Entre 2022 e 2024, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou cerca de 1 milhão de procedimentos diretamente relacionados ao planejamento familiar, somando-se laqueaduras, vasectomias, inserções de DIU e de implantes subdérmicos. Houve um crescimento substancial no volume de esterilizações após as mudanças na Lei do Planejamento Familiar, com a redução da idade mínima para laqueaduras e vasectomias (de 25 para 21 anos) e a derrubada da necessidade de autorização do cônjuge para os procedimentos de esterilização.
Os dados são do Instituto Planejamento Familiar (IPFAM) lançou o Observatório do Planejamento Familiar, um repositório de dados de diversas bases públicas que reúnem estatísticas reportadas ao SUS sobre procedimentos como laqueaduras, vasectomias, inserções de dispositivos intrauterinos (DIUs) e implantes subdérmicos – considerados métodos contraceptivos de longa duração e permanentes.
Um dos bons exemplos nacionais a partir das mudanças na lei é o estado do Rio de Janeiro. O destaque fica para a elevação nas inserções de DIU, refletindo também uma preocupação contraceptiva e não apenas um procedimento definitivo para quem já tem filhos. De 2022 para 2023, o aumento foi de 295,8%. Em 2023, foram realizadas 27 mil inserções de DIU e até a metade de 2024, esse número já estava em 16,8 mil.
De 2022 para 2023, o índice de laqueaduras mais do que dobrou, com alta de 128%, saindo de cerca 8.500 em 2022 para 19.300 em 2023 e alcançando 16.768 até a metade de 2024. Já as vasectomias tiveram um aumento de quase 80% de 2022 para 2023 e até a metade de 2024 já estavam em mais de 90% do anterior inteiro.
Rio foi uma das primeiras cidades brasileiras a oferecer DIU hormonal pelo SUS
Em 2022, o Rio de Janeiro se tornou um dos primeiros municípios brasileiros a oferecer o DIU hormonal pelo SUS – anteriormente era oferecido apenas o de cobre. O dispositivo tem 99,8% de eficiência, comparável à laqueadura tubária, e é um dos métodos reversíveis com melhores resultados. Os dispositivos foram adquiridos pela Prefeitura do Rio dentro das estratégias para redução da mortalidade materna, visando o planejamento familiar, sexual e reprodutivo da mulher em idade fértil, além da prevenção de gestações indesejadas.
A Secretaria Municipal de Saúde também aumentou consideravelmente a oferta de vagas para laqueadura e vasectomia. Mensalmente são abertas cerca de 3,6 mil vagas para os dois procedimentos, um recorde na oferta de vagas. De 2020 para 2022, o número de vagas disponibilizadas para essas duas cirurgias aumentou quase seis vezes, saindo de 3.046 para 17.068. Até agosto de 2023, foram abertas mais de 23,9 mil vagas para os dois procedimentos, sendo 11,9 mil para laqueadura e 12 mil para vasectomia, zerando a fila para esse último procedimento no SISREG.
Aumento nos procedimentos também em Rondônia
Outro estado que se destaca no levantamento do Observatório do Planejamento Familiar é Rondônia, que figura nas primeiras colocações dos rankings de procedimentos por 100 mil habitantes. Em 2022, o estado realizou 3.334 inserções de DIU, 2.079 laqueaduras e 1.060 vasectomias. Com o passar dos anos, no entanto, os números apresentam uma queda no volume total de procedimentos realizados. A inserção de DIU, por exemplo, caiu 45% em 2022 na comparação com 2023. As laqueaduras mantiveram a média: em 2023 foram 2.896 frente a 1.807 até junho de 2024.
O cenário em Rondônia pode apontar tanto uma alteração nas políticas públicas de saúde do estado quanto uma possível falta de atualização dos números nas bases do SUS – o que também é um desafio em um país do tamanho do Brasil. Muitos municípios não reportam prontamente ao Ministério da Saúde o volume correto de procedimentos na área – o que não se restringe ao planejamento familiar, mas também acontece com as vacinas, por exemplo.
As realidades estaduais
Um mergulho nas estatísticas de procedimentos de planejamento familiar nos estados e no Distrito Federal leva a uma percepção sobre diferenças marcantes. Fechando os destaques de análises estaduais, em números absolutos, São Paulo realizou mais de 240 mil procedimentos entre 2022 e a metade de 2024, o que representa o mesmo que a somatória de 15 estados. Em alguns procedimentos, o volume de procedimentos também representa uma boa posição no número relativo por 100 mil habitantes, como nas vasectomias e nas inserções de DIU.
Enquanto Santa Catarina é o único estado onde o número de vasectomias supera o de laqueaduras, no Maranhão o cenário é totalmente oposto: entre 2022 e a metade de 2024, foram 24.603 laqueaduras contra apenas 504 vasectomias. A consciência paterna também se reflete no número de registros de bebês com o nome do pai. Santa Catarina só perde (por pouco) para o Paraná neste ponto, enquanto o Maranhão é um dos líderes na ausência do nome do pai na certidão de nascimento.
Há ainda os estados que se destacam por um tipo de procedimento, como é o caso de Alagoas, onde as inserções de DIU superam as laqueaduras. Entre 2022 e a metade de 2024, Alagoas registrou 6.263 procedimentos de inserção de DIU contra 4.494 de laqueaduras. Os índices são muito superiores quando comparados com o número de vasectomias, que no mesmo período de dois anos e meio somam apenas 211 procedimentos.
Mulheres mais pobres buscam métodos contraceptivos definitivos
Em um país onde muito do planejamento familiar fica com as mulheres, não surpreende o fato de que as laqueaduras dominam o cenário. O Brasil realizou mais de 500 mil laqueaduras entre 2022 e a metade de 2024, com um crescimento expressivo (77,7%) somente entre 2022 e 2023.
Até o final de junho de 2024, já tinham sido realizados quase 80% dos procedimentos do ano anterior, o que deve resultar um número bastante superior a 2023 quando as estatísticas consolidadas forem divulgadas pelo SUS.
Muitas mulheres, especialmente as que estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tendem a optar por métodos definitivos não por preferência pessoal, mas pela insegurança quanto ao acesso contínuo aos métodos contraceptivos reversíveis.
Os dados também cruzam informações de gestações na adolescência, mortalidade materna e infantil, além do número de crianças sem o registro do nome do pai na certidão de nascimento.
Municípios precisam atualizar seus indicadores
Ao tomar contato com todo esse volume de dados, percebemos também a necessidade de os municípios realizarem a atualização constante de seus indicadores locais na base nacional do Ministério da Saúde, permitindo que a análise seja fiel ao que acontece nos territórios”, afirma Lilian Leandro, cofundadora e diretora executiva do Instituto Planejamento Familiar.
Para Luiza Rodrigues, economista e membro do Comitê de Advocacy do Instituto, a partir do cruzamento dos dados sobre o planejamento familiar, sobretudo sobre o acesso aos métodos contraceptivos, é possível “direcionar os esforços de incidência política para municípios, estados e o governo federal para o cumprimento da Lei do Planejamento Familiar e por políticas públicas efetivas que tragam benefícios para a população”.
Nosso objetivo com o Observatório do Planejamento Familiar é entregar o maior volume de dados possível para permitir múltiplas análises que influenciem nas formações de políticas públicas e na melhoria da eficiência do gasto público relacionado ao planejamento familiar”, afirma Ana Clara de Carvalho Polkowski, advogada e cofundadora do Instituto Planejamento Familiar.
O Observatório do Planejamento Familiar está disponível em https://iplanejamentofamiliar.
Rio oferece vários métodos de planejamento familiar
Fila de vasectomia está zerada e quase 12 mil vagas de laqueadura foram abertas em 2023
O planejamento familiar é uma das estratégias mais importantes para o enfrentamento da mortalidade materna. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro oferece em sua rede básica métodos contraceptivos como pílula anticoncepcional, DIU hormonal e de cobre, preservativos masculino e feminino, laqueadura e vasectomia. Cada método tem benefícios e algumas contraindicações e, com a orientação do profissional de saúde, a mulher, e em algumas situações o casal, pode escolher o mais indicado para o seu caso.
As nossas 238 unidades de saúde de Atenção Primária ampliaram muito a oferta de planejamento familiar na cidade, oferecendo desde métodos mais simples até a laqueadura e a vasectomia, que são recomendados para pessoas que têm a certeza de que não querem mais ter filhos. Mas é importante reforçar que a gente também tem meios menos invasivos, como o DIU, que é um dispositivo uterino com uma capacidade de proteção muito alta e pode ser reversível”, diz o secretário municipal de saúde, Daniel Soranz.
Segundo ele, o aumento da oferta de laqueaduras e vasectomias é resultado dos investimentos da Prefeitura do Rio para zerar as filas do Sisreg até 2024. “Estamos investindo muito para que as famílias possam escolher o melhor momento de ter seus filhos”
A SMS aumentou a capacidade dos hospitais da rede para a realização de diversos procedimentos e cirurgias eletivas, atendendo assim à demanda reprimida. Ao todo, em 2020, foram ofertadas mais de 219 mil vagas para cirurgias de diversos tipos, contra 89,4 mil em 2020. Em 2023, até o mês de agosto, já foram 232,5 mil vagas disponibilizadas.
Como ter acesso aos métodos contraceptivos na cidade do Rio
Mariane Fernandes, de 21 anos, tem dois filhos e realizou a cirurgia de laqueadura em 2023 no Hospital da Mulher Mariska Ribeiro. Foram apenas seis meses entre a inserção no SISREG até o dia do procedimento cirúrgico, passando por duas consultas no processo. Além de questões relacionadas à saúde, a escolha da jovem foi pensando em planejar sua família para conseguir cuidar dos dois filhos:
Optei pela laqueadura por questão de saúde, pois tive eclâmpsia nas minhas duas gestações, e também para fazer um planejamento familiar. O mundo está muito difícil. Quero poder oferecer o melhor para os meus filhos. As minhas escolhas não podem afetar a vida deles.”
Para acesso ao planejamento familiar e aos métodos contraceptivos, os usuários devem conversar com a equipe de saúde em sua unidade de referência (clínica da família ou centro municipal de saúde). Os preservativos (camisinhas) são os únicos que previnem a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e podem ser retirados com facilidade nas unidades.
Para os demais métodos, que incluam a administração de medicação (pílula anticoncepcional), a implantação do dispositivo (DIU) ou procedimento cirúrgico (laqueadura para mulheres ou vasectomia para homens), é preciso passar pela consulta com o médico ou enfermeiro, para avaliação e definição do mais indicado para cada paciente.
Com Assessorias