O sequestro de um ônibus com 39 passageiros no Rio de Janeiro, que acabou com a morte de um jovem identificado como sequestrador, chama atenção para a necessidade de se debater e promover melhorias no atendimento de pacientes com transtornos mentais no Brasil.
De acordo com a família de Willian Augusto da Silva, de 20 anos, ele já havia apresentado um episódio de surto psicótico e afirmava ouvir “vozes dentro da cabeça”. Os indícios de que o trágico episódio tenha sido resultado de um transtorno psiquiátrico não tratado adequadamente levam à conclusão de que muitos fatos assim poderiam ser evitados.
De acordo com o psiquiatra da Holiste, Luiz Fernando Pedroso, o surto psicótico é um episódio de desorganização da representação da realidade que pode estar presente em diferentes transtornos psiquiátricos, oferecendo risco aos pacientes e pessoas próximas, podendo resultar em violência.
“Qualquer pessoa pode apresentar um episódio de surto psicótico em algum momento da vida. São vários os motivos que podem levar ao desenvolvimento de um quadro deste tipo; porém, as pessoas que sofrem de estresse intenso, de transtorno bipolar, de transtornos de personalidade do tipo paranóide (paranoia), narcisista, esquizotípica ou borderline, podem ter uma propensão maior”, explica o psiquiatra.
O surto psicótico pode afetar uma pessoa repentinamente, representado por sintomas como delírios e/ou alucinações, comportamento desorganizado, e de humor.
É importante salientar que os surtos psicóticos não acontecem de uma hora para outra, eles vão sendo anunciados paulatinamente. O doente vai dando sinais e as pessoas não dão a devida atenção, elas negam o que veem. Quando a situação aparece de forma gritante, extraordinária, é exatamente porque foi negada a existência da doença mental”, alerta Luiz Fernando.
Tratamento
O tratamento do quadro de surtos é definido a partir da avaliação de um profissional especializado, que irá identificar casos de doenças hereditárias na família, como a esquizofrenia por exemplo, assim como eventos estressores ou fragilidades emocionais próprias do paciente que possam ter desencadeado o surto. Estabelecido o diagnóstico, é possível definir o melhor tratamento para o indivíduo.
Luiz Fernando enfatiza que a doença mental é multifatorial – com componentes biológicos, psicológicos e sociais, sendo mais eficaz uma abordagem multidisciplinar, principalmente nos casos agudos onde é necessário internar o doente para lhe proporcionar uma assistência intensiva.
“O paciente tem que ser atendido por uma equipe, por médicos, por psicólogos, por terapeutas ocupacionais, acompanhante terapêutico etc., porque não é só debelar a psicose, mas promover a reinserção social do doente, a reconstrução dos laços familiares e afetivos que foram desgastados pela doença, para que aja a adaptação completa e a desadaptação não funcione como um gatilho para um novo surto”, finaliza o psiquiatra.
Há treinamento sobre ‘Suicide by cops’para policiais no RJ?
Ricardo França
26.8.19
Aprendi que realmente é verdade aquela frase “existe o mundo ideal e o mundo real”. O caso do
Willian Augusto da Silva foi uma reprodução ao VIVO desse transtorno mental, quando ele cometeu
um tipo de suicídio até então pouco falado no Brasil. chamado de ‘Suicide by cops’. Quando o
suicida não tem coragem de se matar e força, de alguma forma, que outra pessoa o assassine (no
caso o suicide). Soa estranho, né? E soa mesmo.
No mundo ideal, isso não teria acontecido. Hospitais e clínicas psiquiatricas estariam
funcionando com um número X de psiquiatras e psicólogos por um número y de pacientes. O
atendimento seria individualizado, e não coletivo. Os remédios estariam disponíveis
gratuitamente nas farmáfias, financiados pelo Ministério da Saúde. Coisas desse topo. Como
determina a nova lei de Saúde Mental no Brasil, promulgada pelo Governo Federal em 2001. Quando
acabaram com a lobotomia, os eletrochoques e os hospícios.
Mas o atual Sistema de Saúde cumpre o seu papel? Acho que não. Porque coube a um policial sniper
do BOPE cumprir o dever dele. Sobrou para a polía que, assim como os psicólogos que trabalham
com os PMs do BOPE, desconheciam o ‘Suicide by cops’, e traçaram o ‘perfil psicológico’ do
Willian em menos de 2 horas. E tudo foi comemorado como se todas as partes da engrenagem
tivessem agido de forma correta e profissional desde o início. O Willian só tinha 20 anos. E não
queria, nitidamente, matar ninguém. Mas arquitetou o teatro da própria morte. O enredo. As
alegorias, o local (Ponte Rio-Niterói).
Esses equívocos – que colocou em pauta o tal dio ‘Suicide by cops’ – suscitou um comportamento
sociológico interessante, muito claro nas redes sociais. O time que defende a pena de morte no
Brasil ganhou de lavada da turma dos Direitos Humanos. E, até agora, se fizer uma enquete no
Facebook ou no Twiter sobre o que é ‘Suicide by cops’… Irão falar que é uma nova série da
Netflix.
É fato que o episódio que resultou em tragédia no caso do sequestr do ônibus 174, teve forte
peso nas manifestações de ódio veiculadas nas redes sociais. Mesmo que aquele caso nada tenha a
ver em comum – a não ser o cenário da ação: o ônibuis – soou como o Dia da Vingança, finalmente.
Eu, pessoalmente, acredito que todos, no caso da Ponte Rio-Niterói (menos o papel de figurante
do governador), foram vítimas. Uns protagonistas. Outros, coadjuvantes. Houve o herói e o
bandido. E as vítimas salvas e com saúde. Final feliz.
Mas até o próximo ônibus. Ou até o próximo surto. Até a próxima bala do fuzil A 10 de outro
sniper. Sil. Porque o deputado Flávio Bolsonaro já elaborou um projeto para livrar a
responsabilidade do policial (e da equipe de negociação, incluindo a psicóloga que alimenta o
gestor de crise, com informações), de processo criminal.
O Projeto ‘Suicidado por PM’, mesmo sem nenhum laudo, incrimina a vítima por sua morte, sob esse tipo de deargumento.
E eu pergunto à PMERJ e ao BOPE. Há, senhores, treinamento sobre ‘Suicide by cops’, aos policiais do Estado do Rio de Janeiro??? (Por Ricardo França)