A pandemia do novo coronavírus está trazendo medo, desalento e frustrando expectativas de crescimento econômico em todo o mundo. Com o número de infectados em nível global passando das centenas de milhares e as projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS) de milhões de pessoas contraindo o vírus nos próximos meses, com o Brasil em segundo lugar neste triste ranking, muitos procuram maneiras de se manter otimistas, não se desesperar e continuar com a vida mesmo em meio à quarentena e tantas mudanças.

Nestes dias difíceis como estes que estamos vivendo, histórias como a do atleta paralímpico e palestrante João Carlos, conhecido como João Saci nas redes sociais, são exemplos de superação para se espelhar. Ele venceu o câncer cinco vezes, em um intervalo de 15 anos, e perdeu mais da metade de um pulmão e uma das pernas. Mesmo assim, manteve sua dedicação aos esportes paralímpicos, conquistou mais de 40 medalhas em campeonatos e se reinventou profissionalmente.

Tornou-se também escritor e palestrante, empreendendo viagens por todo o país para falar sobre como encontrar força para vencer as situações mais adversas, mesmo contra tudo e todos que dizem que não é possível. Autor do livro ‘Nascido para Vencer’, lançado em fevereiro de 2019, quando completou 13 anos do transplante de medula, ele aponta os paralelos entre a luta que enfrentou contra o câncer e o desafio da pandemia da Covid-19.

O atleta revela as estratégias que adotou durante o tratamento e como encontrar forças para vencer em meio a crises, inclusive em tempos de coronavírus. Uma coisa que pode manter as pessoas ocupadas e com a sanidade mental em dia é ter um propósito em viver que vá além da própria vida. Confira as lições de João Saci:

Foco da mente longe do problema para encontrar forças’

Situações de doença e epidemias como essas nos fazem perceber que o que estamos passando agora pode se tornar pequeno diante do sofrimento de outras pessoas e situações. Mesmo quando não estamos motivados, quando estamos a ponto de desistir, a força para vencer qualquer situação pode ser encontrada nos exemplos, no fato de olharmos para o lado e vermos exemplos de pessoas como nós que tiraram força da fraqueza e foram além dos próprios limites.

Hoje tudo que temos que fazer é ficarmos em casa, manter a higiene em dia e apertar os cintos em relação a gastos. É uma mudança radical de rotina e de padrão de vida, mas necessária. Tudo isso pode gerar muito estresse. Ainda mais que a estamos a todo momento olhando notícias, seja na internet, redes sociais ou na TV a respeito do vírus, o que gera medo e ansiedade.

Na época que tive câncer eu evitava ficar pensando nisso o tempo inteiro, evitava pesquisar a respeito da doença, senão ia ficar paranoico com todas as possibilidades do que poderia acontecer, já que as minhas chances de sobrevivência eram realmente mínimas. Fazia coisas para me distrair, como ler livros, jogar vídeo game, ver filmes.

O que fazer durante a quarentena? Viver um dia de cada vez

Durante meu tratamento de quimioterapia fiquei 11 dias internado e, de certa forma, isolado, pois não havia tv, não havia celular com internet e eu ia vivendo um dia de cada vez. Eu evitava ficar ansioso pelo dia que sairia, eu só pensava que era um dia a menos de tratamento e um a mais de vida. Eu ia vivendo um dia de cada vez e fazendo tudo que era necessário para chegar bem no final.

Acredito que se fizermos o mesmo durante o isolamento por causa do coronavírus as coisas vão ficar bem. Se ficar só pensando no fim da quarentena, no fim do surto, você vai ficar muito ansioso e isso só vai ser prejudicial. Colocar o foco da mente para longe do problema é importante para encontrar forças, seja para vencer o coronavírus, para vencer o câncer ou para vencer qualquer grande problema.

Hoje temos uma infinidade de outras opções no nosso celular. Temos muitas ferramentas para ocupar a mente durante a quarentena. Tem sites liberando cursos gratuitos, então você pode aproveitar o momento pra se capacitar, ou fazer um curso, a academia que treino tá disponibilizando treinos para fazer em casa e tem aquelas pessoas que ainda podem trabalhar em home office.

Ter um propósito de vida também é fundamental

Eu falo muito na palestra que temos que ter um propósito e que nesse momento podemos ter um propósito muito bonito, que é pensar no próximo, se estamos em casa é para o bem de toda a sociedade, e não só pelo nosso bem. É procurar entender que ao final de tudo isso, vamos poder reunir novamente com os amigos, ir ao parque, cinemas e shoppings, e o mais importante, muitas vidas serão preservadas por nossa atitude.

É belo saber que você está fazendo isso pensando no bem do outro. Melhor afastar neste momento, porque senão o encontro pode não acontecer. Nos momentos de maiores angústias lembre-se do seu propósito que você suportará as dores do momento.

Lições de um especialista em recomeços

A pandemia frustrou planos e expectativas de muitas pessoas este ano. Sejam projetos de viagem, novos empreendimentos ou até mesmo pessoais, a quarentena e o lockdown compulsório para combater a Covid-19 fez com que muitos de nós precisássemos reavaliar, adaptar ou até mesmo desistir de coisas, muitas delas apontando para um recomeço.

O atleta paralímpico, escritor e palestrante João Saci é um especialista em recomeços. Ele acredita que quando planos se frustram na nossa vida, na verdade são oportunidades para tomar novos e melhores caminhos.

Minha vida é feita de recomeços. Me tornei um atleta paralímpico e ganhei mais de 40 medalhas no esporte porque me vi em um determinado momento da vida desafiado a me reconstruir e retomar as rédeas do meu próprio destino, ao precisar lutar contra o câncer. Encontrei forças na minha aparente fraqueza e venci cinco vezes seguidas o câncer e a cada vitória um recomeço, um aprendizado, um novo horizonte.”

João Saci aponta que, na verdade, embora nós nem sempre sejamos capazes de perceber, a vida é por si só definida por recomeços: “Tenho visto muitas pessoas que tiveram seus planos e metas frustrados devido à Covid-19. Eu mesmo ia escalar o Everest em abril deste ano e não o pude fazer por causa disto, mas isso não significa desistir, pois recomeçar é inerente a estar vivo. Quando a vida nos golpeia, abalando nossas estruturas. É aí que percebemos que temos que nos reerguer.”

Para o escritor, a emergência mundial do novo coronavírus também é uma oportunidade: “A crise e o caos não são apenas momentos ruins, mas também grandes professores. O caos não é só caótico; ele pode ser generativo porque a partir de um novo rearranjo dos fatores, se instaura uma nova mentalidade que que pode fazer a vida ser melhor.

Agora, mais do que nunca, temos diante de nós os motivos para trilhar caminhos mais certos, fazer melhores escolhas e refletir sobre tudo o que passamos. A maioria de nós irá sobreviver a esta pandemia, felizmente, e além de sairmos fortalecidos com isso uma nova consciência e consideração com o próximo irá surgir. Novos hábitos, novas escolhas e um novo mindset.”

Recomeçar é adaptar-se ao novo

Para João, nem o mundo dos esportes e nem tampouco a sociedade será a mesma após a Covid-19. Ele lembra que tanto no meio atlético quanto na nossa vida cotidiana estão havendo transformações profundas como resultado da pandemia. Há rotinas de trabalho que necessitarão ser substituídas ou abandonadas. Há produtos dentro do mix das companhias que precisam ser retirados de linha. Há empresas que devem ser fechadas.

Nada mais será igual e tudo será transformado visando uma melhoria. Por isso, quando você se mantém preparado para as mudanças que certamente ocorrerão em sua vida, o desprendimento torna-se mais fácil e é possível não apenas aprender as lições da crise mas evoluir”, ressalta.

MAIS SOBRE a VIDA DE JOÃO SACI

‘Foi um grande choque que mudou minha vida para sempre’

Ser diagnosticado com câncer pode ser uma situação desesperadora e representar uma mudança total na rotina e vida de uma pessoa. No entanto, receber a notícia que tinha a doença não foi capaz de parar João Carlos. Nos últimos 15 anos, ele foi diagnosticado cinco vezes com câncer, resultando na amputação de uma de suas pernas e de perda de mais da metade do pulmão esquerdo.

Contudo, o que poderia ser motivo para se entregar, fez com que ele seguisse em frente, conquistando mais de 40 medalhas no esporte e que se tornasse escritor e palestrante. O atleta conta como foi quando recebeu o primeiro diagnóstico.

Foi um grande choque pra mim e mudou minha vida para sempre. Aos 17 anos descobriram o primeiro câncer, que se localizava no joelho, e para evitar maiores complicações com o alastramento do câncer pelo meu corpo, tive de tomar uma difícil decisão, permitindo que amputassem a minha a perna”, conta ele.

Na época João praticava natação apenas de forma amadora, mas após a amputação decidiu se dedicar ao esporte com mais seriedade e competir como atleta. Uma no depois, em 2002, ele se tornou campeão brasileiro de natação, na modalidade 100 metros costas e campeão do Open de natação paralímpica em 2003 nos 100 metros costas.

Em 2004, o atleta alcançou o primeiro lugar na natação nos Jogos paralímpicos do Brasil 2004, na modalidade 100 metros costas, inclusive contando como índice classificatório para a paralímpiada de Atenas. Naquele mesmo ano seria segundo colocado no Campeonato brasileiro paralímpico, 50 metros livre.

Novas descobertas

Contudo, no ano de 2005, já com quatro anos atuando como atleta profissional, no auge da carreira, outra notícia veio novamente abalar o mundo de João Carlos.

Descobri estar com 12 nódulos no pulmão, mais um câncer. Após a retirada dos nódulos, através de uma cirurgia, precisei ainda ir para São Paulo fazer um transplante de medula e assim proceder com o tratamento contra o câncer. Foram alguns dos dias mais dolorosos e difíceis da minha vida”, revela.

 

Poder do amor evita até o suicídio

Naquele período, João Carlos pensou em tirar a própria vida e teve depressão. “Pensei que não valia mais a pena viver, que nada daquilo fazia sentido. Pensava que morrer podia ser a solução para acabar com tanto sofrimento”, revela.

No entanto, após o tratamento João conheceu um novo amor e encontrou na sua então namorada motivação para seguir adiante. Em 2006, pouco tempo depois de fazer o tratamento contra o câncer, resolveu se mudar para o Rio Grande do Sul para casar e viver este grande amor.

Eu precisava disto para seguir adiante. Hoje não sou mais casado, mas na época isto me motivou a tocar minha vida, a continuar treinando e a investir não apenas na minha carreira como atleta, mas nos estudos acadêmicos e no mercado de trabalho, explorar novos horizontes”.

A vida e suas surpresas

Anos depois, mudou-se para Florianópolis, onde mais uma vez foi diagnosticado com câncer no pulmão. Em 2010, devido à descoberta de mais um câncer, teria de realizar uma cirurgia que removeu metade do seu pulmão esquerdo, limitando para sempre sua capacidade aeróbica e respiratória.

Muitos pensaram que era o fim da minha carreira como atleta. O médico me disse que eu jamais teria a mesma capacidade e que isso seria um limitante para minha vida como desportista. Mas não me deixei abater e segui lutando. Logo após a retirada de parte do meu pulmão fui campeão regional de natação paralímpica. Isto significou muito para mim”, conta.

Apesar das limitações, João Carlos seguiu conquistando medalhas e participando de competições, subindo ao pódio mais de 40 vezes nos últimos anos. Além disso, praticou corridas de aventura e provas que continuamente testam a resistência do corpo e da mente.

Paixão pelo crossfit

Em busca de uma nova modalidade esportiva para se dedicar, em 2014 fez uma aula experimental de CrossFit e acabou se apaixonando pela modalidade esportiva: “Isto me motivou a fazer uma campanha na internet para comprar uma prótese especial para corrida, que custava 50 mil reais. A campanha arrecadou 60 mil reais. A partir daquele instante percebi que a minha história tinha o poder de motivar a outros”.

Após ter sido considerado curado do câncer em 2015, após 5 anos sem o aparecimento de um novo caso, foi surpreendido no ano seguinte, em 2016, com a descoberta de mais um tumor, removido cirurgicamente. Era o quinto câncer em 15 anos de muita luta, tratamentos e intervenções cirúrgicas.

Palestras e livro

Sua história começou a impactar pessoas em todo o país e assim surgiram espontaneamente em 2017 convites para que João Carlos começasse a fazer palestras. Em 10 meses fez cerca de 30 palestras, que aconteciam sempre aos finais de semana, por todo o Brasil, atividade que ele segue até hoje.

Quero através das minhas palestras não apenas contar a minha história, mas provar que é possível vencer as adversidades e que não é necessário desistir de viver. Quero mostrar que a dor tem uma capacidade enorme de ensinar.  Todo mundo tem alguma dor e que essa dor vista por um outro ponto de vista pode trazer um grande crescimento”, afirma.

Em fevereiro de 2019, João Carlos lançou ‘Nascido para Vencer’, quando completou 13 anos da realização do transplante de medula, uma data emblemática para ele. Naquele mesmo ano, foi de Porto Alegre até Goiânia de carro, fazendo nestes quase 2000 quilômetros de percurso paradas em diversas cidades, para realizar mini palestras e eventos de lançamento do livro.

Foi uma experiência incrível, de poder ter um contato bem próximo com as pessoas e impactar vidas. Foi um dos momentos mais emocionantes e gratificantes de tudo que vivi. Ali percebi que minha vida tinha um propósito maior que a minha própria vida apenas, mas que eu poderia fazer a diferença na vida de outros”, conta ele.

Além de investir na sua carreira como palestrante motivacional e na divulgação de seu livro, João tem um sonho: realizar uma nova e emocionante aventura, que é chegar a um acampamento no Everest, conhecida como a maior montanha do mundo. O sonho teve que ser adiado pela Covid-19. Mas, com certeza, ele ainda vai chegar lá. Alguém duvida?

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