rua, uso cadeira de rodas. Dentro de casa tento usar o andador. Mas, vamos supor que eu tivesse essa medicação dois ou três anos atrás, eu ainda estaria de bengala. Não estaria nesse nível que eu cheguei. Hoje, eu dependo totalmente da minha esposa. Ela que me veste, que me seca no banho. A doença avança na velocidade da luz e a burocracia caminha lentamente”, lamenta Cheng.

Campanha alerta para entraves burocráticos para medicamentos

O mês de junho marca o comprometimento de associações de pacientes, cuidadores e profissionais da saúde na busca por uma melhor qualidade de vida para quem tem amiloidose hereditária associada à transtirretina (PAF-TTR) no Sistema Único de Saúde (SUS). O Congresso Nacional fica iluminado nas cores verde e vermelho, nesta quarta-feira (16), Dia de Conscientização das Amiloidoses.

A iluminação faz referência às cores das bandeiras do Brasil e de Portugal – os dois países com maior incidência de casos das amiloidoses. O tema da campanha deste ano é “Dê voz à nossa luta, seu apoio é nossa força!”. Em 2021, essa data revela também os entraves burocráticos que estão bloqueando o acesso dos pacientes de PAF-TTR a terapias inovadoras e adequadas para os diferentes estágios da doença.

Para que as opções de tratamentos sejam ampliadas, é preciso obter aprovações dos órgãos federais. Segundo entidades que representam os pacientes, avaliações técnicas equivocadas estão causando problemas na categorização de novas tecnologias pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Isso tem dificultado a viabilização de tratamentos mais avançados, ainda que estes atendam a pacientes em fases distintas de progressão da doença.

Burocracia esbarra em preços elevados de remédios

Os atrasos na aprovação e na distribuição de medicamentos para doenças raras colocam em risco a vida de pacientes que aguardam o processo para começar seus tratamentos. Há casos em que a doença já está em outro estágio, exigindo uma nova terapia, enquanto a primeira ainda não foi disponibilizada.

Um arsenal terapêutico que atenda aos distintos estágios da doença, suprindo as necessidades de cada paciente e valorizando a vida de cada pessoa, é a grande esperança dos pacientes. No entanto, desde dezembro de 2019, cerca de 150 pacientes de PAF-TTR aguardam a solução de entidades governamentais para ter acesso às medicações que podem promover o controle da doença e mais qualidade de vida. Atualmente, há apenas um medicamento aprovado no Brasil e incorporado no SUS.

Dois novos medicamentos, que atendem às necessidades dessas pessoas, aguardam a definição de preço pela CMED há mais de um ano. Levando-se em conta que a expectativa de vida dos pacientes é de até 10 anos após o diagnóstico, 10% já foram perdidos nesse processo. O problema, segundo as entidades, é que a CMED se baseia em um produto já aprovado no país para definir o preço de um novo medicamento.

A demora para disponibilizar o novo tratamento ocorre devido a avaliações técnicas equivocadas na categorização de novas terapias pela CMED, que conduz todo o processo de acordo com a Resolução CMED Nº 2, de 5/3/2004. O órgão utilizou como base comparativa o preço de um medicamento já aprovado no país, considerando apenas a indicação de acordo com o estágio da doença, não incluindo os avanços tecnológicos envolvidos no seu desenvolvimento

Vidas de pacientes em risco

Os valores do medicamento atualmente disponível e dos medicamentos que estão aguardando aprovação federal para entrar no SUS não foram revelados. No entanto, segundo o Instituto Vidas Raras (IVR), é muito difícil compará-los. “É como comparar dipirona com tramadol. O tramadol é um medicamento mais avançado e, consequentemente, mais caro. Um paciente que precisa de tramadol não será tratado com dipirona. Pode até ser que a dipirona diminua um pouco a dor, mas não irá resolver totalmente”, explicou a vice-presidente do IVR, Regina Próspero.

No caso da PAF-TTR, o tratamento disponível é destinado ao estágio I da doença, enquanto os outros dois que aguardam aprovação são para os estágios I e II. Ainda que tenha recebido a indicação para os estágios I e II (inicial e intermediário) da doença, na prática, o medicamento disponível hoje no SUS atende apenas parcialmente o estágio I em relação à eficácia e ao Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) da Polineuropatia Amiloidótica Familiar, determinado pelo Ministério da Saúde.

Sarifa, com a filha Marina, aguarda medicação desde dezembro de 2020 (Foto: Divulgação)

Em caso de falha terapêutica ou de progressão da enfermidade para o estágio II, os pacientes ficam desassistidos. Com o impasse, a vida de centenas de pacientes em estágio II de amiloidose hereditária associada à transtirretina está em risco. É o caso de Sarifa do Socorro Silva dos Santos e Santos, de 61 anos. “Pelo o que a doutora disse, esse novo medicamento é melhor do que o que eu uso, tem uma ação mais eficaz. Para [ter acesso a] essa outra medicação, eu já fiz a entrevista com a pessoa responsável, dia 13 de dezembro [2020]”, conta.

150 pacientes em estágio 2 aguardam solução para impasse

Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, alguns pacientes já perderam a janela clínica para o medicamento disponível e precisam ser inseridos nessa segunda fase de tratamento, que são duas novas tecnologias que estão sendo condicionadas a uma regulação que não é específica para elas. A estimativa da entidade é de que cerca de 150 pacientes já em estágio II aguardam a solução do impasse com a CMED.

Enquanto isso, eles são tratados com o medicamento disponível, mas a doença vai continuar avançando. Pode ser que, quando o novo tratamento for aprovado, os pacientes já estejam precisando de uma terapia mais avançada”, revelou a vice-presidente do IVR, Regina Próspero.

Para Regina, é muito difícil quando só há uma opção terapêutica porque, se não funcionar, acaba sendo um desperdício de recursos do governo, além de uma falsa esperança para o paciente e para a família que acreditam estar realizando o tratamento correto. “Às vezes, em uma mesma família, os integrantes precisam de tratamentos diferentes. Imagina no cenário nacional”, questionou.

Hoje em dia, somente cerca de 6% das mais de 8 mil doenças raras possuem um ou mais tratamentos medicamentosos que realmente mudam o curso natural da enfermidade. Contar com um arsenal terapêutico é fundamental para controlar a progressão, independentemente do estágio em que o paciente esteja, proporcionando mais tempo e qualidade de vida às pessoas com doenças raras”, explica. “É preciso quebrar paradigmas e entender que as doenças raras não afetam poucas pessoas, mas mais de 13 milhões de brasileiros”, concluiu.

Entenda a demora na aprovação de novos medicamentos

Para ter acesso a um novo medicamento ou tratamento existe um processo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que deveria levar até 180 dias. Ainda que a pandemia de Covid-19 tenha sido prioridade para órgãos reguladores no último ano, os atrasos na aprovação de tratamentos inovadores já eram registrados anteriormente.

Tudo começa com o registro sanitário na Anvisa, depois a definição de valores na CMED. Posteriormente, é possível solicitar a incorporação do medicamento para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, a Conitec. Caso utilize a rede privada, ainda é preciso solicitar a inclusão no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Para ajudar a resolver os entraves burocráticos, as entidades estão em contato direto com representantes governamentais, parlamentares, associações de pacientes e sociedade civil. A Associação de Brasileira de Paramiloidose (ABPAR), em parceria com o Instituto Vidas Raras (IVR), busca por 1 milhão de assinaturas em petição online , para que a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) reveja a classificação e a precificação de novas terapias.

Não se pode comparar um novo tratamento a um já aprovado, considerando apenas a indicação de acordo com o estágio da doença, mas desconsiderando os avanços tecnológicos envolvidos no seu desenvolvimento. A análise equivocada mata. Os critérios de avaliação precisam ser revistos com urgência. “Estamos vendo a vida dos pacientes se esvair com o passar dos dias e meses. Não temos mais tempo para esperar”, afirma Liana Ferronato, presidente da Abpar.

https://youtu.be/WL_ey66ec9U

PAF é a amiloidose mais comum

As doenças, consideradas raras, estão relacionadas ao acúmulo de proteínas não funcionais em órgãos e tecidos do corpo. A amiloidose hereditária associada à transtirretina é causada por uma alteração no gene TTR, que leva à formação de fibrilas anormais da proteína que se depositam nos órgãos na forma de amiloide. Essas fibras insolúveis, ao se aglomerarem no tecido extracelular de vários órgãos, comprometem suas funções.

A doença mais comum do grupo das amiloidoses é a polineuropatia amiloidótica familiar (PAF). A estimativa é que a enfermidade atinja 1 a cada 100 mil habitantes no Brasil. É hereditária, degenerativa e não tem cura. Segundo a Abpar, a PAF é mais frequente em pessoas na faixa dos 25 aos 35 anos, mas pode ocorrer também após os 50 anos.

Amiloidose Hereditária associada à transtirretina (PAF-TTR) é uma doença rara genética, hereditária, degenerativa e progressiva causada por uma alteração no gene da transtirretina (TTR). Isso leva à formação de fibrilas anormais da proteína TTR que se depositam nos órgãos na forma de amiloide, por isso também é conhecida por Amiloidose relacionada à transtirretina ou Amiloidose por TTR.

Essas fibras insolúveis, ao se aglomerarem no tecido extracelular de vários órgãos, comprometem suas funções e no sistema nervoso periférico causam perda de sensibilidade, fraqueza e atrofia. Devido aos primeiros sintomas aparecerem sempre nos pés, a PAF-TTR também ficou conhecida como Doença dos Pezinhos.

Doença dos Pezinhos

A doença progride dos membros inferiores para os superiores, e os pacientes relatam os primeiros sintomas como formigamento e perda de sensibilidade nos pés, dores intensas e incapacitantes, tanto superficiais como internas, surgindo mais tardiamente fraqueza e atrofia, que progridem até à incapacidade de locomoção.

Entre os sintomas da doença, estão o comprometimento sensorial e motor dos membros superiores, disfunção do aparelho gastrointestinal e urinário, diminuição da visão e arritmia cardíaca. O diagnóstico precoce é de fundamental importância, pois os tratamentos não curam as lesões preexistentes. Além da hereditariedade, fatores ambientais têm influência no desenvolvimento da doença, que pode provocar a incapacidade física e levar à morte se não for tratada.

Por ser uma doença multissistêmica, isto é, que atinge vários órgãos e sistemas, o acompanhamento e tratamento dos sintomas requer uma equipe multidisciplinar. No acompanhamento, são utilizados exames de condução nervosa (eletroneuromiografia) para monitorar a polineuropatia, assim como eletrocardiografia, ecocardiografia e holter para a cardiomiopatia, entre outros. Exames de sangue constantes, de função renal e oftalmológicos também são utilizados para monitorar o estado geral do paciente. 

Com Assessorias

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