A morte de Marilha Menezes Antunes, de 28 anos, na última segunda-feira (8) durante um procedimento estético no Hospital Amacor, em Campo Grande,  zona oeste carioca, reacendeu o debate sobre a segurança da lipoaspiração com enxerto de gordura nos glúteos — técnica conhecida como Brazilian Butt Lift (BBL).

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) confirmou que a jovem sofreu uma perfuração no rim e teve uma hemorragia interna, que acabou sendo fatal.  Segundo a investigação, a unidade de saúde apresentava diversas irregularidades, incluindo a presença de medicamentos vencidos e a falta de condições mínimas para a realização de cirurgias.

O caso, que está sendo investigado pela Polícia Civil e pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), traz à tona questionamentos sobre os riscos envolvidos e os cuidados necessários antes de optar por esse tipo de cirurgia.

Para a cirurgiã plástica Chreichi L. Oliveira, procedimentos como o BBL carregam riscos relevantes, principalmente relacionados à embolia gordurosa, quando partículas de gordura entram na corrente sanguínea e podem atingir órgãos vitais.

Estudos indicam que o risco de morte varia de um em 2.500 a um em 15.000, dependendo da técnica e do rigor na execução”, explica. Outras complicações incluem necrose da gordura, infecções, tromboembolismo, reações ao anestésico e resultados estéticos insatisfatórios.

Em relação ao procedimento de enxerto em glúteo, Fernando Amato, cirurgião plástico e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBP), faz uma alerta: “Enxerto de gordura em músculo, como no glúteo, atualmente é contraindicado pelo risco de embolia”.

Protocolos de segurança: o que deve ser obrigatório

De acordo com a especialista, sociedades médicas internacionais e nacionais recomendam uma série de protocolos para minimizar os riscos. Entre eles estão a injeção da gordura apenas no espaço subcutâneo, evitando o intramuscular, e o uso de ultrassom em tempo real durante o procedimento, recurso que reduz a chance de complicações graves.

A Dra. Chreichi também destaca a importância de restrições no número de cirurgias realizadas por dia, como já ocorre em alguns países, e da exigência de ambiente hospitalar ou centro cirúrgico devidamente credenciado, com suporte anestésico e emergencial. “Modelos de negócios que priorizam volume e lucro em detrimento da segurança são especialmente perigosos”, alerta.

Complicação x negligência

Um dos pontos mais discutidos após a tragédia é como diferenciar uma complicação inerente ao procedimento de um caso de negligência. Segundo a cirurgiã, complicações podem ocorrer mesmo quando todos os protocolos são seguidos corretamente, como uma embolia inesperada ou uma infecção pós-operatória tratada de imediato. Já a negligência está ligada à falha nos protocolos mínimos de segurança.

É fundamental avaliar quem realizou a cirurgia, se era especialista reconhecido, qual técnica foi utilizada, em que local a cirurgia ocorreu e como foi conduzido o atendimento no pós-operatório”, resume a médica.

O que o paciente deve observar antes da cirurgia

Na visão da Dra. Chreichi, cabe também ao paciente uma checagem criteriosa antes de escolher o profissional e o local. Ela recomenda verificar se o cirurgião é registrado e certificado em cirurgia plástica, dar preferência a clínicas com infraestrutura completa, confirmar a adoção de técnicas seguras — como o ultrassom —, e exigir transparência em todas as etapas do processo.

Preços muito baixos devem acender um sinal de alerta, pois podem indicar falta de qualidade ou de estrutura adequada. O ideal é buscar referências em associações médicas, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e priorizar sempre a segurança em vez do apelo estético imediato”, conclui.

Fernando Amato lembra que a lipoaspiração deve ser conduzida exclusivamente por médicos habilitados, em ambiente hospitalar adequado, com exames atualizados e acompanhamento multidisciplinar.”A avaliação pré-operatória criteriosa é fundamental para identificar condições clínicas que possam representar contraindicações à cirurgia”, diz ele.

Além disso, observa o especialista, a transparência na relação entre médico e paciente, a escolha de profissionais qualificados e o respeito aos protocolos de segurança são determinantes para minimizar os riscos e garantir um procedimento mais seguro.

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Entenda o caso

Médico tem mais de 10 processos e já respondeu por homicídio

O delegado Wellington Vieira pediu a prisão temporária do médico responsável pelo procedimento em uma clínica em Campo Grande, na zona oeste. José Emilio Brito possui 13 anotações criminais e responde a mais de dez processos na Justiça, relacionados ao exercício da profissão.

Em 2008, ele esteve envolvido em um caso semelhante, quando outra paciente morreu durante um procedimento realizado em uma casa de saúde no Jardim América. Por esse episódio, ele foi condenado, em 2018, a dois anos e quatro meses de prisão por homicídio culposo — quando não há intenção de matar. A pena foi convertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de multa.

O médico foi detido nesta segunda-feira (15) na Tijuca, Zona Norte do Rio, onde reside. em cumprimento a um mandado de prisão temporária. A defesa de José Emílio de Brito não se pronunciou até o momento. Já a clínica onde ocorreu o procedimento divulgou uma nota afirmando que o médico atuava de forma independente e apenas alugava o centro cirúrgico.

A direção da unidade reforçou que não possui vínculo societário com o médico e que está colaborando com as investigações. Ressaltou que não forneceu medicamentos nem materiais usados no procedimento e que José Emílio apresentou credenciais regulares junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj).

Em nota, o Cremerj informou que abriu sindicância para apurar as causas da morte da paciente, após procedimento de lipoaspiração e de enxerto nos glúteos, na segunda-feira (8). Segundo o Conselho, a investigação é sigilosa e segue todos os ritos obrigatórios do código de processo ético-profissional.

Remédios vencidos em clínica

O Cremerj realizou fiscalização na Clínica Amacor, em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio. A equipe de fiscalização da entidade médica esteve na clínica acompanhada de agentes da Delegacia do Consumidor (Decon) e da Vigilância Sanitária.

Na vistoria, a Polícia Civil encontrou remédios fora do prazo de validade em áreas comuns da clínica e, no centro cirúrgico, usado para procedimentos estéticos. Os itens apreendidos passarão por perícia técnica. A clínica foi interditada, e duas gerentes foram detidas em flagrante e liberadas após prestarem depoimentos.

A nota também afirma que a clínica passou por vistoria da Anvisa recentemente e teve sua conformidade aprovada A Amacor dissse ainda lamentar a morte da paciente e se solidarizar com a família.

Ex-pacientes relatam sequelas e medo de denunciar

Quatro ex-pacientes do médico já foram chamadas para depor. Muitas delas relataram dificuldades emocionais e constrangimento para falar sobre os procedimentos, que, em vez de trazerem melhoria na autoestima, deixaram marcas físicas e psicológicas.

Nesta segunda-feira, a Delegacia do Consumidor ouviu novos depoimentos. Entre os que prestaram esclarecimentos estão socorristas do Samu, uma ex-paciente, e familiares da vítima, incluindo o pai e a irmã. “Hoje faz uma semana da morte da minha irmã. Estou muito emocionada, mas sei que a justiça vai ser feita. Ele não vai ter chance de matar mais ninguém”, declarou Léa Caroline Menezes, irmã de Marilha.

Com Assessorias e Agência Brasil (atualizado em 15/09/25)

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