O Parkinson afeta 1% da população mundial com mais de 65 anos, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a estimativa é de que aproximadamente 200 mil pessoas vivam com a condição. A doença é amplamente associado ao tremor, mas há outros sintomas que ultrapassam os distúrbios motores e impactam significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
Eles sofrem com fadiga intensa, dores crônicas, alterações cognitivas, dificuldades emocionais e alterações autonômicas podem estar associadas à doença, mas são frequentemente subestimadas pelos profissionais da saúde e pela sociedade, embora representem um comprometimento na autoestima e autonomia dos pacientes.
Para o médico Fernando Gomes, neurocirurgião, neurocientista e professor livre-docente da USP, o Dia Nacional do Portador da Doença de Parkinson (4 de abril) acende alerta para outro diagnóstico possível: Hidrocefalia de Pressão Normal, uma forma de demência tratável.
Nem todo caso que parece Parkinson é realmente Parkinson. Muitos pacientes que apresentam sintomas como dificuldade para caminhar, incontinência urinária e lapsos de memória podem, na verdade, estar enfrentando um quadro de Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) — uma condição menos conhecida, mas uma das poucas formas de demência com tratamento eficaz disponível”, diz ele.
O especialista conta que os sinais da HPN são sutis e frequentemente confundidos com envelhecimento natural ou com doenças como o Parkinson. “Por isso, muitas vezes o paciente deixa de receber o tratamento adequado, simplesmente por desconhecimento”, explica o Dr. Fernando Gomes.
Segundo ele, a HPN é uma condição neurológica que ocorre quando há acúmulo de líquido cefalorraquidiano nos ventrículos do cérebro, provocando pressão anormal, mas sem aumento da pressão intracraniana detectável”, diz.
Entre os principais sintomas, o neuro destaca que a dificuldade para andar, com passos curtos e desequilíbrio, incontinência urinária, inicialmente com urgência e depois perda involuntária e perda de memória e outros sintomas cognitivos são os que mais merecem atenção.
Segundo o Dr. Fernando, esses sinais costumam surgir a partir dos 65 anos e são muitas vezes ignorados pela própria família, que atribui ao envelhecimento ou à progressão de doenças neurodegenerativas.
A boa notícia é que a HPN pode ser identificada por exames de imagem como tomografia de crânio e ressonância magnética de encéfalo, que revelam o aumento dos ventrículos cerebrais. Com o diagnóstico correto, o tratamento — geralmente feito com a colocação de uma válvula de derivação para drenar o excesso de líquido — pode reverter significativamente os sintomas.
“Quanto mais cedo o tratamento for iniciado, maiores são as chances de melhorar a qualidade de vida do paciente e retardar a progressão da doença”, reforça o neurocirurgião.
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Pesquisador da Unicamp, destaca a necessidade de um olhar empático para os sintomas não motores da condição
Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia na Unicamp, alerta que sintomas como constipação intestinal, quedas de pressão, dificuldades de fala e problemas posturais muitas vezes passam despercebidos ou são confundidos com outras condições, retardando um diagnóstico preciso.
“A avaliação clínica não deve se limitar aos sintomas motores, uma vez que os sinais não motores podem ser igualmente debilitantes”, afirma. A identificação precoce e o tratamento adequado das manifestações não motoras são indispensáveis para o acompanhamento desses pacientes.
A importância do acompanhamento e a evolução da doença
A progressão do Parkinson varia de paciente para paciente. Enquanto alguns permanecem estáveis por décadas, outros podem experimentar uma evolução acelerada. “Pacientes mais jovens, na faixa dos 50 anos, costumam sofrer mais impacto na rotina, pois ainda estão no mercado de trabalho e enfrentam desafios como tremores em situações profissionais”, explica o Dr. Valadares.
A perda da independência, a dificuldade em planejar viagens e a impossibilidade de realizar tarefas cotidianas podem gerar um forte impacto emocional. Não por acaso, depressão e ansiedade são frequentes entre os pacientes. “Estima-se que cerca de 50% dos pacientes apresentem quadros de depressão3 e até 20%4 desenvolvam depressão severa”, aponta o médico.
Para garantir um atendimento eficaz, profissionais de múltiplas áreas da saúde devem adotar uma escuta ativa e promover um espaço onde os pacientes se sintam confortáveis para relatar as dificuldades. Segundo o neurocirurgião, a empatia aliada a uma anamnese detalhada, permite compreender melhor os impactos subjetivos da doença.
Muitas vezes, o que mais aflige o paciente não é o tremor ou a rigidez, mas sim as limitações que afetam sua independência e bem-estar emocional. Compreender essa dimensão exige tempo e um acompanhamento mais próximo”, destaca. Ele ressalta, ainda, que um tratamento eficiente deve ser multidisciplinar incluindo apoio psicológico, fisioterapia e fonoaudiologia (quando necessário).
O desafio estrutural e a necessidade de políticas públicas eficazes
A falta de infraestrutura disponível para o tratamento é um dos grandes desafios no Brasil. “Nos grandes centros urbanos, há hospitais de referência do SUS que oferecem com excelência o suporte necessário, mas, nas cidades menores, o acesso a profissionais capacitados e a terapias complementares, ou até mesmo cirurgias que poderiam beneficiar o indivíduo ainda é extremamente limitado”, alerta o Dr. Valadares.
Além desta carência, a distribuição irregular de medicamentos prejudica consideravelmente o tratamento. “O desabastecimento de medicamentos é um problema recorrente. Uma fiscalização mais rigorosa e um planejamento mais eficiente ajudariam a garantir a continuidade do tratamento”, esclarece.
A acessibilidade também representa um grande obstáculo. “As leis sobre o tema ainda são falhas e, muitas vezes, não aplicadas. O simples ato de caminhar pelas ruas pode ser uma experiência desagradável para quem tem limitações motoras, devido às barreiras urbanísticas”, observa o médico.
Por outro lado, há avanços, como a isenção do imposto de renda para aposentados e pensionistas diagnosticados com Parkinson5 – embora essa medida não contempla aqueles que ainda estão em atividade profissional.
Necessidade de inclusão e suporte à pessoa com Parkinson
Os impactos menos evidentes do Parkinson nem sempre são reconhecidos, tornando o diagnóstico e o tratamento mais complexos. Muitos pacientes enfrentam dificuldades para manter suas atividades laborais, seja por preconceito ou pela necessidade de adaptação às novas condições impostas pela doença. As famílias também sentem os reflexos da doença, e muitas vezes assumem o papel de cuidadoras sem o suporte adequado, o que gera sobrecarga emocional e financeira.
“Se quisermos melhorar o suporte aos pacientes com Parkinson, precisamos ampliar nossa compreensão sobre a doença e reconhecer suas múltiplas dimensões. O manejo deve ir além do controle dos sintomas motores, promovendo o bem-estar geral do paciente e permitindo que ele continue participando ativamente da sociedade”, reflete o neurocirurgião. Para ele, uma abordagem integrada e humanizada, políticas públicas abrangentes, ambientes de trabalho acessíveis e fomento às iniciativas que permitam a inclusão dos pacientes na vida social e profissional são fundamentais para essa doença.
Com Assessorias